A FORMAÇÃO DA VONTADE – ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES

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Capítulo I 

A natureza da vontade

Que é a vontade?

A vontade, sob o ponto de vista moral, pode definir-se: “O poder que tem a alma de se decidir, com consciência e reflexão, a uma determinada ação” (J.Guibert, Formação da vontade, p. 1-3-11), de executar o que resolveu, e de perseverar nas suas idéias e empreendimentos.

Quais são, pois, as condições da vontade?

São três principais:

1º – A decisão, que deve ser pessoal, refletida, conscienciosa;

2º – A execução, que deve ser enérgica, que deve libertar-se do “domínio das forças exteriores” e reger “os impulsos de vida que brotarem do interior” (obra citada).

3º – A perseverança, que “comporta a duração na decisão e no esforço” (obra citada).

Capítulo II 

As vantagens da vontade

Quais são as vantagens da vontade?

São múltiplas:

1º – A vontade evita ou corrige a irresolução.

2º – A vontade contribui para a formação da inteligência.

3º – A vontade dá o domínio de si mesmo.

4º – A vontade assegura a autoridade sobre o mundo exterior.

5º – A vontade conduz o homem ao fim que se propôs e que deve atingir.

Artigo I – A vontade evita ou corrige a irresolução

Que é a irresolução?

É o defeito dos que não sabem decidir-se; dos que depois de terem tomado uma decisão, se deixam impressionar pelas razões que militam a favor da decisão contrária; dos que voltam á primeira resolução, para passarem a uma outra, sem que nunca se possa ter a certeza de que não voltarão à primeira, ou não se ligarão a uma terceira“. (Para a descrição do tipo, ver E.Legouvê, As nossas filhas e os nossos filhos, p. 319)

Este defeito é importante?

Os moralistas não vêem nele, muitas vezes, mais que um capricho; os autores dramáticos, um ridículo a explorar. Na realidade, a irresolução é “um defeito que faz rir aqueles que o notam, e chorar aqueles que por ele são atingidos“. (Boileau). É mesmo mais que um defeito:

Estou quase tentado a chamar-lhe um vício“. (E.Legouvê, ob. cit. p. 313-319-323)

É um mal que se mistura a todos os atos da vida e que ressalta nas mais pequenas circunstâncias como nas maiores, e faz o tormento, não somente do atingido, mas também dos que o rodeiam e, finalmente, para exprimir tudo numa palavra, o paralisa, o martiriza, o ridiculariza“. (E.Legouvê, ob. cit. p. 313-319-323)

Esta irresolução resiste a uma vontade bem formada?

Não, pois que a decisão é a primeira condição duma vontade séria.

O homem dotado de força de vontade, prevê, medita espera às vezes; se hesita, consulta, e, quando está informado, escolhe“. (J.Guibert, A formação da vontade, p. 8)

Artigo II – A vontade contribui para a formação da inteligência

Como depende a inteligência da vontade?

No sentido de que a formação da inteligência requer a atenção e a aplicação, virtudes custosas, que não podem manter-se senão com esforço e, consequentemente, com o concurso da vontade.

Artigo III – A vontade dá o domínio de si mesmo

Qual a importância deste domínio de si próprio?

1º – Corrige os defeitos ou os excessos da nossa natureza.

Quase todos os homens se dividem em duas categorias: os apáticos e os excessivos. A uns falta-lhes a impulsão, os recursos vitais estão sepultados na inacção, a atividade não sobe à altura do dever

(Este “langor da alma” ou “abolia” este horror do esforço, é, no dizer de M. Payot – A educação da vontade, 6º edição, p.4 – a doença da vontade mais universal e mais perigosa)

Nos excessivos, a impulsão é, pelo contrário, violenta, desordenada, como o ardor indomável duma parelha de cavalos  que o freio não governa“. (J.Guibert, ob. cit., p.4)

O domínio, que é obra da vontade, despertará ‘nas horas de apatia as energias adormecidas’ e, ‘nas horas de excitações desordenadas’, acalmará, refreará as paixões, dirigindo na linha do dever as atividades fecundas de que a alma transborda“. (J.Guibert, ob.cit., p.4)

2º – Produz o equilíbrio, a harmonia e a constância.

Qual é a beleza deste domínio de si próprio?

Se se deve dizer com Blackie (A educação de si próprio, p. 83) que a verdadeira dignidade do homem está no que é e não no que tem, somos obrigados a concluir que só aqueles que têm conservado o domínio de si próprios gozam de alguma dignidade e de alguma grandeza, porque só eles são de si livres, só eles adquirem, só eles são capazes de ações.

