TODA VIRTUDE É PRATICADA NO PRÓXIMO

StaCatarinaSenaVou explicar-te agora que todavirtude se realiza no próximo, bem como todo pecado.

Toda pessoa que vive longe de mim prejudica o próximo; e a si, dado que cada um é o primeiro próximo de si mesmo. Tal prejuízo pode ser desordem geral ou pessoal. Em geral, porque sois obrigados a amar os demais como a vós mesmos. De que maneira? Socorrendo espiritualmente pela oração, dando bom exemplo, auxiliando quanto ao corpo e quanto ao espírito, conforme as necessidades. No caso de alguém nada possuir, pelo menos há de ter o desejo de auxiliar! Quem não me ama, também não ama os homens; por isso não os socorre. Quem despreza a vida da graça, prejudica antes de tudo a si mesmo, mas prejudica também os outros, deixando de apresentar diante de mim – como é seu dever – orações e aspirações em favor deles. Todo e qualquer auxílio prestado ao próximo deve provir do amor que se tem por aquela pessoa, mas como consequência do amor que se tem por mim. Da mesma forma, todo mal se realiza no próximo, e quem não me ama, também não tem amor pelos outros. A origem dos pecados está na ausência da caridade para comigo e para com o homem. Para fazer o mal, basta que se deixe de fazer o bem. Contra quem se age, a quem se prejudica na prática do mal? Primeiramente contra si mesmo; depois, contra o próximo. A mim, não me prejudica. Eu não posso ser atingido, a não ser no sentido de que considero feito a mim o que se faz ao homem. Será um prejuízo que leva à culpa com privação da graça e, nesse caso, coisa pior não poderia acontecer; ou será uma recusa de afeição e amor, obrigatórios e que exigem o socorro pela oração e súplicas diante de mim. Tudo isso é auxílio de ordem geral, porque é devido aos homens em comum.

O auxílio de ordem pessoal consiste na colaboração prestada às pessoas com quem convivemos, pois existe a obrigação aos homens de se ajudarem mutuamente com bons conselhos, ensinamentos, bons exemplos e qualquer outra obra boa de que se necessite.

O bom conselho há de ser desinteressado como se fosse dado a si mesmo, sem segundas intenções egoístas. Quem não me ama, certamente não agirá convenientemente e prejudicará aos demais. Nem serão apenas prejuízos por omissão do bem, mas ações más e danos até repetidos.

Isto acontece da seguinte forma:

O pecado é externo ou interno. Externo, aquele praticado visivelmente; mas procede de um apego interior ao mal e de um desprezo interior pelo bem. É uma ação que procede do egoísmo, que destrói no homem a caridade devida a mim e aos outros. É tal egoísmo que gera, um após outro, os pecados contra o próximo; de várias maneiras, conforme aprouver à vontade pervertida, chegando-se, às vezes a uma verdadeira crueldade, seja de modo geral  como particular. De modo geral, quando uma pessoa põe a si mesma e aos demais em perigo de morte espiritual e condenação eterna pela privação da graça. A maldade chega a ser tão grande que o homem, sem amor pelo bem e sem fugir do mal, já não cuida de si, nem dos demais. Ao invés de dar bons exemplos, age com malícia e faz o papel dos demônios, afastando os outros da virtude e levando-os, quanto pode, para o vício. Trata-se de uma autêntica crueldade contra a própria alma, no esforço de priva-la da graça e dar-lhe a morte espiritual. Por ganância, pratica ações más, deixa de auxiliar o próximo com os bens que possui e até se apossa do alheio, espoliando os mais pobres.

Outras vezes, por abuso de autoridade ou por engano e fraude, obriga o vizinho a vender seus bens e até sua pessoa.

Ó crueldade detestável, que não fruirás da misericórdia divina, a menos que o responsável retorne à piedade e ao amor pelos demais.

Acontece também que o pecador diga palavras injustas, provocando até homicídios.

Cometam-se ainda desonestidades e impurezas. Pessoas há que chegam a assemelhar-se aos animais irracionais, com muita podridão. Pior é que com tais atos não atingem apenas duas ou três pessoas, mas todos aqueles que deles se aproximam por amizade ou necessidade social. E a soberba, contra quem age? Exatamente contra o próximo, por causa da procura da fama pessoal. Acreditando-se maior que os demais, o orgulhoso desagrada aos outros e os ofende. No caso de ocupar cargos, pratica injustiças e maldades, qual mercador de carne humana.

Ó filha querida, lamenta-te porque sou ofendido. Chora sobre esses mortos, para que sua morte espiritual seja vencida pela oração. Vê como, em toda parte e em todas as classes sociais, peca-se contra e através do próximo. É contra o homem que se age, de modo oculto e manifesto. De modo oculto, negando-lhe aquilo a que tem direito; de modo manifesto, através dos vícios de que te falei.

É realmente verdade, portanto, que as ofensas cometidas contra mim acontecem através do homem.

O Diálogo – Santa Catarina de Sena