COMO EDUCAR UMA CRIANÇA DESOBEDIENTE – PARTE 2

desob 3Qualidades da obediência

Consideremos agora as qualidades da obediência ideal. Ela será:

a)racional:não cega, mecânica, servil, mas entendida nas suas ordens e nos seus motivos, a fim de que sua execução seja um ato humano, e não atitude de animal amestrado;

b) digna: compreendida, espontaneamente aceita, deliberada pela vontade que quer ser livre; ela não me desfaz, e sim me afirma a personalidade; não me avilta, mas me engrandece; não me torna carneiro de rebanho, mas homem que dispõe de si mesmo; é mostra de liberdade, não de servilismo;

c) confiante:anota Göttler (“Pedagogia sistemática”) que a obediência supõe “um respeito íntimo… às ordens das pessoas revestidas de autoridade, uma veneração aos superiores de qualquer categoria, enquanto eles representam as autoridades que regem a vida das sociedades“; esse respeito, essa veneração estabelecem a confiança que inclina à aceitação fácil das ordens recebidas, mesmo quando não se lhes conheça a razão ou não se lhes percebe o alcance;

d) alegre:racional, digna, confiante, a obediência será alegre, sem constrangimento maiores, sem murmurações e revoltas, sem medos nem desgostos, mas fácil e até espontaneamente pronta;

e) sobrenatural:nós, que cremos em Deus e para Ele encaminhamos a vida e a educação, tudo devemos fazer em vista da eternidade, ainda que sejam as ações mais quotidianas atividades(Ver I Cor. 10,31); nós, que sabemos que “todo poder vem de Deus” e que “resistir à autoridade é resistir a Deus” (Rm 13,1-2), devemos obedecer com essa visão sobrenatural: ela ultrapassa os homens e nos prende a Deus, garantindo-nos que teremos sempre a recompensa de nossa submissão, desde que as ordens recebidas não contrariem diretamente aos Mandamentos divinos ou aos ditames de nossa consciência.

Preparar a obediência

Embora estejam os filhos obrigados à obediência, não o podemos exigir do mesmo modo a todos. Impõe-se a discriminação, devida à idade e às circunstâncias individuais. A idade é que primeiro se apresenta.

– Na primeira fase será apenas o adestramento. Incapaz de compreender, a criancinha aprende a fazer o que a mamãe manda, e a não fazer o que ela proíbe. Vai-se habituando a atender à mamãe, que lhe falará sempre com carinho, às vezes com firmeza, até estabelecer os hábitos.

Com 18 a 20 meses, já “compreende” algumas razões, que lhe são dadas: “está molhado“, “é sujo“, “é do irmãozinho“, etc. Antes dos 2 anos, se ela foi encaminhada assim, basta-lhe um olhar ou um gesto para retirar a mãozinha.

Esta é, irremediavelmente, a fase da obediência cega, em que o único verdadeiro motivo é a vontade do educador. Embora à maioria dos pais pareça sem importância, reputam-na os modernos psicólogos a idade decisiva na vida do homem – como o alicerce para a casa. E cometem falta, às vezes irreparável, os que a desperdiçam, deixando para mais tarde o que então deve ser feito. Depois será preciso desfazer maus  hábitos, para iniciar os bons – o que representa multiplicado trabalho e precários resultados.

– Na segunda fase começamos a dar as razões de modo mais explícito, porque cresceu a capacidade de compreensão. E o educador que se preza quer estabelecer a obediência consciente. “Falem mais baixo, porque a mamãe está repousando“. “Vão brincar lá fora, porque a vovó está doente“. “Desliguem o rádio que está perturbando o estudo do papai.”

Não podemos dizer ao certo quando começará esta segunda fase. A criancinha passará logo para a idade do não, que repelirá sistematicamente o que lhe mandarmos ou pedirmos. Mas, em seguida, apelaremos  para a compreensão da criança: “Você não compreende que não pode brincar na chuva?”

O fato de compreender não significa que se renda. Compreende, mas quer ir assim mesmo. Ou tem dificuldades especiais para compreender: “Como é que Pedrinho está brincando?” Ou: “Como é que os homens trabalham na chuva, e não adoecem?”

Esta frase exige bastante paciência ao educador, para que ele:

– não descambe para o autoritarismo (“É; mas você não vai porque eu não quero“),

– não caia na discussão de igual para igual,

– ou seja derrotado, “por pontos” (“Pois, então, vá; e me deixe em paz“).

– Na terceira fase, se os passos anteriores foram seguros, o pré-adolescente e o adolescente atenderão às indicações dos pais, e o trabalho de persuasão, próprio da etapa anterior se reduzirá aos casos específicos da idade. É verdade que os surtos de independência são mais fortes, mas os pais compreensivos proporcionarão as ordens e restrições ao desenvolvimento do comportamento moral e social dos jovens.

– Henri Pradel, no excelente estudo sobre a obediência (“Comment former des hommes”), que me forneve vários elementos deste capítulo, caracteriza essas frases por três fórmulas: “Eu quero“, – “É preciso“, – “Tu deves.” Podemos também caracterizá-la por três verbos: Mandar, persuadir, indicar.

