Fonte: Sì Sì No No, ano XXXIX, n. 18 – Tradução: Dominus Est
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Monsenhor Gherardini aborda também a questão da Infalibilidade do Magistério (p. 91).
Primeiramente, só Deus é absolutamente infalível por natureza. Ele é a própria Verdade subsistente que não pode se enganar e nem nos enganar, assim como só Deus é o próprio Ser por essência, enquanto as criaturas têm o ser por participação, ou seja, recebem-no de Deus, em um mundo limitado e finito, proporcional à sua natureza. Analogamente, o Magistério eclesiástico é infalível[1] não por essência e absolutamente, mas por participação; isto é, a Igreja (ou o Papa) recebe a infalibilidade de Deus sob quatro condições específicas (se ensina como Doutor Universal, em matéria de Fé e Moral, com intenção de definir e, finalmente, com intenção de obrigar a crer para a salvação da alma).
A infalibilidade do Magistério (ou o Magistério infalivelmente assistido com o fim de não cair em erro) é garantida por Deus Espírito Santo (p. 92), o “Espírito da Verdade” (Jo. XIV, 16). Ele, disse Jesus aos seus Apóstolos, “vos guiará no caminho da verdade integral […]. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará.” (Jo. XVI, 13-15).
Como se vê, Jesus estabeleceu um vínculo estreitíssimo entre a Verdade que o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, deverá comunicar e explicar à Igreja, a sua própria Pessoa do Verbo Encarnado, a sua obra e seu ensinamento. O Espírito Santo é o “aperfeiçoador da obra de Redenção iniciada por Cristo” (Leão XIII, Encíclica Divinum illud munus, 1897). Portanto, o início de uma Terceira Era ou Igreja pneumática não pode ser atribuída ao Paráclito, como queria Joaquim de Fiore, mas apenas pode-se atribuir a Ele o aperfeiçoamento da Nova e Eterna Aliança da Igreja petrina nascida do Sangue de Cristo.
Com efeito, o objeto do ensinamento do Paráclito é o mesmo objeto ensinado por Jesus: “Ele vos ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo. XIV, 16); não é um outro ensinamento novo ou um diferente. Esta perícope inclui a doutrina da imutabilidade do dogma, hereticamente contestada pelo modernismo (p. 93). Com efeito, a Verdade que o Espírito Paráclito explica e faz compreender plenamente, com um desenvolvimento homogêneo e não heterogêneo, é a mesma que Jesus revelou aos doze apóstolos. Não é algo absolutamente novo quanto à substância ou na forma de expressá-lo. Nem é algo que precisa estar em sintonia com o mundo em constante mudança (“Stat Beata Crux dum volvitur Orbis”), “sed Veritas Domini manet in aeternum”.
O Espírito de Verdade nada diz de si mesmo, não fala por si mesmo, mas recorda à Igreja o que Jesus revelou, tal como revelou o seu significado aos apóstolos ainda imbuídos dos preconceitos do milenarismo e do apocalipticismo judaico. Portanto, o Magistério do Papa e da Igreja deve apenas propor e explicar o que Cristo transmitiu à Igreja; não pode e não deve haver uma Terceira Revelação, como pensava Joaquim de Fiore: o papel do Paráclito é confirmar e explicar as Verdades reveladas por Cristo. Nada mais, nada menos. Portanto, o objeto primário da infalibilidade são as Verdades reveladas por Cristo e aqueles que estão a elas ligados são o objeto secundário da Infalibilidade.
Também o Magistério (p. 89), como a Apostolicidade (p. 94), consiste numa “cadeia de sucessão nunca interrompida ligada aos doze apóstolos, que podem portanto repetir: ‘nós somos testemunhas destas coisas, assim como o Espírito Santo, dado por Deus a todos os que lhe obedecem’ (Atos V, 32)”.
Jesus prometeu assistência no ensino da Verdade divinamente Revelada aos doze apóstolos liderados por Pedro e aos seus respectivos sucessores (os bispos e o papa). Portanto os sujeitos ou titulares do Magistério, nos quais a Igreja docente se identifica, são o papa e os bispos unidos ao Papa (p. 94).
A terminologia sobre o Magistério
Depois Mons. Gherardini passa a explicar a terminologia aplicada ao Magistério, para dissipar qualquer mal-entendido que tenha se infiltrado nas discussões recentes (p. 95).
