CONFUSÃO E QUADRATURA DO CÍRCULO

IED

Reunidos no dia 31 de agosto passado em Courtalain, doze superiores das comunidades Ecclesia Dei assinaram uma carta na qual manifestaram suas reações ao recente motu proprio Traditionis Custodes, do Papa Francisco. Muito obrigado, Santo Padre?…

Fonte: La Porte Latine – Tradução cedida pelo nosso amigo Bruno Rodrigues da Cunha

Inquietos com a ideia de que seus Institutos estejam sujeitos a visitas apostólicas disciplinares, que poderão chegar a lhes retirar a possibilidade de celebrar a missa segundo o rito de São Pio V, os signatários da cartaafirmam sua adesão ao Magistério do Vaticano II e subsequente, e se voltam aos bispos da França, para implorar por paciência e ouvidos, por compreensão e por misericórdia – num diálogo verdadeiramente humano. Nenhuma palavra acerca da nocividade intrínseca da nova missa de Paulo VI. Nenhuma palavra acerca dos frutos amargos do Concílio. Nenhuma palavra acerca da aceleração lamentável da crise da Igreja sob o Papa Francisco. E a comunhão aos divorciados recasados? E o escândalo da Pachamama? Essa diplomacia, se considerarmos tal carta como diplomacia,está muito próxima da ingenuidade ou da inconsequência, quando não da hipocrisia. O que dirão os pobres e bravos fieis que frequentam tais Institutos?…

Que pedem, de fato, todos esses superiores gerais? Pedem a liberdade, a liberdade de continuar celebrando o rito da missa antiga, no meio de todos aqueles que celebram o rito da missa nova. Ora, tal liberdade é impossível. E o que é chocante, ao se ler essa carta, é a ausência de qualquer referência à verdade subjacente: a oposição essencial que impede o novo rito da missa de Paulo VI de coabitar pacificamente com a missa de sempre.

Por que tal oposição? Repitamos a evidência: a lei da oração é expressão da lei da fé. Ora, o novo rito da missa de Paulo VI é a expressão de uma nova fé, em oposição à antiga. Dom Lefebvre apontou isso várias vezes, notavelmente em sua homilia nas ordenações sacerdotais de 29 de junho de 1976: “Temos a convicção que esse rito novo da missa exprime uma nova fé, uma fé que não é a nossa, uma fé que não é a católica. Essa nova missa é um símbolo, uma expressão, uma imagem de uma fé nova, de uma fé modernista. Esse rito novo, subentende – se posso dizer – supõe uma outra concepção da religião católica, uma outra religião”.

E a recíproca é verdadeira: o rito antigo da missa exprime uma fé que não é a do Vaticano II, que não é a fé do Papa Francisco e dos bispos da França plenamente submetidos a ele. É por essa razão tão precisa que o papa decidiu, como explicou na carta que acompanhava o motu próprio, “ab-rogar todas as normas, instruções, permissões e costumes que precedem o motu proprio Traditiones Custodes” e “suspender a faculdade acordada por seus predecessores”. O motivo fundamental dessa decisão, diz-nos o papa, é que existe “uma ligação estreita entre a escolha de celebrações segundo os livros anteriores ao Concílio Vaticano II e a rejeição da Igreja e de suas instituições em nome do que chamamverdadeira Igreja”“.

Os doze superiores dos Institutos Ecclesia Dei defendem-se em vão – com o patético de uma verborragia vitimista e chorosa – de igual rejeição, pois ela permanece inscrita na essência mesma do rito antigo da missa. A celebração da missa antiga é, enquanto tal, a rejeição não somente do novo rito de Paulo VI, mas de todo o novo magistério do Vaticano II. Além de uma rejeição de fato, de tal ou qual pessoa, que não representa o movimento Ecclesia Dei – e do qual queremos acreditar que os doze signatários, responsáveis pelos Institutos desse movimento, são inocentes –sempre permanecerá uma rejeição por princípio, que decorre necessariamente, cedo ou tarde, do rito da missa de São Pio V. A missa de sempre é incompatível com a Igreja conciliar. E é por isso que o Papa Francisco, na medida que reivindica para si essa Igreja do Concílio, não pode tolerar a missa de sempre. Dom Lefebvre outrora constatou: “Se, objetivamente, buscamos qual é o motivo verdadeiro que anima aqueles que nos mandam não realizar essas ordenações, se buscamos sua motivação profunda, vemos que é porque ordenamos nossos padres para que rezem a Missa de sempre. E é porque se sabe que esses padres serão fieis à Missa da Igreja, à Missa da Tradição, à Missa de Sempre, que somos pressionados para não os ordenar”. (Homilia para as ordenações de 29 de junho de 1976.)

Os superiores dos Institutos Ecclesia Dei não podem associar sua adesão ao Concílio e sua reivindicação a favor da missa de sempre. É a exigência da comunhão eclesial, fundada sobre a dupla lei da nova fé (Vaticano II) e da nova oração que a exprime (a nova missa de Paulo VI) que lhes interdita. Mas acaso não é essa a constatação já feita pelo papa João Paulo II, no número 5 de seu motu proprio Ecclesia Dei Afflicta? “A todos estes fiéis católicos, que se sentem vinculados a algumas precedentes formas litúrgicas e disciplinares da tradição latina”, diz ele “desejo manifestar também a minha vontade ― a qual peço que se associem a dos Bispos a de todos aqueles que desempenham na Igreja o ministério pastoral ― de lhes facilitar a comunhão eclesial, mediante as medidas necessárias para garantir o respeito das suas justas aspirações”.

No espírito de João Paulo II, pai e fundador da Comissão Ecclesia Dei e do movimento de mesmo nome, todas as medidas tomadas a favor de “certas formas litúrgicas e disciplinares anteriores da tradição latina” explicam-se em razão de uma única e mesma finalidade: facilitar a comunhão eclesial aos fiéis saídos do cisma lefebvrista. Trinta e três anos depois, o motu proprio Traditiones Custodes nada faz além de tomar as medidas necessárias para garantir o mesmo fim. E o único meio de salvaguardar a missa de sempre é e recusar essa ilusão de uma falsa “comunhão eclesial” baseada numa nova fé, que não é a fé católica. Os doze signatários conseguirão vencer tal obstáculo? É a graça que devemos desejar para eles – graça que pode ser obtida pelo Papa São Pio X que, para preservar a verdadeira fé, recebeu de Deus uma sabedoria celestial e uma coragem verdadeiramente apostólica.

Pe. Jean Michel Gleize, FSSPX

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