A criança que tiver sido bem trabalhada na primeira fase estará excelentemente preparada para obedecer nas demais.

Facilitar a obediência

Os pais gostam de ser obedecidos, mas os filhos não gostam muito de obedecer. Para deles conseguirem mais fácil virtude, cuidem os pais de melhorar os métodos de comando. O exercício da autoridade é uma ciência e uma arte; tem seus princípios e sua técnica. Os que as conhecem facilitarão as próprias tarefas e as dos súditos. Quem sabe mandar é mais facilmente obedecido.

Vejamos, então, algumas normas de comando pedagógico.

1ª norma: Mantenha a autoridade

Para isto:

a) acredite-se junto às crianças:

– fale com a superioridade de pais sobre filhos, na convicção de que não está apenas exercendo um direito, porém cumprindo um dever;

b) dê ordens:

– Não peça favores, pois a sua autoridade se impõe pela natureza;

– os próprios súditos gostam de ser comandados com autoridade: os judeus admiravam em Jesus que Ele falava “como quem tem autoridade, e não como os seus escribas e fariseus” (Mt 7,29);

– não discuta com os filhos: isto aniquila a capacidade de mando;

c) fale com firmeza:

– a timidez de quem manda sugere a possibilidade da desobediência;

– vendo-se temida, a criança se reputa superior, e não atende;

– uma autoridade fraca não recebe acolhida nem confiança dos súditos;

– não recue facilmente da ordem dada (a menos que tenha visto seu erro), nem ceda a pedidos, carinhos ou lágrimas (aliás, quando as crianças sabem que é inútil insistir, não insistem);

d) assegure a autoridade alheia:

– nada é mais prejudicial à autoridade do que a falta de união entre os pais – um proíbe, outro permite; um ordena, outro dispensa; um corrige, outro relaxa; ou se desentendem sobre o regime de educação, à vista das crianças; ou entram em contradição com os mestres e o colégio.

2ª norma: Seja prudente em mandar

Do contrário, a autoridade se compromete, os recuos se impõem, e as crianças encontrarão pretextos para desobedecer. Tome, pois, cuidado:

a) pense as suas ordens:

– nada de precipitação, que obrigue depois a recuar ou (pior ainda) a fazer vista grossa;

– não ordene o impossível ou sumamente difícil;

– não proíba o que as crianças nem sonhavam fazer (Pode ser isso uma sugestão à obediência. Ex: Tendo ganhado um instrumentinho de carpinteiro, o menino – 7 a 8 anos- fizera uma devastação em casa. Indo sair, a mãe, imprudentemente, lhe recomenda que, em sua ausência, poupe ao menos a mobília da sala.)

b) seja oportuna:

– escolha o momento mais propício à obediência;

– respeite a idade, o temperamento, a curiosidade, o interesse momentâneo da criança.

c) não ponha tudo no mesmo plano:

– nas recomendações às crianças, há ordens que a autoridade impõe, há conselhos que a experiência dá, e há pedidos que a amizade ou a boa vizinhança fazem: não podem ser postos no mesmo nível, pois a ordem é para ser cumprida, enquanto o pedido e o conselho ficam à generosa receptividade da criança…
– não ponha também no mesmo plano o que é contra a moral, o que é contra as boas maneiras, e o que não lhe agrada. (há pais que deixam passar princípios e atos contra a moral, que toleram a até autorizam graves pecados contra a religião e a justiça mas não suportam pequenas faltas que lhes desagradam…)

3ª norma: Fale pouco

a) Mande pouco:

– mande apenas o necessário, e não mais, para não estafar as crianças, não desanimá-las, não irritá-las nem ensinar-lhes a insubmissão;

– não faça muitas proibições, mas se restrinja ao indispensável, para não limitar demais a criança, que antes precisa aprender o que deve fazer e não o que lhe é proibido. Ex: É comum ouvir-se a mãe “educando” o filho: “Anda direiro menino“. – “Levanta essa cabeça“. – “Conserta a camisa“. – “Olha pra frente“. – “Puxa essa calça pra cima“. – “Não arraste a cadeira assim“. E dez mil outras recomendações diárias.

b) seja breve e claro:

– uma ordem longa ou confusa será, na certa, esquecida, confundida ou deixada; Ex: A mãe pergunta: “Quem de vocês quer deixar o jogo um instante, levantar-se da cadeira e ir fechar aquela porta da saleta, que está batendo com essa ventania?” A turma continuou firme no jogo. A ordem devia ter sido dada assim: – Pedro, vá fechar a porta da saleta.
– palavras rápidas e seguras, suficientes para dizermos o que é necessário, sem mais nem menos;

– fale de modo preciso e concreto, pois as recomendações vagas são quase sempre perdidas

– quando for necessário, porque a criança está um pouco longe, ou porque animado o grupo em que figura, chame-a pelo nome, e só lhe dê a ordem quando se tiver assegurado da sua atenção.

c) fale pelo gesto e pelo olhar:

– certos deveres de rotina demandam apenas um lembrete – um pequeno gesto, um olhar, um movimento de cabeça, um mexer de supercílios – e as crianças compreendem que é hora de ir para o estudo ou para o leito, que devem moderar a voz, mudar de posição, etc.

