MOTU PROPRIO TRADITIONIS CUSTODES, PELO PE. JEAN-FRANÇOIS MOUROUX, FSSPX, PRIOR DO PRIORADO DE SÃO PAULO

http://www.catolicosribeiraopreto.com/wp-content/uploads/2019/11/jean.png

Sermão do X Domingo depois de Pentecostes proferido na Capela São Pio X, do Priorado Padre Anchieta, com publicação autorizada para o blog Dominus Est

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Caros fiéis,

Em 16 de julho, foi lançado um novo grande ataque contra a Tradição Católica: o Motu Proprio Traditionis Custodes do Papa Francisco, que reduz ao máximo a celebração da Missa Tridentina. Para a Fraternidade São Pio X (FSSPX), estas disposições não mudarão nada, exceto para lhes trazer mais fiéis. Mas é importante saber por que isto não mudará nada para nós. Também devemos entender a diferença entre a FSSPX e as chamadas comunidades “Ecclesia Dei” para as quais tudo vai mudar.

Voltemos à origem desta ruptura na luta pela defesa da Tradição católica. Em 1988, Dom Marcel Lefebvre consagrou quatro bispos sem a autorização de Roma. Para ele, era uma questão de sobrevivência. Após vários anos de negociações com Roma para tentar explicar os problemas colocados pela nova doutrina do Vaticano II, a nova liturgia, os novos sacramentos, a nova lei canônica, após os repetidos escândalos, incluindo a famosa reunião ecumênica em Assis, Dom Lefebvre estava convencido de que a hierarquia da Igreja não queria “apoiar ou continuar a Tradição“. E hoje o Papa Francisco lhe dá razão, pois deixa claro que as concessões feitas à liturgia tradicional foram feitas com o objetivo de trazer aos poucos os sacerdotes e os fiéis à nova liturgia. Então, consequentemente, Dom Lefebvre decidiu salvar a Tradição, consagrando bispos.

Infelizmente, alguns sacerdotes da Fraternidade São Pio X, naquela época não quiseram seguir Dom Lefebvre no que foi chamado de seu “cisma“. Para eles, Roma criou uma estrutura chamada Comissão Ecclesia Dei, cujo nome vem do texto que a estabeleceu. Esta estrutura reuniu gradualmente todos os Institutos que desejavam preservar a Missa tradicional sendo eles reconhecidos por Roma. Estes incluíam a Fraternidade São Pedro e o Instituto do Bom Pastor. “Não podemos desobedecer ao Papa“, disseram eles. “Temos que ficar dentro da Igreja para promover a Tradição.”

Mas para Dom Lefebvre, não se tratava de sair da Igreja, mas justamente de permanecer nela. Não foi ele quem mudou, mas as autoridades da Igreja que mudaram.

Em uma conferência em 21 de dezembro de 1984, ele disse: “Não podemos nos colocar sob uma autoridade cujas ideias são liberais e que nos condenaria pouco a pouco, pela força das circunstâncias, a aceitar suas ideias e suas consequências, antes de mais nada, a Nova Missa.”

Em uma conferência em dezembro de 1989 (um ano depois das sagrações episcopais), Dom Lefebvre voltou a falar da situação daqueles que preferiam se submeter a Roma: “Eles se encontrarão rapidamente em uma contradição, pois se aceitarem o Concilio, terão que aceitar suas consequências. E as consequências incluem a reforma litúrgica.”

Então, a atitude do arcebispo Lefebvre pode ser explicada por dois princípios:

Preserva-se bem apenas o que se defende. Queremos conservar a saúde do corpo, devemos combater contra as doenças. Seria uma loucura querer conservar a saúde do corpo sem combater contra as doenças. Então, a mesma coisa para o espírito, a mesma coisa com a fé.

O segundo princípio, não se pode defender a Tradição colocando-se sob a autoridade direta de pessoas que a querem destruir. É lógico.

