A INFILTRAÇÃO DO MODERNISMO NA IGREJA – PARTE 2

2À deriva com o Concílio

A mesma coisa para o Concílio. «Tenho a intenção de fazer um Concílio». Já o Papa Pio XII tinha sido solicitado por certos cardeais para reunir um Concílio. Mas ele recusou, estimando que isso seria impossível. Não se pode, dizia ele, na nossa época, fazer um Concílio com 2.500 bispos. As pressões que se pode sofrer do fato dos meios de comunicação social são muito perigosas para que se possa reunir um Concílio. Corre-se o risco de perder o controle. E ele não fez o Concílio.

Mas o Papa João XXIII disse: não se pode ser pessimista; é preciso ver as coisas com confiança. Vamos nos reunir durante três meses, com todos os bispos do mundo inteiro. Começamos em 13 de outubro e entre 8 de dezembro e 25 de janeiro, tudo terminado, todo mundo vai embora e volta para suas casas e acaba-se o Concílio.

E o papa lançou o Concílio! Era preciso prepará-lo. Não se faz um Concílio como um sínodo. Foi preciso prepará-lo dois anos antes. Fui nomeado pessoalmente membro da Comissão Central Preparatória, sendo arcebispo de Dakar e presidente da Conferência Episcopal do Oeste Africano. Eu vim, então, a Roma, durante dois anos, ao menos umas dez vezes, para participar das reuniões dessa Comissão Central Preparatória que era, de fato, muito importante porque para ela todos os documentos das comissões secundárias eram enviados, para serem estudados e submetidos ao Concílio. Havia nessa comissão setenta cardeais e uns vinte arcebispos e bispos, além dos peritos. Mas estes não eram membros da comissão. Estavam lá somente para serem eventualmente consultados pelos membros.

A aparição da divisão

Ora, durante esses dois anos, as reuniões se sucederam e apareceu claramente, para todos os membros que estavam presentes, que havia uma divisão profunda no interior da Igreja. Uma divisão profunda, não acidental ou superficial, mas uma divisão profunda mais ainda entre os cardeais que entre os arcebispos e bispos. Na ocasião dos votos que foram feitos vimos os cardeais conservadores votarem de uma maneira e os cardeais progressistas de outra. E todos os votos eram sempre mais ou menos no mesmo sentido. Está claro que havia uma divisão real entre os cardeais.

Relatei em um de meus livros, Un Evêque Parle, um pequeno incidente que sempre lembro porque caracteriza verdadeiramente o fim dessa Comissão Central e o início do Concílio. Foi durante a última sessão; nós tínhamos recebido dois documentos sobre o mesmo tema. O Cardeal Bea tinha preparado um texto De Libertate Religiosa,“Da Liberdade Religiosa”. O Cardeal Ottaviani tinha preparado um outro: De Tolerantia Religiosa, “Da Tolerância Religiosa”.

Tratando do mesmo assunto, já os dois títulos eram significativos de duas concepções diferentes. O Cardeal Bea falava da liberdade de todos as religiões e o Cardeal Ottaviani da liberdade da religião católica e da tolerância do erro, tolerância das falsas religiões. Como isso poderia se arrumar em comissão ?

E desde o começo o Cardeal Ottaviani apontou o dedo sobre o Cardeal Bea e lhe disse: «Eminência, não tens o direito de fazer esse documento». O Cardeal Bea respondeu: «Perdão, como presidente da Comissão de Unidade eu tinha perfeitamente o direito de fazer esse documento. Logo, eu fiz esse documento cientemente. E, aliás, eu sou radicalmente opositor de vossa tese.

Assim, dois cardeais dos mais eminentes, o Cardeal Ottaviani, prefeito do Santo Ofício, e o Cardeal Bea, confessor do Papa Pio XII, jesuíta, tendo uma grande influência sobre todos os cardeais, que era bem conhecido no Instituto Bíblico, que fez estudos bíblicos muito superiores. Ou seja, duas personalidades eminentes que se opõem sobre uma tese fundamental na Igreja. Outra coisa é a liberdade de todas as religiões, isto é, por-se sobre o mesmo pé a liberdade e o erro e depois, de outro lado, a liberdade da religião católica e a tolerância dos erros.

É totalmente diferente. Tradicionalmente a Igreja foi sempre pela tese do Cardeal Ottaviani e não por aquela do Cardeal Bea, que é totalmente liberal.

Então, o Cardeal Ruffini, de Palermo, se levantou e disse: «Nós estamos na presença de dois confrades que se opõem um ao outro sobre uma questão muito importante na Igreja. Nós vamos ser obrigados a apelar à autoridade suprema».

Com freqüência, o papa vinha presidir nossas reuniões. Mas ele não estava nessa última. Então os cardeais pediram para votar: «Nós não queremos esperar ir ver o Santo Padre, nós vamos votar». Fizeram um voto. A metade dos cardeais, mais ou menos, votou pela tese do Cardeal Bea e a outra pela do Cardeal Ottaviani. Ora, todos os que votaram pelo Cardeal Bea eram os cardeais da Holanda, da Alemanha, da França, da Áustria, todos, em geral, da Europa e da América do Norte. Quanto aos cardeais tradicionais, eles eram da Cúria romana, da América do Sul e em geral os de língua espanhola.

Era uma verdadeira ruptura na Igreja. E desde esse momento eu me perguntei como o Concílio iria se passar, com oposições parecidas sobre teses também importantes. Quem vai prevalecer? É o Cardeal Ottaviani com os cardeais de língua espanhola e de língua latina, ou os cardeais europeus e os da América do Norte?

