O QUE DEVEMOS PENSAR DA DIVINA MISERICÓRDIA?

O mistério pascal e a Divina Misericórdia| Jornal o Säo Paulo

Resposta do padre Peter R. Scott sobre a Devoção a Divina Misericórdia, de Irmã Faustina Kowalska, e os decretos de Roma condenando tal devoção:

Condenada pelo Santo Ofício

Há dois decretos de Roma sobre essa questão, ambos do tempo do Papa João XXIII. A Suprema Congregação do Santo Ofício, em reunião plenária em 19 de novembro de 1958, tomou as seguintes decisões:

  1. A natureza sobrenatural das revelações feitas à Irmã Faustina não é evidente.
  2. Nenhuma festa da Divina Misericórdia deve ser instituída.
  3. É proibido divulgar imagens e escritos que propagam essa devoção da forma recebida pela Irmã Faustina.

O segundo decreto do Santo Ofício é de 6 de março de 1959, onde foi estabelecido o seguinte:

  1. A difusão de imagens e textos que promovem a devoção à Divina Misericórdia sob a forma proposta pela mesma Irmã Faustina foi proibida.
  2. A prudência dos bispos deve julgar quanto à remoção das imagens referidas que já são expostas para veneração pública.

O que havia nesta devoção que impediu o Santo Ofício de reconhecer sua origem divina? Os decretos não o dizem, mas parece que a razão está no fato de que há muita ênfase na misericórdia de Deus como que para excluir a Sua justiça. Nossos pecados e a gravidade da ofensa que eles infligem em Deus são deixados de lado como sendo de pouca importância. É por isso que o aspecto da reparação do pecado é omitido ou obscurecido.

A verdadeira imagem da misericórdia de Deus é o Sagrado Coração de Jesus, atravessado pela lança, coroado de espinhos, gotejando seu Preciosíssimo Sangue. O Sagrado Coração de Jesus exige uma devoção de reparação, conforme os papas sempre solicitaram. No entanto, este não é o caso da devoção da Divina Misericórdia. A imagem não tem coração. É um Sagrado Coração sem coração, sem reparação, sem o preço de nossos pecados sendo claramente evidente. É isso que faz com que a devoção seja muito incompleta e nos faz suspeitar de sua origem sobrenatural, independentemente das boas intenções e da santidade pessoal da Irmã Faustina. Esta ausência da necessidade de reparação dos pecados manifesta-se na estranha promessa de libertação de todas as penas temporais devidas aos pecados para aqueles que observam as devoções de domingo às 15:00h. Como tal devoção poderia ser mais poderosa e melhor do que a indulgência plenária, aplicando o extraordinário tesouro dos méritos dos santos? Como não poderia exigir como condição que realizemos uma obra penitencial por nossa própria conta? Como não poderia exigir o distanciamento do pecado, mesmo venial, que é necessário para obter a indulgência plenária?

Presunção nos escritos de Irmã Faustina

O Diário de Santa Maria Faustina Kowalska, que foi publicado, também indica muitas razões para questionar seriamente a origem sobrenatural das mais de 640 páginas de volumosas e repetidas aparições e mensagens. A característica de qualquer místico verdadeiro que recebeu graças sobrenaturais é sempre uma humildade profunda, sentimento de indignidade, conscientização e profissão da gravidade de seus pecados. No entanto, esta humildade está estranhamente faltando no diário de Irmã Faustina. Em 2 de outubro de 1936, por exemplo, afirma que o “Senhor Jesus” falou estas palavras a ela: “Agora eu sei que não é pelas graças ou dons que você me ama, mas porque a Minha vontade é mais preciosa para você do que a vida. É por isso que eu estou unindo-me a você tão intimamente como com nenhuma outra criatura” (§707, p. 288). Isso dá toda a aparência de ser uma reivindicação de que Jesus está mais unido a ela do que a qualquer outra pessoa, mais até mesmo que a Virgem Maria, e certamente mais do que todos os outros santos. Que orgulho acreditar em tal afirmação, e quanto mais afirmar que isso veio do Céu!

Em abril de 1938, Irmã Faustina leu a canonização de Santo André Bobola e encheu-se de lágrimas e anseios para que a sua congregação pudesse ter seu próprio santo. Em seguida, ela afirma o seguinte: “E o Senhor Jesus me disse: Não chores. Você é essa santa” (§1650, p. 583). Estas são palavras que com toda certeza nenhum verdadeiro santo iria afirmar, mas sim sua pecaminosidade e indignidade de sua congregação. Essa presunção em seus escritos não é isolada. Ela elogia a si mesma em várias ocasiões através das palavras supostamente proferidas por Jesus. Veja esta locução interior, por exemplo: “Amada Pérola de Meu Coração, eu vejo seu amor tão puro, mais puro do que o dos anjos, e tanto mais porque você continua lutando. Por sua causa eu abençoo o mundo” (§1061, p. 400). Em 23 de maio de 1937, ela descreve uma visão da Santíssima Trindade, depois da qual ela ouviu uma voz dizendo: “Diga ao Superior Geral para contar com você como a filha mais fiel na Ordem” (§1130, p. 417). Por conseguinte, não nos surpreendente tanto que a Irmã Faustina tenha alegado ser isenta dos Juízos tanto o Particular quanto o Universal. Em 4 de fevereiro de 1935, ela já dizia ouvir uma voz em sua alma: “De hoje em diante, não temais o Juízo de Deus, pois você não será julgada” (§374, p. 168). Adicione a isso a afirmação absurda de que a hóstia por três vezes saltou para fora do sacrário e colocou-se em suas mãos (§ 44, p. 23), de modo que ela mesma teve que abrir o sacrário e colocá-la de volta lá, mostrando assim a história de uma presunção da graça de Deus, que vai além de toda razão, quanto mais como a ação de uma pessoa supostamente favorecida com inúmeras e repetidas graças místicas e sobrenaturais.

Talvez não seja por acaso que o Papa João Paulo II promoveu esta devoção, pois está em grande sintonia com a sua encíclica Dives in Misericordia. Na verdade, a teologia do Mistério Pascal que ele ensinou deixa de lado toda a consideração da gravidade do pecado e da necessidade de penitência, de satisfação à justiça divina e, portanto, da necessidade da Missa como sendo um sacrifício expiatório, e também a necessidade de ganhar indulgências e fazer obras de penitência. Uma vez que Deus é infinitamente misericordioso e não conta os nossos pecados, todas essas coisas são consideradas como sem importância. Este não é o espírito católico.

Devemos fazer a reparação pelos nossos pecados e pelos pecados de todo o mundo, como o Sagrado Coração de Jesus pediu repetidamente em Paray-Le-Monial. É a renovação da nossa consagração ao Sagrado Coração e frequentes horas sagradas de reparação que vão trazer a conversão dos pecadores. É desta forma que podemos cooperar para trazer o Seu Reino de Amor Misericordioso, porque esse é o reconhecimento perfeito da santidade infinita da Divina Majestade e completa submissão às suas legítimas demandas. Misericórdia só significa algo quando entendemos o preço da nossa Redenção.

Retirada da Revisa Guarde a Fé, da Casa Autônoma da FSSPX no Brasil, Ano I, número 3, 2019