4ª norma: Mande com bons modos

a) Fale sempre delicadamente:

– mais se obedece ao modo e à pessoa do que às ordens;

– a delicadeza vai muito bem com a firmeza e com a prudência;

– o sentimento do brasileiro repele a grosseria, que fica mal em todos e especialmente num educador, e não tem cabimento entre pais e filhos;

– não pense que a delicadeza lhe diminuirá a força moral; antes a aumentará: as crianças não a confundem com fraqueza, e o agrado que ela desperta inclina à obediência e acredita a autoridade;

– quando o educador costuma fazer-se obedecido, a fórmula pode ser de súplica, e as crianças a entenderão devidamente: “Querem fazer o favor de falar mais baixo?” ; Querem ter a bondade de recolher-se?”…

b) Evite humilhações:

– elas irritam as crianças, e ante predispõem à revolta que à obediência;

– não faça comparações deprimentes (“Não faça essas caretas: fica parecendo um macaco“);

– não diminua a criança  na presença de adultos;

– elas irritam as crianças, e antes predispõem à irmãos (ficarão zombando dela), nem em face de si mesma (pode levá-la à revolta ou à inferioridade);

– não tripudie sobre a rendição do desobediente (“Conheceu, bichinho?” – “Eu sabia que você tinha de se render!”…);

c)procure captar a confiança:

– a confiança recíproca facilita os caminhos da obediência;

– abra sempre um crédito de confiança à criança, qualquer que seja a situação;

– mesmo que a prudência aconselhe uma vigilância mais estreita, retire-lhe sempre o aspecto de espionagem;

– não insinue a mínima possibilidade de desobediência, mesmo em se tratando de reincidente que certamente cairá de novo.

d) ajude a obedecer:

– estimule a criança ao cumprimento da ordem recebida;

– quando o trabalho for mais difícil ou inspirar especial repugnância à criança, comece-o com ela;

– não compre obediência com promessa (a não ser em casos raríssimos, para salvar situações extremas, em que o filho só a isso se mostrasse sensível): esse comércio ilícito mais parece suborno;
– não faça ameaças: são perigosas à educação; feitas em geral apaixonadamente, podem deixar-nos no desagradável dilema de cumpri-las (fazendo injustiça à criança, por seu demasiado rigor) ou não cumpri-las (e desmoralizar-nos), e levam também a educação para um terreno que não é desejável;

– recompense a obediência, quando ela demostrou maior esforço ou maior perfeição: os estímulos dão alavancas que removem os obstáculos mais pesados.

5º norma: Vele pela execução de suas ordens.

a) Mantenha a continuidade:

– Nada mais proveitoso à educação do que um rumo certo e a firme determinação de segui-lo: a coerência dá unidade ao trabalho educativo, emprestando-lhe maior vigor e eficiência;

– baseie a educação em princípios, repita-se com freqüência na presença dos filhos (melhor do que a eles diretamente);

– evite dar ordens e contra-ordens nascidas do capricho ou do humor (da “lua“, da veneta, ou dos “azeites”, como dizem as crianças, que nos conhecem melhor do que imaginamos);

– não recue das ordens dadas, a menos que tenha verificado sua improcedência ou nímia dificuldade, ou que de fato novo a tenha tornado dispensável ou contra-indicada.

b) Não desanime:

– educação é trabalho de paciência, não se realiza a jato, mas a passo e passo, com avanços e contra-marchas;

– o educando não pode desanimar, muito menos ainda o educador;

– reanime a criança que cair, e não deixe de aquecê-la à chama das próprias vitórias, por pequeninas que sejam;

– não há crianças normais incorrigíveis, e as anormais têm direito a todos os nossos esforços e cuidados;

– quanto mais difícil a criança ou o caso, mais necessárias a paciência e a tenacidade.

c) Peça contas das ordens dadas:

– esquecê-las é votá-las ao fracasso, pois as crianças sabem que não serão argüídas a respeito;

– entre a espionagem e o descaso está a vigilância, de que quase todos os homens precisam, e as crianças de modo especial, porque são caracteres em formação;

– o cumprimento das ordens pode ser verificado diretamente pelo educador, pois é direito e até dever seu, mas convém pedir contas ao próprio educando, a fim de despertar-lhe o espirito e mantê-lo em brios.

d) Exija até o fim:

– não transija com a desobediência, uma só vez que seja, para não insinuar fraqueza, de que se aproveitarão as crianças;

– não aceite meia tarefa, quando a pediu inteira, pois já esta meia desobediência é caminho para a desobediência total;

– se o trabalho era condicionado a algum ato, não houve válida causa excusante, considere desobediência o descumprimento do prazo;

– se o trabalho era condicionado a algum ato, este não se realizará sem aquele: “Faça este serviço antes do almoço” – e a criança só almoçará quando o tiver feito!

Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte