A ACEITAÇÃO CRISTÃ DA MORTE E A GRAÇA DA PERSEVERANÇA FINAL

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Fonte: Hojitas de Fe, 261 | Seminário Nossa Senhora Corredentora, FSSPX Tradução: Dominus Est

No trabalho da santificação não basta começar bem, nem sequer progredir muito e por longo tempo; o mais necessário de tudo é terminar bem, pois em todas as coisas “o fim é que coroa a obra”. Por isso toca-nos examinar, a modo de conclusão final, a boa morte considerada sob um duplo aspecto: 1º como coroação de todo o trabalho de renúncia e mortificação; 2º como coroação de todo nosso trabalho de santificação.

1º A aceitação cristã da morte, coroação de todo o trabalho de mortificação e renúncia ao pecado.

Considerada à luz da fé, a morte aparece como a penitência por excelência para expiar os pecados cometidos, e como o sacrifício por excelência para unir-nos ao holocausto do Calvário.

1 – A morte, cristãmente aceita, constitui a penitência por excelência para reparar nossos pecados. Temos as provas disso:

  1. Na vontade formal de Deus. Todas as penitências suportadas ao longo da vida são contas parciais e antecipadas; o pagamento total que a justiça divina exige por nossas dívida é a morte. Assim o decretou Deus desde que o pecado entrou no mundo: “Morrerás indubitavelmente” (Gn 2 17); assim o proclama São Paulo: “O estipêndio do pecado é a morte” (Rm 6 23).
  2. Na conduta de Jesus Cristo. Feito nosso fiador, Jesus Cristo expiou nossos pecados por sua morte na cruz; e por isso mesmo, também nós devemos pagar à justiça divina a parte que nos corresponde, unindo o sacrifício de nossa vida ao de Jesus Cristo.
  3. Na natureza do pecado e da morte. Todo pecado tem como princípio, um apego desordenado aos bens da terra, uma satisfação culpável dos sentidos, um ato de orgulho ou de vontade própria. Pois bem, aceitar cristãmente a morte é reparar: todos os nossos apegos desordenados, aceitando a separação desgarradora de todos os bens desta terra; todos os nossos prazeres culpáveis, aceitando a morte com todo seu cortejo de sofrimentos físicos e angústias morais;  todos os nossos atos de orgulho de vontade própria, fazendo-nos obedientes à vontade Deus até o ponto de aceitar a morte, tal como apraz ao Senhor no-la enviar, e a humilhação e o esquecimento supremo do túmulo. Por isso, os autores ascéticos veem na aceitação cristã da morte um ato de caridade perfeita, que tem a virtude de expiar todas as dívidas contraídas por nossos pecados.

2 – A morte, cristãmente aceita, é o sacrifício por excelência. Com efeito, para a criatura humana: • aceitar a destruição de seu ser para reconhecer o supremo domínio de Deus sobre ela, é oferecer à divina Majestade o mais perfeito holocausto; • aceitá-la com confiança e abandono filial para com nosso Pai celestial é terminar nossa vida pelo ato mais meritório; • aceitá-la, sobretudo, em união com Jesus e seu sacrifício da cruz, morrendo com Ele pela redenção das almas, é coroar nossa vida com o mais fecundo sacrifício, a imitação de Jesus, que converteu o infame patíbulo da cruz em um altar no qual consumou o mais perfeito sacrifício para glória de seu Pai e salvação das almas.

3 – A aceitação cristã da morte, prática de toda a vida. É capital e decisivo não esperar a nossa última hora para aceitar a morte em espírito de penitência e de sacrifício, mas fazer da aceitação da morte uma prática de toda a vida e ainda de cada dia.

  • É sabedoria e prudência. Coroar nossa vida com a aceitação generosa da morte é uma coisa tão grande e decisiva, que há que se entregar a ela a cada dia: tamanha obra não se improvisa. Ademais, segundo uma lei geral, anunciada por Nosso Senhor, a morte chega de improviso e nos ameaça a toda hora. Finalmente, no momento da morte, muito há que temer que a enfermidade nos prive da lucidez da mente e da liberdade de vontade necessárias para dar a este ato tão importante toda a sua perfeição.
  • É um dever a título de cristãos. Jesus faz da vigilância e preparação à morte um preceito para todos seus discípulos, comparando a morte com um ladrão que espreita sem cessar a sua vítima para despojá-la quando ela menos espera, e com um senhor que virá surpreender de improviso seu servidor para pedir-lhe contas de seu trabalho. O bom cristão deve, pois, preocupar-se habitualmente da morte, estar sempre preparado para ela (Mc 23 42-47).
  • É uma fonte de méritos. Cada vez que nos propomos, diante da eventualidade de uma morte, por aceitá-la onde, quando e como apraza a Deus no-la enviar, ganhamos integralmente o mérito deste ato. Também nisto Jesus nos serve de Modelo. Ele morreu uma só vez na Cruz; mas ao longo de toda a sua vida mortal entrevia esta morte sangrenta, aceitava-a plenamente, e unia assim de antemão o sacrifício parcial de cada instante ao sacrifício total de sua vida. Nós morreremos uma só vez; mas, a exemplo de nossa divina Cabeça, podemos ganhar todo o mérito do sacrifício de nossa morte quantas vezes e tão frequentemente quando quisermos.

2º A perseverança final,  coroação de todo nosso trabalho de crescimento na vida divina.

A perseverança final é a graça das graças, a que coroa toda nossa vida espiritual fazendo que a morte nos encontre em estado de graça e mereçamos, portanto, a eterna recompensa prometida por Deus aos bem-aventurados.

  • Sem esta graça, tudo está perdido: qualquer que seja o grau de santidade a que havemos chegado, se viéssemos a perdê-la e morrêssemos em desgraça de Deus, tudo estaria irremissivelmente perdido para nós.
  • Com esta graça, tudo está ganho: “Quem perseverar até o fim, este será salvo” (Mt 1022). Assim, pois, apenas a perseverança final dará uma resposta favorável ao angustioso interrogante de nossa vida: Merecerei o prêmio definitivo, ou o definitivo castigo? Serei um eterno bem-aventurado no céu, ou eterno condenado no inferno? Por isso, nunca faremos o bastante para assegurar nossa perseverança final.

Esta perseverança final pode considerar-se sobre um duplo aspecto: do lado do homem e do lado de Deus.

1 – Da parte do homem, a perseverança final consiste em manter-se na graça de Deus até a morte. Supõe como elemento essencial uma boa morte, isto é, uma morte em estado de graça; mas é mais ou menos perfeita, segundo a alma tenha se mantido por mais ou menos tempo na graça de Deus antes de sair deste mundo.

2 – Da parte de Deus, a perseverança final supõe todo um conjunto de socorros, não apenas ordinários, mas também extraordinários e gratuitos.

  • Socorros extraordinários, que podem ser exteriores ou interiores: EXTERIORES, como as intervenções especiais da Providência, tanto para desviar do curso de nossa existência certas circunstâncias que Deus sabia seriam fatais para nossas virtudes, como para enviar-nos a morte na hora mais favorável; INTERIORES, como as graças especiais que, por sua natureza, oportunidade e intensidade, permitem-nos triunfar nas horas críticas da vida e nas lutas supremas da agonia.
  • Socorros gratuitos: constituídos em estado de graça, podemos merecer em justiça, por nossa fidelidade e virtudes, um novo grau de graça e de glória; mas, em justiça, jamais merecer a perseverança final, já que em nenhuma parte da Escritura se nos promete como recompensa de nossas boas obras; e assim, devemos esperá-la da liberalidade divina como um puro dom.

3 – Meios para assegurar nossa perseverança final.

Os meios para assegurar a perseverança final podem reduzir-se a três: a oração, a comunhão frequente e a devoção a Maria.

1º A oração. O que não podemos exigir estritamente da justiça de Deus por via de mérito propriamente dito, podemos obtê-lo infalivelmente da misericórdia de Deus por meio de orações humildes, confiadas e perseverantes: • orações humildes: que partam da convicção de nossa radical impotência para perseverar por nossas próprias forças; • orações confiadas: apoiadas na promessa final de Deus de tudo conceder à oração feita em nome de Jesus Cristo; • orações perseverantes: já que a perseverança final supõe um encadeamento contínuo de graças, cada uma das quais é inteiramente gratuita; por isso, há que pedi-las todos os dias até o último momento.

2º A comunhão diária. Jesus Cristo mesmo afirma solenemente que a comunhão é uma prenda de perseverança final: “O que come a minha carne, e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6 54). As orações que precedem e acompanham a comunhão nos inculcam a mesma verdade: “Senhor Jesus Cristo…, fazei que eu seja sempre fiel cumpridor dos vossos mandamentos e não permitais que jamais me afaste de Vós”; “O Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo guarde a minha alma para a vida eterna”.

Ao culto eucarístico vincula-se a devoção ao Sagrado Coração e a prática reparadora da Comunhão durante nove primeiras sextas-feiras do mês, segundo a promessa expressa do Coração de Jesus a Santa Margarida Maria: “Eu prometo, na excessiva misericórdia do meu Coração, que amor todo-poderoso dele concederá, a todos aqueles que comungarem em nove primeiras sextas-feiras do mês seguidas, a graça da penitência final; eles não morrerão na minha desgraça, nem sem receber os sacramentos e o meu divino Coração será o seu asilo seguro no último momento.”

3º A devoção a Maria. A devoção a Maria sempre foi proclamada um dos sinais mais certos de predestinação, ou seja, de perseverança final: “Um escravo de Maria nunca perecerá”. Por isso, a Igreja nos incita a recorrer diariamente a Maria, ao fazer-nos dizer sem cessar a Ave Maria: “Rogai por nós, pecadores, agora”, para assegurar-nos os auxílios especiais da “viagem”, “e na hora da nossa morte”, para assegurar-nos os auxílios especiais do “supremo passo”.

A oração confiada a Maria devemos vincular a devoção ao seu Imaculado Coração e a prática reparadora da Comunhão durante os cinco primeiros sábados do mês, segundo o que a Santíssima Virgem prometeu em 1925 a Irmã Lúcia: “Dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço, e Me fizerem quinze minutos de companhia, meditando nos quinze mistérios do Rosário, com o fim de me desagravar, Eu prometo assistir-lhes, na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas”.

4º Considerações finais

Segundo o ensinamento da teologia católica, além dos meios anteriores para conseguir infalivelmente da misericórdia divina a graça da perseverança final, há certos sinais de predestinação, isto é, conjeturas pelas quais podemos e devemos alimentar uma esperança muito bem fundada de que obteremos de Deus esse grande dom. Entre eles são os principais:

• viver habitualmente na graça de Deus, fugindo com generosidade do pecado e de suas ocasiões, e praticando as virtudes cristãs;

• a paciência cristã nas adversidades;

• uma verdadeira humildade; 

• a prática sobrenatural da caridade cristã  e das obras de misericórdia;

• a união habitual a Nosso Senhor Jesus Cristo e a seus mistérios.