A MISTIFICAÇÃO DO VATICANO II

Resultado de imagem para marcel lefebvreÉ interessante encontrar um precedente ao Concílio Vaticano II, pelo menos quanto aos métodos usados por uma ativa minoria liberal, que rapidamente se transformou em maioria. A este respeito deve-se observar o Concílio Geral de Éfeso, a que o Papa São Leão I deu o nome de “A Mistificação de Éfeso”. Este concílio foi presidido por um bispo ambicioso e sem escrúpulos, Dióscoro, que com a ajuda de seus monges e dos seus soldados imperiais, exerceu uma pressão extraordinária sobre os Padres do Concílio. Foi negada a presidência aos legados do Papa, presidência que eles reclamavam; as cartas pontificais não foram lidas. Este Concílio, que não foi ecumênico, chegou a declarar ortodoxo o herege Eutiques, que sustentava o erro do monofisismo (uma única natureza em Cristo).

O Vaticano II foi igualmente uma mistificação, com a diferença de que os Papas (João XXIII e Paulo VI) apesar de estar presentes, não opuseram resistência nem ao menos à manipulação dos liberais, mas até a favoreceram. Como foi possível isto? Declarando este Concílio pastoral e não dogmático, insistindo no “aggionarmento” e no ecumenismo, estes Papas privaram a si mesmos e ao próprio Concílio da intervenção do carisma da infalibilidade, que o haveria preservado de qualquer erro.

Neste  capítulo  mostrarei  três  manobras  do  clã  liberal  durante o Concílio Vaticano II. 

Manipulação nas Comissões Conciliares 

O Pélerin Magazine de 22 de novembro de 1985 citava declarações muito esclarecedoras do Cardeal Liénart ao repórter Claude  Beaufort, em 1972, sobre a primeira congregação Geral do Concílio. Cito “in extenso” este artigo intitulado “O Cardeal Liénart: O Concílio, a Apoteose de Minha Vida”. Apenas acrescentarei minhas observações167.

“Dia 13 de outubro de 1962: o Concílio Vaticano II tem sua primeira sessão de trabalho. A ordem do dia prevê que a Assembléia designe os membros das Comissões  especializadas, chamadas para ajudá-la em sua tarefa. Mas os 2300 padres reunidos na imensa nave de São Pedro mal se conheciam. Podem eleger assim equipes competentes? A Cúria resolve a dificuldade: distribui juntamente com as cédulas de votação as listas das comissões preparatórias, que haviam sido constituídas por ela. É evidente o convite para manter as mesmas equipes…”.

O que seria mais normal do que voltar a eleger para as comissões conciliares aqueles que durante três anos haviam elaborado, dentro das comissões preparatórias, textos irrepreensíveis? Mas evidentemente, esta proposta não podia ser do agrado dos inovadores:

“Na entrada da Basílica, o Cardeal Liénart foi informado pelo Cardeal Lefebvre, arcebispo de Bourges168, deste  procedimento ambíguo. Os dois conheciam o grande perigo das comissões pré-conciliares: seu caráter muito romano e pouco  acomodado  à  sensibilidade  da  Igreja  universal.  Eles temiam que as mesmas causas produzissem os mesmos efeitos. O bispo de Lille tem sua posição no Conselho de Presidência do Concílio. Esta posição lhe permite intervir, opor-se a alguma manobra e exigir os espaços de tempo necessários para que as Conferências Episcopais possam propor candidaturas representativas”.

Portanto os liberais temem os teólogos e os esquemas “romanos”. Para obter comissões de sensibilidade liberal, digamos, é preciso preparar novas listas que conterão os nomes da máfia liberal mundial: um pouco de organização, para começar uma primeira intervenção, e o conseguiram.

Ajudado por Mons. Garrone, o Cardeal Lefebvre preparou um texto em latim e o passou para o Cardeal Liénart. Havia então um texto preparado pelo Cardeal Lefebvre, arcebispo de Bouges. Quer dizer que não houve improvisação, mas premeditação, digamos: preparação, organização entre os cardeais de sensibilidade liberal.

