O REMÉDIO PARA O NATURALISMO

natAcabamos com o naturalismo: dissemos-lhe a última palavra que ele merece. Agora nos dirigimos aos homens de fé que estão interessados em nos ler e lhes dizemos: Vigiai! Recebemos de Deus a fé, a graça, o Batismo, a Crisma, a Eucaristia, todos os grande benefícios do Redentor que curam nossas almas e as recolocam no estado sobrenatural e na via da salvação eterna.

Mas trazemos em nós essa natureza cujo mal é o naturalismo. Nosso dever é não decair do estado sobrenatural onde nos pôs a graça do Redentor. A decadência poderia acontecer de diversas maneiras. «Non uno modo sacrificatur trangressoribus Angelis – há mais de uma maneira de sacrificar aos anjos transgressores», dizia Santo Agostinho.

A graça do Salvador, que nos foi dada, leva-nos não somente a fazer obras sobrenaturais, como os atos de fé, de esperança e de caridade, mas, além disso, leva-nos a sobrenaturalizar os atos que, por si mesmos, são de ordem natural, como beber e comer, andar e falar, sofrer e trabalhar, e o resto que nos toma uma boa parte de nossa curta vida.

É o que nos ensina claramente o apóstolo São Paulo: «Tudo o que fizerdes em palavras ou por obras, fazei em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, dando por ele, graças a Deus Pai». (Col. III, 17).

Depois, querendo expressamente fazer compreender que nesse mandamento estão as obras mais estritamente da ordem natural, diz: «Logo, ou comais ou bebais, ou façais qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus». (I Cor. X, 31).

Assim, os cristãos não têm com que se enganar: devem fazer sobrenaturalmente as obras essencialmente sobrenaturais e tanto quanto possível elevar até um fim sobrenatural as obras que são naturais em si mesmas.

Um cristão não pode comer por comer, nem dormir por dormir, nem trabalhar por trabalhar. Nisso, como em todas as coisas, ele deve relacionar sua vida e suas obras a um fim mais elevado, ao cumprimento da vontade de Deus: deve fazer tudo para agradar a Deus, tudo pela glória de Deus, segundo a palavra do apóstolo.

Todo ato que não preencher essas condições é pecado ou matéria de pecado.

É pecado, se é feito para obedecer a uma das três concupiscências, que procuram sempre se apoderar de nossos atos e fazer-nos decair da ordem sobrenatural.

É matéria de pecado se, por falta de vigilância, a alma se expõe à queda, esquecendo a palavra de Nosso Senhor: «Vigiai e orai, a fim de não cairdes em tentação!»

O pecado é a porta pela qual, do estado sobrenatural, o cristão cai no naturalismo.

Cai, não fazendo atos sobrenaturais; cai também, naturalizando, por assim dizer, os atos sobrenaturais.

Assim, um cristão que faz suas orações com a mesma seriedade com que diz bom dia ao vizinho, que recita simplesmente as fórmulas que encontra na memória e nos seus hábitos; que vai a Igreja como a qualquer outro lugar; que escuta a palavra de Deus com o mesmo gosto que escuta qualquer outra; que assiste à Missa esperando o fim; que comunga na Páscoa porque é de bom tom; que não faz mal a ninguém porque é correto, etc.,etc., tal cristão está longe de levar uma vida sobrenatural.

Ainda pior é usar as coisas sobrenaturais para servir a interesses terrestres, a fins naturais, digamos melhor: impregnados de naturalismo. A esse respeito escutemos Bossuet:

«Cristãos, o que corrompe nossas devoções até a raiz é que ao invés de as relacionarmos com a nossa salvação , pretendemos fazê-las servir a nossos interesses temporais .» [O interesse temporal ser o fim das devoções é uma verdadeira impiedade, é um naturalismo semelhante ao antigo paganismo.]

«Então, caridosos por interesses e piedosos por obrigação, damos um pouco a Deus para recebermos muito; e satisfeitos com o nosso zelo, que não passa de solicitude por nossos próprios interesses, achamos que Deus nos deve tudo, até milagres, para satisfazer os desejos de nosso amor próprio

[O cristianismo eleva a natureza para Deus: o naturalismo abaixa Deus até a natureza; tocamos com o dedo a impiedade causada por ele.]

«Que religião! Cremos ter feito tudo pela Virgem Santíssima, quando elevamos sua glória acima do coro dos anjos, e levamos sua santidade até o momento de sua concepção. Mas se a mancha original lhes faz tanto horror, porque não combatem em si mesmos a avareza, a ambição e a sensualidade, que são sua infeliz seqüela?»

[Avareza, ambição e sensualidade; amor ilícito pelo dinheiro, pela glória e pelo prazer: são as três concupiscências. Se Bossuet falasse hoje em dia, não deixaria de acrescentar: Se lhes agrada tanto exaltar o Coração de Jesus, porque não se inclinam a essa palavra de Jesus: «Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração».]

«Estranha ilusão com a qual o inimigo do gênero humano nos fascina! Ele não pode arrancar do coração do homem o princípio da religião, que ele sabe que está profundamente gravado; ele lhe dá então, não seu verdadeiro emprego, mas um divertimento alegre, afim de que, enganado por essa aparência, acreditemos ter satisfeito, por nossos tíbios cuidados, as sérias obrigações que a religião nos impõe: Não se enganem, Cristãos!»

Assim, os pequenos cuidados, as devoções mesquinhas, que não atrapalham a natureza e deixam que a concupiscência reine facilmente, esses pequenos cuidados não nos dispensarão nunca das nossas sérias obrigações. Se nos enganamos com isso, tratemos de nos desenganar. Nossa grande obrigação é amar a Deus sobre todas as coisas. A obediência a esse grande mandamento nos eleva acima da natureza, nos salva totalmente do naturalismo, nos leva para a vida sobrenatural e, de lá, diretamente para a vida eterna.

Por isso, amemos o bom Deus!

A vida natural e a vida sobrenatural – Pe. Emmanuel-André