Foi o que ele disse ao Cardeal Ratzinger em 14 de julho de 1987, quando o cardeal tentava desanimar D. Lefebvre de fazer as sagrações: “Não podemos colaborar porque estamos trabalhando em duas direções opostas: os senhores estão trabalhando pela descristianização da sociedade, da Igreja, e nós estamos trabalhando pela cristianização“.

De fato, sempre que se tratava de oferecer uma situação canônica à Fraternidade Sacerdotal São Pio X, Roma exigia que se aceitasse as novidades do Concilio, a nova liturgia e o magistério dos papas pós-conciliares.

Por isso que até agora, a Fraternidade não tem situação canônica, não está reconhecida oficialmente, porque para ter esse reconhecimento tem que aceitar, justamente, o que vai destruir a Tradição e nós queremos conservar a Tradição. Devemos obedecer a Deus antes de obedecer a seus ministros.

Por sua vez, os institutos Ecclesia Dei tinham seus papéis em ordem. Eles foram canonicamente reconhecidos por Roma. Mas este reconhecimento tinha um preço: o silêncio. Era impossível denunciar os erros conciliares sem incorrer em represálias da hierarquia e correr o risco de perder apostolados.

Mas abandonar a denúncia de erros que distorcem ou destroem a verdade é pôr em risco a preservação da própria verdade. Esta atitude leva a uma certa esquizofrenia e também traição.

Os sacerdotes desses institutos não podem pregar publicamente a verdade em sua totalidade e não podem condenar os erros e desvios que todos nós testemunhamos durante décadas na Igreja. Alguns são até tentados à hipocrisia afirmando publicamente seu apego às novidades conciliares, a fim de salvar seu apostolado, ao mesmo tempo em que as rejeitam internamente. Outros, de acordo com vários testemunhos recebidos, recusam-se a falar sobre a crise da Igreja aos fiéis, mesmo em particular. Eles não podem correr o risco de ser denunciados aos bispos!

Mas há coisa mais grave do que isso. Alguns chegam ao ponto de distorcer a luta que afirmam estar travando pela Tradição católica. Após a publicação do Motu proprio do Papa Francisco, houve esta declaração do superior da Fraternidade de São Pedro na França: “É um texto muito ofensivo e violento“, diz o Padre Paul-Joseph, Superior do distrito francês da Fraternidade São Pedro (FSSP). “Por um lado, fala-se de uma rejeição do Concílio, mas a Fraternidade São Pedro nunca rejeitou o Concílio Vaticano II. Para nós, não apresenta dificuldades fundamentais, mas apenas pedidos de esclarecimento sobre certos pontos que interpretamos à luz da Tradição da Igreja como recomendado por Bento XVI“, acrescentando: “Não nos pagam muito por nossa obediência a Roma, uma obediência que é a pedra angular da nossa fundação.” Ele sublinhou: “A Fraternidade São Pio X é finalmente melhor tratada do que nós. Desde nossa criação, tentamos estar neste espírito filial, com o direito que nos foi concedido de poder fazer críticas construtivas, mas permanece entre alguns uma suspeita sobre nossa comunhão eclesial, nosso estado de espírito, nossa obediência, nosso reconhecimento da validade e da fecundidade do missal de Paulo VI, que nunca questionamos.”

Posso testemunhar que, na França, as igrejas estão vazias. Durante minhas férias encontrei um pároco em um restaurante e ele é pároco de 48 paróquias. Os seminários, os mosteiros, os conventos fecharam, uma crise enorme. Então, onde está vivendo esse padre [da FSSP] falando da fecundidade do missal de Paulo VI?

Para este padre não existem dificuldades fundamentais no Concilio e a nova missa é frutífera. Por que ele se recusaria então a celebrá-la? Qual é a base de seu apego à Missa Tridentina? É apenas um apego sentimental ou estético? Não sabemos.