Dez anos depois, o Cardeal Liénart recordava seu estado de ânimo naquele dia com os termos seguintes:

“Fiquei sem resposta, mas convencido de que não era razoável ficar calado pois se não falasse faltaria com meu dever. Nós não podíamos renunciar à nossa função, que era eleger. Então assumi meu papel: me inclinei para o Cardeal Tisserant que estava a meu lado e presidia e lhe disse: Eminência não se pode votar, não é razoável, nós não os conhecemos, peço-lhe a palavra. Ele respondeu: é impossível, a ordem do dia  não prevê nenhum debate; estamos reunidos simplesmente para votar, e não posso dar-lhe a palavra. Eu respondi: então vou tomá-la. Me levantei e tremendo li meu papel. Imediatamente percebi que minha intervenção respondia à angústia de toda a assistência. Aplaudiram e logo depois o Cardeal Frings, que estava um pouco mais longe, se levantou e disse o mesmo. Os aplausos redobraram. O Cardeal Tisserant propôs levantar a sessão e relatar ao Santo Padre. Tudo havia demorado apenas vinte minutos.

Os Padres saíram da Basílica, fato que alarmou aos jornalistas. Inventaram histórias: “os bispos franceses se rebelam no Concílio”, etc. Não era uma rebelião, era uma sábia reflexão. Pela minha posição e pelas circunstâncias, eu estava obrigado  a falar ou renunciar”.

Saindo do local do concílio, um bispo holandês expressava sem rodeios seu pensamento e o dos bispos liberais franceses e alemães, dizendo a um sacerdote amigo que estava a uma certa distância: “Nossa primeira vitória!”169

O I.D.O.C. ou o Intox 

Um dos meios de pressão mais eficaz do clã liberal sobre o Concílio foi o I.D.O.C., Instituto de Documentação… a serviço das produções da “inteligentsia” liberal, que agogou os Padres conciliares com inúmeros textos. Até o final da terceira sessão conciliar, o I.D.O.C. declarou haver distribuído mais de quatro milhões de folhas. A organização e as obras do I.D.O.C. foram da Conferência Episcopal Holandesa, e o financiamento havia sido assegurado em parte pelo Padre Werenfried (por desgraça) e pelo Cardeal Cushing, arcebispo de Boston nos Estados Unidos. O secretariado do Instituto situava-se na Vila dell’Amina, em Roma.

Do nosso lado, bispos conservadores, havíamos tratado de contrabalançar esta influência graças ao Cardeal Larraona, que colocou seu secretariado à nossa disposição. Tínhamos máquinas de escrever e mimeógrafos e algumas pessoas, três ou quatro. Fomos muito ativos, mas éramos insignificantes em comparação com a organização do I.D.O.C.. Brasileiros, membros da T.F.P. nos ajudaram com grande abnegação, trabalhando durante a noite rodando os textos que cinco ou seis bispos havíamos redigido. Era o comitê diretor do “Coetus Internationalis Patrum” que eu havia fundado com Mons. Carli, bispo de Segni e Mons. de Proença Sigaud, arcebispo dedestes brasileiros iam distribuir nossas folhas nos hotéis e caixas de correio dos Padres conciliares, como fazia o I.D.O.C. com uma organização vinte vezes superior à nossa.

O I.D.O.C. e muitas outras organizações e reuniões liberais, são o indício de que houve uma conjuração neste Concílio, preparada com antecedência desde muitos anos. Eles souberam o que se devia fazer, como fazer e quem devia fazê-lo. Lamentavelmente esta trama teve êxito, o Concílio foi intoxicado em sua grande maioria, pelo poder  da propaganda liberal. 

Astúcia dos Redatores dos Esquemas Conciliares 

Com 250 Padres conciliares do Coetus, havíamos tratado por todos os meios postos a nossa disposição, de impedir que se expressassem os erros liberais nos textos do Concílio. Podíamos assim limitar os danos e trocar algumas afirmações inexatas ou perigosas e agregar alguma frase para retificar proposições tendenciosas ou expressões ambíguas.

Mas devo confessar que não conseguimos purificar o Concílio do espírito liberal e modernista que impregnava a maioria dos esquemas. Com efeito, os redatores eram os peritos e os Padres manchados com este espírito. Que querem? Quando um documento está em todo seu conjunto redigido com um espírito falso, é praticamente impossível expurgá-lo deste espírito; seria necessário recompô-lo completamente para dar-lhe um espírito católico.

O que pudemos fazer pelas modificações que apresentamos, foi agregar incisos nos esquemas e isto se pode ver muito bem: basta Diamantina, no Brasil. Duzentas e cinqüenta bispos se haviam filiado à nossa organização170. Com o Padre V.A. Berto meu teólogo particular, com os bispos já citados e outros como Mons. de Castro Mayer e alguns bispos espanhóis, redigíamos estes textos que  eram impressos  durante  a  noite;  de  madrugada  alguns comparar o primeiro esquema da liberdade religiosa e o quinto que foi reeditado. Este documento foi reeditado cinco vezes e  cinco vezes voltou ao plenário, e deste modo logramos atenuar o subjetivismo que infestava as primeiras redações. O mesmo para “Gaudium et Spes”, onde se vêem os parágrafos que foram agregados, a nosso pedido, e que estão ali, eu diria, como peças colocadas em um vestido velho; não combinam com o conjunto. Não existe mais a lógica da redação primitiva, os adendos feitos para atenuar ou contradizer as afirmações liberais, ficam ali como corpos estranhos.

Não somente nós conservadores, fizemos agregar tais parágrafos, o próprio Papa Paulo VI, como se sabe, fez acrescentar uma nota explicativa preliminar à Constituição sobre a Igreja “Lúmen Gentium”, para retificar a falsa noção de colegialidade que se  insinua no nº 22.171.

Lamentavelmente os liberais praticaram este mesmo sistema nos textos dos esquemas: afirmação de um erro, de uma orientação perigosa, ou de uma ambigüidade, tendo imediatamente antes ou depois, afirmação sem sentido contrário, destinada a tranqüilizar os Padres conciliares conservadores.

Assim fizeram na Constituição sobre a Liturgia “Sacrosanctum Concilium”, escrevendo no nº 36,2: poderá se dar maior destaque à língua vernácula “confiando às Assembléias Episcopais o cuidado de decidir adotar a língua vernácula ou não adotar” (cf. nº 36,3); os redatores dos textos assim abriram as portas à supressão do latim  na liturgia. Para atenuar esta pretensão, tiveram o cuidado de escrever, no nº36,1: o uso da língua latina, salvo caso especial, será conservado nos ritos latinos. Tranqüilizados com esta afirmação, os Padres admitiram sem problemas as outras duas.

Igualmente na declaração sobre a liberdade religiosa “Dignitatis Humanae”, cujo último esquema havia sido rechaçado por numerosos Padres, Paulo VI fez acrescentar um parágrafo dizendo, em resumo: “esta Declaração não contém nada que seja contrário à tradição”172. Mas todo o conteúdo é contrário à Tradição! Alguém dirá: leia, está escrito que não há nada contrário à  Tradição. Sim, está escrito… Mas isto não impede que seja tudo contrário à  Tradição. Esta frase foi acrescentada pelo Papa no último minuto, para forçar aqueles, em particular os bispos espanhóis, que se opunham ao esquema. Com efeito, desgraçadamente a manobra surtiu efeito e em vez de 250 “não” houve somente 74, por causa de uma pequena frase: “não há nada contrário à Tradição”. Afinal de contas, sejamos lógicos! Não trocaram nada no texto, é fácil apor uma etiqueta de inocência! Procedimento espantoso! Nada mais direi sobre tais maquinações e organizações. Passemos a falar sobre o espírito do Concílio. 

Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre

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167 Le Figaro de 9 de dezembro de 1976, publicou extratos do “Journal du  Concile” do Cardeal Liénart. Michel Martin comenta estes extratos em seu artigo “L’Ardoise Refilée”, nº 165 do “Courrier de Rome”, janeiro de 1977.

168 Não confundir com seu primo Mons. Marcel Lefebvre.

169 Ralp Wiltgen “Le Rhin se jette dans le Tibre”, L’Alliance Européenne”, págs. 16-17

170 Cf. Ralph Wiltgen, op. cit. Pág. 147.

171 Ralph Wiltgen, op. cit. Pág. 224, seg

172 “Dignitatis Humanae”, nº 1 in fine, cf. Cap. 27