RESTAURAÇÃO DO MATRIMÔNIO CRISTÃO – PARTE 2

mat1A exagerada educação fisiológica

Mas esta sã instrução e educação religiosa acerca do matrimônio cristão estará bem longe daquela exagerada educação fisiológica com que em nossos dias certos reformadores da vida conjugal dizem vir em auxílio dos esposos, gastando com essas coisas fisiológicas muitas palavras, com as quais, no entanto, se aprende mais a arte de pecar habilmente do que a virtude de viver castamente.

Pelo que, com todo o coração, tornamos Nossas, Veneráveis Irmãos, as palavras que o Nosso Predecessor, de feliz memória, Leão XIII dirigiu aos Bispos de todo o mundo na Encíclica acerca do matrimônio cristão: “Na medida em que possais fazer sentir os vossos esforços e a vossa autoridade, empenhai-vos por que nos povos entregues aos vossos cuidados se mantenha íntegra e incorrupta a doutrina que Cristo Senhor e os Apóstolos, intérpretes da vontade do Céu, ensinaram, e que a Igreja Católica conservou religiosamente e ordenou que fosse guardada pelos cristãos de todos os tempos” (Enc. Arcanum, 10 de fevereiro de 1880).

Vontade Decidida

Mas ainda a melhor educação ministrada por meio da Igreja não basta, por si só, para conseguir novamente a conformidade do matrimônio com a lei de Deus; é necessário que ao esclarecimento da inteligência nos esposos ande anexa a vontade firme de observar as santas leis de Deus e da natureza acerca do matrimônio. Por mais teorias que outros queiram defender e espalhar mediante discursos ou por escrito, devem os cônjuges propor-se com firmeza e constância de vontade e sem hesitação alguma a cumprir os mandamentos de Deus no que respeita ao matrimônio, isto é, prestar-se mutuamente o auxílio da caridade, mantendo a fidelidade da castidade, não tentando jamais contra a estabilidade do vínculo, usando sempre dos direitos matrimoniais de harmonia com o senso e a piedade cristã, particularmente no primeiro período da união, de forma que, se em seguida as circunstâncias devidas ao hábito impuserem a continência, a ambos se torne mais fácil observá-la.

Servir-lhes-á de grande auxilio para conceberem, manterem e realizarem tão firme idéia o considerar freqüentemente o seu estado e a operosa lembrança do Sacramento recebido. Lembrem-se assiduamente de que foram santificados e fortificados nos deveres e na dignidade de seu estado por meio de um Sacramento especial, cuja virtude eficaz, embora não imprima caráter, é porém permanente. Reflitam por isso nestas verdades fecundas e consoladoras palavras do Santo Cardeal Roberto Belarmino, que, com outros autorizados teólogos, assim piamente sente e escreve: “O Sacramento do matrimônio pode encarar-se por dois aspectos: o primeiro enquanto se celebra, o segundo enquanto perdura depois de ter sido celebrado. Isto porque é um Sacramento semelhante à Eucaristia, que é um Sacramento que o é não só enquanto se recebe mas também enquanto perdura, uma vez que enquanto os cônjuges vivem a sua união é sempre o Sacramento de Cristo e da Igreja” (De controversiis, tom. III, De Matr., controvers. II, cap. 6).

Cooperação com a graça

Mas, para que a graça deste Sacramento exerça toda a sua eficácia, requer-se igualmente, como já dissemos, o concurso dos cônjuges, que consiste em, por indústria e cuidado próprio, se esforçarem seriamente em fazer o que deles depende para o cumprimento dos deveres. Assim como na ordem da natureza, para que as forças concedidas por Deus manifestem toda a sua eficácia, devem ser aplicadas pelos homens com o próprio trabalho e cuidado, e se não o fizerem nenhum resultado deles tiram, assim também as forças da graça, que do Sacramento derivam para o coração e nele permanecem, devem ser utilizadas pelos homens por indústria e cuidado próprio. Cuidem, pois, os esposos, de não desprezar a graça própria do Sacramento, que está neles (Cf. 1 Tim 4, 14), e, entregando-se à diligente embora laboriosa observância dos próprios deveres, experimentarão de dia para dia em si, com maior eficácia, a virtude da graça. Se alguma vez se sentirem mais gravemente oprimidos pelos trabalhos de sua condição e vida, não desanimem, mas tenham como dirigidas aos esposos as palavras que, acerca do sacramento da Ordem, o Apóstolo S. Paulo escrevia ao diletíssimo discípulo Timóteo para o reanimar das fadigas e das lides que quase o esmagavam: “Recomendo-te que reavives em ti a graça de Deus, que está em ti mediante a imposição das minhas mãos, visto que Deus não nos deu o espírito da timidez, mas da fortaleza, do amor e da sobriedade” (2 Tim 1, 6-7).