Magistério “autêntico” (=autorizado, não infalível) é o do papa enquanto Papa ou dos bispos que se pronunciam juntos e subordinados ao papa. Por exemplo, a “Vida de Jesus” escrita por Bento XVI não é “Magistério” autêntico do Papa ou verdadeiro Magistério Papal, pois é um livro escrito por Joseph Ratzinger como doutor privado. Por outro lado, uma Encíclica é um Magistério autêntico, isto é, verdadeiramente o Magistério do Papa.
O Magistério “pessoal” é o do Papa, não do bispo, que em si não é sujeito do Magistério, mas só o é se estiver unido ao Papa. O Papa pode exercer o seu Magistério pessoal de maneira solene (Magistério Extraordinário Pontifício). Por exemplo: Pio IX, que proclamou o Dogma da Imaculada Conceição e Pio XII o da Assunção[2]. Ou pode exercê-lo de forma comum e habitual (Magistério Ordinário Pontifício). Neste último caso, o papa pode empenhar a infalibilidade se quiser definir e obrigar a crer (por exemplo, Pio IX na Encíclica Quanta cura, de 8 de Dezembro de 1864, concluiu escrevendo que tinha ensinado como Pastor Universal, em matéria de Fé, com intenção de definir e querendo obrigar os fiéis a assentirem a este ensinamento; portanto, essa Encíclica, pertencente ao Magistério Ordinário do Papa, foi infalivelmente assistida pelo Espírito Santo).
O Vaticano II e a infalibilidade
Na página 96, Mons. Gherardini explica que o Magistério de um Concílio Ecumênico é um Magistério autêntico, mas não ipso facto infalível se não quiser definir e obrigar a crer. Ora, durante e imediatamente após o Concílio Vaticano II, Paulo VI[3] declarou o seu desejo de não definir; portanto, o Vaticano II não queria ser assistido de forma infalível.
Mesmo que isso seja duvidoso, tenha em mente que “Uma definição dogmática, para vincular a Fé enquanto tal, deve ser estabelecida de forma certa e manifesta; consequentemente, uma definição duvidosa é praticamente uma definição nula” (F. Roberti – P. Palazzini, Dizionario di teologia morale, Roma, Studium, verbete “Magistero ecclesiastico”, IV ed. 1968, II vol., p. 937).
Sendo certo que o Vaticano II não quis ser um Magistério infalível, é legítimo afirmar que a sua doutrina sobre a liberdade religiosa (Dignitatis humanae), sobre o ecumenismo (Unitatis redintegratio e Nostra aetate) e sobre a colegialidade (Lumen gentium) divergem da Tradição Apostólica (p. 99) e pede à autoridade eclesiástica que remova esse mal-entendido através de um pronunciamento dogmático.
A conclusão é que a continuidade proclamada não pode ser trocada pela real, pois “uma declaração sem conteúdo não faz sentido” (p. 102). Ou seja, dizer que o Vaticano II está em continuidade com a Tradição Apostólica, quando a realidade é totalmente diferente, é uma declaração verbal sem conteúdo real e, portanto, um disparate ou “flatus vocis”.
Creio poder acrescentar que, com o novo Pontificado do Papa Francisco (13 de março de 2013), posterior à redação do artigo de Mons. Gherardini, do Modernismo substancial, doutrinário e real sob o disfarce do conservadorismo litúrgico de Bento XVI (2 de abril de 2004 – 28 de fevereiro de 2013), que representou uma verdadeira descontinuidade real sob uma aparência de continuidade aparente e verbal, de modo a enganar até mesmo os anti-modernistas sinceros, passamos para a ruptura e descontinuidade aberta e evidente do Papa Bergoglio, que é a “descontinuidade continuamente subsistente” desde as suas primeiras ações e declarações. Tudo está em desacordo com o pré-concílio: pensamentos, palavras, obras e omissões.
Há males que vêm para o bem: o erro oculto engana mais insidiosamente do que o aberto e explícito. Mas, como “não há cegos piores do que aqueles que não querem ver”, os pseudo-“tradicionalistas” poderiam concordar também com Francisco “à luz da Tradição” e “Lumen gentium”, desafiando o conhecido princípio da identidade e não-contradição, mesmo que Jesus nos avise: “Seja o vosso falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que disto passa, procede do Maligno” (Mt., V, 37).
Petrus
Nota
- Cf, Concílio Vaticano I, DB 1832-1839.
- Quando o Papa proclama de maneira solene ou extraordinária um Dogma, significa ipso facto que ele quer definir e obrigar a crer como necessário à salvação eterna, por isso o Magistério Extraordinário Pontifício é em si mesmo infalível.
- Em 6 de março de 1964, em 16 de novembro de 1965 e em 15 de novembro de 1966 (v. Gherardini p. 101).