Fonte: Sì Sì No No, ano XXXIX, n. 18 – Tradução: Dominus Est
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A apostolicidade é, na crise que o ambiente eclesial vive, a nota mais útil e importante para compreender o que está acontecendo e para remediar tamanho mal. Sem Apóstolos não há Igreja de Cristo, pois o próprio Jesus a fundou sobre eles. Mas sem o Príncipe dos Apóstolos, sem Pedro, que é a “pedra” secundária e subordinada a Cristo, os Apóstolos estão separados de Cristo. A presença do Papa e dos Bispos em ato é absolutamente necessária, e não apenas em potência ou in fieri, ou seja, no devir, tal como pretende o sedevacantismo. De fato, se a Igreja estivesse em potência ou no devir, ainda não existiria e, além disso, Cristo não estaria com ela, como prometeu, todos os dias até ao fim do mundo, mas estaria com ela como que em intervalos, algumas vezes em ato ou em ser e outras vezes apenas em potência ou in fieri. Em vez disso, Cristo fundou a sua Igreja sobre uma cadeia ininterrupta de Papas no presente e não no devir perpétuo ou intermitente: Pedro e os Apóstolos eram Papas e Bispos em ato e formalmente, não em potência ou in fieri ou materialmente. A Igreja está estabelecida na existência presente, no ato e na forma, não no futuro, na potencialidade e na materialidade. Portanto, a Igreja ou o papado material ou in fieri, que não teria passado ao ato nos últimos cinco papas e teria interrompido a sucessão apostólica formal que vinha desde Pedro, é um Papado concebido pela mente de um homem (mesmo que fosse um grande teólogo que, no entanto, não é Cristo na terra e nem o Magistério eclesiástico), mas não é a Igreja querida por Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
É necessário distinguir:
1°) o estado transeunte da Sé vacante, que vai da morte de um papa à eleição de outro, no qual permanecem o Colégio cardinalício, capaz de substituir o papa falecido governando com autoridade (uma espécie de Colégio “vicário” do Vigário de Cristo), e também permanece o Episcopado universal[1], mantendo assim a unidade, a continuidade ininterrupta da série dos papas e a existência da Igreja, enquanto se aguarda a eleição de um novo Papa;
2) a tese sedevacantista da ausência de um papa em ato, de um Colégio cardinalício governante com autoridade e de um Episcopado universal com jurisdição, uma ausência que duraria até que o Papado “material” passasse ao ato; é uma tese insustentável, porque, se o Papa material morresse sem se tornar Papa em ato ou formalmente, então a cadeia ininterrupta de papas seria quebrada e as portas do inferno prevaleceriam sobre a Igreja de Cristo, pois passou da potencialidade à corrupção.
Aristóteles, com a noção de potência, que não é a mesma coisa que o nada, mas também não é o ser em ato, mas sim pura capacidade de passar ao ato ou de recebê-lo, conseguiu conciliar o princípio do ser e o fato do devir. De fato, o Estagirita explica que “da potência vem o ato ou a potência passa ao ato. Portanto, o devir é possível e o ser também é possível precisamente por causa da potência”. Ora, a potência é o “não-ser em ato” e existe como algo intermediário entre o nada e o ser em ato perfeito; por exemplo, a madeira da estátua que é cinzelada lentamente não é o puro nada, mas também não é a estátua acabada, todavia ela existe enquanto o artista a trabalha e tende para o ato perfeito (e não para o devir perpétuo).
Tal noção metafísica de potência foi aplicada na teologia pelo sedevacantismo ao problema da autoridade e foi dito que um papa pode ser papa em ato (ou formalmente) ou apenas em potência (ou materialmente). Ou seja, quando um papa é eleito até ter aceito a eleição canônica, ele é papa apenas em potência próxima ou materialmente; torna-se papa em ato ou formalmente quando aceita a sua eleição. Qualquer homem batizado pode ser eleito papa e por isso é papa em potência (remota). Se for eleito, torna-se papa em potência próxima e se aceitar torna-se papa em ato ou formalmente (recebendo a ordenação sacerdotal e sagração episcopal).
Se, no entanto, ele não aceitar a eleição, continua a ser papa em potência próxima até morrer. De fato, uma vez morto, é um cadáver; tal como a madeira pode tornar-se uma estátua em ato, mas se apodrecer e se transformar em pó, já não é uma estátua em potência remota (madeira pura) e nem em potência próxima (madeira em processo, que está tornando-se uma estátua). Assim, um cadáver não é papa em potência (nem sequer remota) e nunca o será em ato. Portanto, a tese do papado material ou papado em potência terminou com a morte de Paulo VI e foi completamente ultrapassada com a eleição de Bento XVI, que é considerado pela mesma tese como não sendo bispo. Assim, o sucessor de Pio XII, após a morte do papa material Paulo VI, que não entrou em exercício e já não poderia entrar em exercício por ter falecido, já não seria o sucessor formal de Pedro e seria o Chefe de uma nova “igreja”, essencialmente diferente daquela que Jesus Cristo fundou sobre Pedro. Mas isso é contrário à Fé Católica revelada e definida, que ensina a apostolicidade formal e ininterrupta dos Papas desde São Pedro até o fim do mundo.
Se os ‘hierarcas’ eclesiásticos e espirituais são os sucessores formais de Cristo, de Pedro e dos Apóstolos, eles são a Igreja de Cristo como Cristo a planejou; caso contrário, eles são um produto do intelecto em um estado de ‘emergência’. Tal ‘igreja’, um produto do intelecto humano, é essencialmente diferente da Igreja de Cristo.
O verdadeiro estado de emergência ou de necessidade em que nos encontramos não nos autoriza a mudar a essência da Igreja, tal como Cristo a quis e fundou, inventando uma Igreja in fieri ou em potência ou meramente material, que está há mais de meio século em um contínuo processo de potência sem passar ao ato. A Igreja foi, é, e será em ato; não in fieri, tal como Cristo é hodie, heri et in saecula, “semper idem” e não “semper in fieri”. A verdadeira sucessão apostólica é formal, alimentada pela sua raiz, que é a “Pedra”, Cristo, e o seu Vigário na terra, “Pedro”. Santo Agostinho ensina que uma simples sucessão meramente material, não unida formalmente à sua raiz, seria estéril[2]. Assim como um ramo que parte de ramos cortados e secos não é vivo e fecundo, assim também uma sucessão apostólica meramente material é morta e mortífera. É uma ‘sucessão’ ou ‘proeminência’ histórica, cronológica, material, física, mas não apostólica, viva e vivificante[3].
Petrus
Notas
- Deve-se observar que a escamoteação de falar de um Colégio cardinalício puramente material, que pode eleger validamente um Papa mas não governar efetivamente a Igreja, não salva a apostolicidade formal. De fato, se o Papa material não passar a Papa formal, a cadeia ininterrupta de Papas é quebrada e a Igreja acaba.
- Psalmus contra partem Donati, P.L. 43, 30.
- S. Agostinho, Ep. 223, 3. Cf. B. GHERADINI, La Cattolica, cit., pp. 121-124.