Preparação pare o Sacramento

Mas o que fica dito, Veneráveis Irmãos, depende em grande parte de uma cuidada preparação dos esposos, quer remota, quer próxima, para o matrimônio. Não se pode de fato negar que tanto o sólido fundamento das uniões felizes como a ruína das infelizes se vão preparando e dispondo no coração dos meninos e meninas desde a infância e juventude. É de temer que aqueles que, antes do casamento, só pensavam em si mesmos e nas próprias comodidades e que condescendiam com os seus desejos desenfreados, chegados depois ao casamento, sejam o mesmo que eram antes, e tenham finalmente de colher o que semearam (Cf. Gal 6, 9), isto é, dentro do seu lar a tristeza, o luto, o desprezo mútuo, litígios, aversão de ânimo, aborrecimento da vida conjugal, e, o que é ainda pior, encontrar-se-ão a si mesmos com suas paixões desenfreadas.

Apresentem-se, pois, os futuros esposos ao matrimônio bem dispostos e bem preparados, a fim de poderem confortar-se mutuamente com o trabalho necessário, nas vicissitudes tristes da vida, e principalmente alcançar a salvação eterna, a fim de formarem o homem interior para a plenitude da idade de Cristo (Cf. Ef 4, 13). Isso os ajudará a conduzir-se para com seus filhos como Deus quis que os pais procedessem: isto é, que o pai seja verdadeiramente pai, e a mãe verdadeiramente mãe, e que, pelo seu pio amor e assíduos cuidados, a casa paterna, ainda na maior penúria de recursos e no meio deste vale de lágrimas, se torne, para os filhos, uma imagem daquele paraíso de alegria em que o Criador do gênero humano pôs os nossos primeiros pais. Disso resultará também que mais facilmente tornem os filhos perfeitos homens e perfeitos cristãos, embebidos do puro sentimento da Igreja Católica, infundindo-lhes simultaneamente aquele nobre amor e sentimento da Pátria, que é requerido pela piedade e pelo reconhecimento.

Portanto, tanto os que pensam em contrair um dia esta santa união como os que têm a seu cargo a educação da juventude cristã tenham em grande conta preparar os bens e precaver os males, tendo na mente as advertências feitas por Nós na Encíclica acerca da educação: “Devem, pois, ser coibidas as inclinações desordenadas da vontade e devem ser fomentadas as boas inclinações, desde a mais tenra infância, e, sobretudo, devem esclarecer-se as inteligências das crianças com as doutrinas ensinadas por Deus, e fortificar-se as vontades com os auxílios da graça divina, sem o que não poderão dominar-se as más inclinações nem se alcançará a devida perfeição educativa da Igreja, perfeita e completamente dotada por Cristo com doutrinas celestes e com os Sacramentos divinos, para que seja mestra eficaz de todos os homens” (Enc. Divini illius Magistri, 31 dezembro de 1929).

Escolha do cônjuge

Com respeito à preparação próxima de um bom matrimônio, é de suma importância o cuidado na escolha do cônjuge: dela, de fato, depende em grande parte a felicidade ou infelicidade futura, podendo cada um dos cônjuges ser para o outro poderoso auxilio da vida cristã, no estado conjugal, ou então grande perigo e impedimento. Quem esteja para casar, para que não tenha de sofrer durante toda a vida o castigo de uma escolha inconsiderada, deve submeter a madura reflexão a escolha da pessoa com que terá depois de viver sempre, e nessa deliberação tenha em vista, em primeiro lugar, a Deus e a verdadeira religião de Cristo, e depois a si próprio, o cônjuge e a futura prole, assim como à sociedade humana e civil que dimana do matrimônio como da própria fonte. Invoque com fervor o auxílio divino, a fim de que possa escolher de acordo com a prudência cristã, e já não movido pelo cego e indômito ímpeto da paixão ou pelo mero desejo do lucro, ou por qualquer outro impulso menos nobre, mas por amor verdadeiro e ordenado, por afeto sincero para com o futuro cônjuge, e tendo em vista no matrimônio exatamente aqueles fins para os quais foi instituído por Deus. Não deixe finalmente de pedir aos pais conselho prudente acerca da escolha por fazer, antes tenha isso em grande conta, para que, mediante a maior experiência e maduro conhecimento das coisas humanas que eles têm, possa evitar erros prejudiciais e obtenha também mais copiosamente, ao contrair o matrimônio, a bênção divina do quarto mandamento: “Honra teu pai e tua mãe (que é o primeiro mandamento dotado de promessa) para que sejas feliz e vivas longamente sobre a terra” (Ef 6, 2-3; cf. Ex 20, 12).

Providências sociais

Visto que, por vezes, a exata observância da lei divina e a honestidade do matrimônio ficam expostas a graves dificuldades quando os cônjuges estão sujeitos à falta de meios e a grande penúria dos bens temporais, urge, certamente, acorrer o melhor possível em auxílio das suas necessidades.

Trecho da Encícilica Casti Connubii, de Pio XI