Quanto ao superior do Instituto Bom Pastor na Europa, que também é professor no seminário de Courtalain, ele faz questão de dar a Paulo VI e João Paulo II o título de “santo“: “São” Paulo VI, “São” João Paulo II. Esperamos que estes papas sejam santos no sentido de que agora estão no céu. Todos os cristãos têm a vocação de ir para o céu. Por outro lado, negamos que eles sejam santos no sentido de serem canonizados validamente e apresentados como um modelo de vida para toda a Igreja. Este sacerdote do Bom Pastor que reconhece a santidade de Paulo VI e João Paulo II, como ele não poderia seguir o exemplo deles? Como ele não poderia celebrar a nova missa e praticar o ecumenismo? São “santos”, foram caninizados, para ir para o céu tem que seguir o exemplo dos “santos”, tem que rezar a Missa de “são” Paulo VI, aceitar o ecumenismo de “são” João Paulo II.

Estes sacerdotes dão argumentos ao Papa Francisco. Eles justificam suas decisões. Pensamos neles quando lemos a encíclica Sapientiae Christianae do Papa Leão XIII sobre a defesa da fé:

 “Voltar aos princípios cristãos e alinhar a vida, a moral e as instituições com eles é uma necessidade que está se tornando cada vez mais evidente a cada dia.

Há quem pense que não é aconselhável resistir de frente à iniquidade poderosa e dominante, para que a luta não exaspere ainda mais os ímpios. Esses homens são a favor ou contra a Igreja? É impossível dizer. Pois, por um lado, eles afirmam professar a doutrina católica, mas, ao mesmo tempo, gostariam que a Igreja desse rédea solta a certas teorias que são contrárias a ela. Eles gemem com a perda da fé e a perversão da moral; mas não se importam em remediar tais males, e não raro até aumentam sua intensidade, seja por indulgência excessiva ou por dissimulação perniciosa. Eles não permitem que ninguém levante dúvidas sobre sua devoção à Sé Apostólica, mas eles sempre têm algumas reprovações a fazer contra o Pontífice Romano.

A prudência desses homens é de fato a que o apóstolo São Paulo chama de sabedoria da carne e morte da alma, porque não está e não pode estar sujeita à lei de Deus. Nada é menos susceptível de diminuir os males do que tal prudência. De fato, o projeto definitivo dos inimigos, e muitos deles não têm medo de explicar e se vangloriar dele abertamente, é o de oprimir a religião católica, a única verdadeira. Para alcançar tal propósito, não há nada que eles não ousem tentar. Pois eles sabem muito bem que quanto mais fazem tremer seus adversários, mais fácil será para eles realizar seus empreendimentos perversos. Portanto, aqueles que amam a prudência da carne e fingem não saber que todo cristão deve ser um valente soldado de Cristo, aqueles que fingem obter as recompensas prometidas aos vencedores vivendo como covardes e se abstendo de participar da batalha, estes não só não são capazes de deter a invasão do exército dos ímpios, como também ajudam seu progresso.”

Na realidade, todos esses padres vivem em contradição, como dizia D. Lefebvre. Uma expressão francesa diz “estar sentado entre duas cadeiras” para designar uma pessoa que não pode decidir entre duas escolhas incompatíveis. Esses sacerdotes querem fazer a ligação entre duas posições irreconciliáveis: a Tradição e a revolução que ocorreu no Concilio.

Esta situação ambígua se tornou aparente durante a crise do covid. Alguns bispos tornaram a comunhão na mão obrigatória. Assim, alguns sacerdotes da Ecclesia Dei, a fim de não dar a comunhão na mão, por um lado, e não desobedecer aos bispos, por outro, decidiram não dar a comunhão aos fiéis. Eles preferiram sacrificar o bem das almas à obediência a ordens abusivas.

