A DEFENSORIA CONTRA OS INDEFESOS

Fonte: Boletim Permanencia

Chesterton era mestre em levar às últimas conseqüências as falsas premissas das ideologias modernas, até o ponto de revelar alguma contradição inescapável que nos força, gentilmente, a reconhecer o acerto da posição católica.

Uma das mais célebres é aquela, no capítulo 4 da Ortodoxia, em que define a tradição como “uma extensão dos direitos civis”, uma “democracia dos mortos”, um modo de viver em sociedade que “significa dar votos à mais obscura de todas as classes, nossos antepassados”. Assim como repugna a um democrata que alguém despreze uma opinião só pelo fato de ela vir de um favelado, assim repugna a um tradicionalista que se despreze o conselho de alguém só pelo fato de ser nosso bisavô. Xeque-mate: confrontado com esse argumento, ou o democrata reconhece o valor da tradição, ou cairá em contradição com sua retórica de defesa dos mais necessitados, dos esquecidos, dos que não têm voz.

No ambiente dos tribunais, para defender aqueles que não têm meios de defesa, que não podem contratar advogados, há no Brasil o órgão da Defensoria Pública. Sua função é proteger os desvalidos, os necessitados; na palavra da moda no meio forense, os vulneráveis. E por isso seus membros se ufanam de pertencer a uma instituição que se quer como “expressão e instrumento do regime democrático” (art. 134, CF), o que está em linha com a retórica de proteção dos indefesos.

Eis que, chamada a se manifestar numa ação judicial em que o STF mais uma vez se esforça para espezinhar a lei natural (e atrair para si a vingança clamada aos céus), a Defensoria Pública da União opinou pela “descriminalização” da “interrupção da gravidez” (leia-se: homicídio de um ser humano em formação) até o 3º mês de gestação. Fundamentos? O cardápio de falácias liberais e feministas de sempre: machismo (misoginia, segundo a última reforma vocabular da Novilíngua) institucional de nossas leis, feitas por homens para vitimar mulheres; impossibilidade de se impor a maternidade; direitos sexuais e reprodutivos; dignidade humana (sempre ela!) e outros filhos do demônio.

Nas quase 30 laudas que compõem a manifestação, porém, o defensor máximo dos vulneráveis (sim, pois é o Defensor Público-Geral Federal, aliás um homem, que assina a petição) não se digna ao menos considerar a vida do nascituro, embrião ou feto. É um tema que não lhe importa. É um desassistido que não lhe interessa, mesmo que seja, aliás, uma menina prestes a morrer por eventual decisão (Deus não permita!) de um tribunal composto por 9 homens e 2 mulheres. Tal como o vice-presidente da República, ele só enxerga uma mulher adulta com “seu” corpo.

Um invasor de terras alheias amiúde recebe toda a atenção da Defensoria quando o proprietário exige reintegração de posse: função social da propriedade!, mínimo existencial!, vulnerabilidade!, dignidade humana!. Mas o ser humano indefeso e inocente pode ser despejado da sua minúscula habitação, a qual não invadiu, mas foi convidado por um ato de prazer em geral inconseqüente (e pecaminoso). Este não carece de defesa, aos olhos da Defensoria.

Fosse vivo, Chesterton reformularia sua passagem: a mais obscura das classes são os que sequer nasceram, e jamais poderão vir a opinar um dia sobre o que quer que seja. São estes, mais que os homens e mulheres ruidosos a quem o acaso deu o “privilégio” de nascer, que devem ser urgentemente empoderados.