E, com efeito, a luta começou imediatamente no interior do Concílio desde os primeiros dias. O Cardeal Ottaviani apresentou a lista dos membros que faziam parte das comissões preparatórias, dando plena liberdade a cada um de escolher o que queria. Porque era evidente que nós não nos conhecíamos. Nós chegáramos, cada um de sua diocese, como conhecer os 2.500 bispos do mundo ?

Pede-se para votar para designar os membros das comissões do Concílio. Quem escolher?  Nós não conhecíamos os bispos da América do Sul, da África do Sul, da Índia.

Então o Cardeal Ottaviani pensou: Roma já fez uma escolha para todas as Comissões Preparatórias, isso poderia ser uma indicação para ajudar os padres do Concílio a escolher. Era perfeitamente normal.

O Cardeal Lienart se levantou e disse: «Nós não aceitamos esse procedimento. Pedimos 48 horas de reflexão afim de melhor conhecer aqueles que poderiam fazer parte de diferentes comissões. É uma pressão que é exercida sobre o julgamento dos padres. Nós não o aceitamos».

O Concílio tinha começado há dois dias e já era um afrontamento entre os cardeais. O que aconteceu?

Durante essas duas horas os cardeais liberais tinham já preparado listas variadas de todos os países do mundo e eles distribuíram nas caixas de correio de todos os padres do Concílio. Nós todos recebemos então uma lista propondo: membros de tal comissão, este, aquele… de diferentes países. Muitos disseram: – enfim, porque não?  Eu não os conheço. Como a lista já está pronta, só temos que nos servir. Quarenta e oito horas depois foi a lista dos liberais que veio em primeiro lugar. Mas ela não passou com dois terços de votos, como previa o regulamento do Concílio.

Então, o que faria o Papa? O Papa João XXIII iria fazer uma exceção ao regulamento do Concílio ou aplicá-lo ? Evidentemente os cardeais liberais tiveram medo e se precipitaram em busca do Papa e disseram: «Escute, temos mais da metade das vozes, quase 60%. O senhor não pode recusar isso. Não se vai ainda refazer uma eleição, não se sairá mais disso. Isto representa bem a maioria do Concílio, só podemos aceitar isso». E o Papa João XXIII aceitou. E desde o começo todos os membros da Comissão do Concílio foram nomeados pela fração liberal. Pode-se calcular que influência enorme isso iria ter no Concílio.

Estou certo que o Papa João XXIII morreu prematuramente do que ele viu e anteviu do Concílio. Ele que pensava que no fim de alguns meses tudo teria acabado. Um Concílio de três meses. Todos se abraçam e voltam para casa, felizes e contentes de ter estado em Roma e de ter feito uma boa reuniãozinha.

Ele descobriu que o Concílio era um mundo e um lugar onde haveria disputas. Nenhum texto saiu da primeira sessão do Concílio. O Papa João XXIII ficou desconcertado e eu acho que isso acelerou sua morte. Disseram mesmo que sobre seu leito de morte ele disse: «Pare o Concílio, pare o Concílio».

Paulo VI dá seu apoio aos liberais

Veio o Papa VI. E é evidente que ele deu seu apoio à facção liberal. Como assim?

Desde o começo de seu pontificado, na Segunda sessão do Concílio, ele nomeou imediatamente quatro moderadores. Mas já havia os dez presidentes que durante a primeira sessão presidiram os trabalhos do Concílio. Cada um dentre eles presidia uma sessão, depois o segundo, depois o terceiro. Eles estavam numa mesa mais elevada que os outros. Eles dirigiam o Concílio.

O Papa Paulo VI nomeou imediatamente esses quatro moderadores, e os presidentes se tornaram os presidentes de honra. Os quatros moderadores tornaram-se os verdadeiros presidentes do Concílio.

Ora, quem eram esses moderadores? O Cardeal Döpfner, de Munich, muito progressista, muito ecumênico. O Cardeal Suenens, que todo mundo conhece como mais carismático e que fez conferências em favor do casamento dos padres. O Cardeal Lercaro, conhecido por seu filo-comunismo e que tinha um vigário geral inscrito no partido comunista. E, enfim, o Cardeal Agagionian. Ele representava um pouco a facção tradicional, pode-se dizer. Era um homem discreto, sério, que por conseqüência não teve verdadeira influência sobre o Concílio. Mas os três outros conduziram a tarefa com o vento em popa. Eles reuniam constantemente os cardeais liberais, o que deu uma força considerável à facção liberal do Concílio.

Evidentemente os cardeais e os bispos tradicionalistas se acharam, desde então, como postos de lado, desprezados.

Quando o pobre cardeal Ottaviani, cego, pedia a palavra, se ele não terminasse no fim dos dez minutos que lhe era dado, escutava-se murmúrios entre os jovens bispos para lhe fazer calar, lhe fazer compreender que se estava satisfeito de lhe ouvir. Que já bastava. Foi horrível. Esse venerável cardeal, venerado por toda Roma, que teve uma influência enorme na Santa Igreja, prefeito do Santo Ofício, não é uma função qualquer. Era escandaloso ver como eram tratados aqueles que eram tradicionalistas.

Monsenhor Stoffa (nomeado cardeal mais tarde) muito ativo, recebeu da presidência do Concílio pedido que se calasse. Coisas inimagináveis.