Durante 30 anos, todas as concessões feitas por esses institutos em nível doutrinário, renunciando a lutar abertamente contra os erros do Concilio, tiveram como objetivo preservar o direito de celebrar a Missa tradicional. Mas uma árvore não pode sobreviver por muito tempo sem suas raízes. A prática da liturgia tradicional deve ser acompanhada pela pregação da doutrina na qual ela se baseia e, portanto, pela denúncia dos erros opostos. Sem isso, a verdade e o erro podem crescer juntos. E, um dia, o conflito inevitavelmente surge. E um dos dois deve desaparecer. Entre Tradição e revolução, devemos escolher. Não há casamento possível. O Papa Bento XVI tentou fazer isso, falando da “hermenêutica da continuidade”, uma espécie de ginástica do espírito para esforçar-se de convercer-se que as novidades do Concílio concordam com a Tradição. Ao nível litúrgico ele fez a mesma coisa dizendo ter duas formas do rito romano: a forma extraordinária e a forma ordinária. Mas não se trata do mesmo, do rito moderno de Paulo VI como do rito ambrosiano, do rito lionês, dos outros ritos católicos, porque é uma missa, justamente, feita para agradar os protestantes, tirando tudo o que estava demasiado católico na Missa. Então, de um lado temos uma Missa católica para converter os não católicos na verdadeira fé e de outro lado uma missa afastando tudo o que é católico para agradar os não católicos. Isso não pode concordar, há um conflito. O papa Bento XVI queria que os dois ritos se enriquecessem… impossível…o rito de São Pio V não precisa enriquecer-se. O outro rito, justamente, foi “purificado” de toda riqueza católica de propósito. Então, querer enriquecer o rito de São Pio V com esse novo rito não tem sentido. Então os dois estavam crescendo juntos, pouco a pouco, os jovens, fiéis, sacerdotes se animavam descobrindo a Tradição e deixando a nova missa. O Papa Francisco não pode agüentar isso, é lógico. Se o Concílio é bom, se a nova missa é boa, se os Papas após o Concílio são santos, tudo bem, tem que parar com as coisas do passado, agora vivemos esse tempo após o CVII que mudou tudo, se deve seguir.

Então, o Papa Francisco decidiu apoiar e continuar as inovações destrutivas do Concílio Vaticano II. Logicamente, ele acaba de revogar todos os direitos concedidos pelo Papa Bento XVI à Missa tradicional de 14 anos atrás. O objetivo de acabar com a missa tradicional nos próximos anos é explícito. E este papa já havia abolido a comissão Ecclesia Dei em 2019. Os institutos que dependiam desta estrutura vêem, agora mais que nunca, sua própria existência ameaçada.

Não estamos felizes com este motu proprio do Papa Francisco. Muitas pessoas haviam descoberto a missa tradicional e desfrutado desta liturgia de dois mil anos, graças às disposições de Bento XVI.

Por outro lado, padres, seminaristas e os fiéis das comunidades Ecclesia Dei se deparam com casos muito graves de consciência. Agora eles devem escolher, porque não quiseram escolher em 1988, entre aceitar as novidades e recusar tudo e combater com a Tradição, continuar com o que fizeram até agora ou fazer o que faz a FSSPX, aceitar de não estar reconhecida oficialmente para defender a fé. Mas isso significa estar afastado e continuar, mas continuar com quais Bispos? Isso é um outro problema para as ordenações, as crismas, etc. É uma grande crise para muitas almas no mundo. Então vamos rezar para todos esse padres, seminaristas e fiéis. Vamos rezar por eles. Esperamos que esta situação lhes abra os olhos.

É claro que o Papa Francisco está esclarecendo a situação tomando uma posição abertamente hostil em relação à liturgia tradicional e àqueles que a praticam. É evidente que Dom Lefebvre foi prudente e clarividente. Seguindo seu exemplo, continuemos humilde, firme e caridosamente a transmitir a herança da fé católica recebida de nossos antepassados.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

*******************************

Alguns outros textos sobre o assunto