Como se chega de ordinário a este domínio de si próprio?

Pela afirmação categórica da autoridade, sempre que para isso houver ocasião.

Quando um superior se apresenta diante dos seus subordinados, por exemplo, um professor diante dos seus alunos, decide no primeiro dia, pela sua atitude, do grau de autoridade de que gozará. Os alunos observaram-no, sondaram-no, tatearam-no: sabem com que podem contar.

Da mesma maneira, a vontade deve, ao primeiro encontro um pouco sério, afirmar a sua autoridade sem hesitação, com prontidão, por uma espécie de ofensiva brusca…

E o medo?

O medo é esse sentimento irrazoável, doentio, a que se dá vulgarmente o nome de receio, susto, angústia, terror, assombro, pavor, e que paralisa os espíritos mais positivos e as almas mais intrépidas.

Augusto, vencedor de Actium, tinha medo quando rugia o temporal; Turenne tinha medo na véspera duma batalha; Napoleão teve medo no 18 Brumário.

Que se deve pensar do medo?

1º – Pode-se considerá-lo “sobretudo um estado físico” (Em. Boutroux)

2º – Pode ter-se a certeza de que está muito espalhado;

Penso que aqueles que ousam afirmar que nunca tiveram medo, não são senão míopes que nunca foram capazes de compreender a ameaça“. (Dr. Lucas Championniere)

3º – Pode pensar-se que o medo não é incompatível com a coragem

Frederico Passy conta esta anedota: Um coronel interrogava um dia, após uma das maiores rebeliões do reinado de Luís Filipe, um jovem soldado, que surpreendido por alguns revoltosos e intimado a entregar as armas do corpo da guarda, tinha resistido energicamente.

Tive bastante medo, meu coronel, dizia ele ingenuamente, mas eu também tinha de cumprir as ordens que recebi.

Tiveste medo, rapaz, respondeu o coronel, mas, mesmo assim cumpriste o teu dever. Foste um bravo, um verdadeiro bravo!

4º – Deve pensar-se que o medo desaparece na ação

“Não conheço outras batalhas senão as da tribuna e do foro, escrevia o sr. Raimundo Poincaré; mas, se vos dissesse que as afronto sem medo, não acreditaríeis em mim e teríeis muita razão. De resto o remédio é sempre o mesmo: ir para a frente e lutar. Tem-se medo antes do combate, com a arma na mão; tem-se medo, quando se pede a palavra; já não há medo, quando se entra em fogo, e esse medo também deixa de existir ao pronunciar o discurso.”

E Mgr. Duchesne formula o mesmo pensamento nestas poucas palavras: “Quando se luta não há medo“.

Artigo IV- A vontade assegura a autoridade sobre o mundo exterior

Em que sentido é que os homens de vontade têm autoridade sobre o mundo exterior?

1º – No sentido de que “tudo cede perante as vontades fortes, até os elementos inanimados e as forças brutas. Graças à perseverança no trabalho e à tenacidade nos projetos, a natureza confia à vontade humana os seus segredos e os seus recursos; é por isso que se pode dizer que o gênio é uma paciência, e é certo que a vontade não tem a menor participação que o espírito nas mais belas descobertas e nas empresas mais arrojadas“.nn(J.Guibert, ob. cit., p. 6 – Este pensamento pode parecer a muitos um pouco exagerado: não estamos longe de partilhar essa opinião)

2º – No sentido de que nem os maus exemplos das pessoas sem fé e sem lei, nem o respeito humano, nem os atrativos do prazer, nem as seduções do mundo, nem o temor das dificuldades no cumprimento do dever, são capazes de exercer influência da sua decisão, ou susceptíveis de a mudar, ou de suspender a execução, uma vez que ela se tome resolutamente.

Artigo V – A vontade conduz o homem ao fim que se propôs e que deve atingir

Que razão há entre a vontade e o fim a atingir?

Quando a vontade é bem formada, a relação é íntima e quase absoluta!

Quando se quer, acaba-se sempre por poder. Quando se diz “quero”; quando sob o impulso desta palavra, se põe mãos à obra sem tardança; quando se começa; quando se continua aquilo que se começou; quando se prossegue todos os dias aquilo que se começou e continuou; quando se faz tudo isso, convencemo-nos do poder desta palavra “quero”, e compreendemos que o poder correspondente a essa força de vontade é irresistível.

Catecismo da educação – Abade René de Bethléem