A ALEGRIA DA CRUZ

A alegria sem a cruz é passageira. A cruz sem alegria é comparada ao do mau ladrão.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

A cor litúrgica dos tempos da Septuagésima, da Quaresma e da Paixão é o roxo. Esta cor é própria, de fato, à gravidade, à compaixão, à renúncia que a Cruz de Jesus inspira nos cristãos.

Roxo é uma mistura de vermelho e azul. O vermelho é o do Sangue de Nosso Senhor, e o azul representa Sua divindade, e também o Céu. É pelo fato de Jesus ser Deus que Seus sofrimentos são redentores e nos garantem a felicidade do Céu. O sacrifício do Redentor proporciona glória infinita ao Pai eterno e salvação eterna às almas de boa vontade. Em meio às muitas tribulações que os provaram (os fiéis das igrejas da Macedônia), sua alegria foi completa (2 Cor. 8, 2).

O roxo litúrgico não é, portanto, a cor dos “rostos quaresmais” condenados por Nosso Senhor: “Quando jejuais, não vos mostreis tristes como os hipócritas, que desfiguram os seus rostos para mostrar aos homens que jejuam. Na verdade, vos digo que ja receberam a sua recompensa. Mas tu, quando jejuas, unge a tua cabeça e lava o teu rosto, a fim de que não pareças aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que esta presente ao (que há de mais) secreto. E teu Pai, que vê no secreto, te dará a recompensa.” (Mt. 6, 16–18).

A compreensão do sofrimento cristão é combinada com a alegria. E eis as razões:

  • Carregar nossa cruz com Jesus Cristo nos afasta do pecado, nos recoloca na amizade divina e contribui para a nossa santificação. Tudo isso é motivo de alegria. “Estou cheio de consolação; inundado de alegria no meio de todas as nossas tribulações.” (2 Cor 7, 4). Uma alma cujos sofrimentos se multiplicam não fica, contudo, privada de toda consolação, e percebe com alegria os frutos da virtude que sua paciência traz. Quando ela se submete de todo o coração à vontade de Deus, tudo o que é doloroso e difícil no sofrimento se torna uma fonte de consolação e confiança (Imitação de Cristo, Livro II, cap. 12).
  • Em Jesus Cristo crucificado está a esperança de uma coroa imperecível. Per crucem ad lucem, através da cruz em direção à luz. Os sofrimentos desta vida não são proporcionais à glória que vos é prometida na outra vida (Rom. 8, 18).
  • Estendemos a este mundo, especialmente aos pobres pecadores, os benefícios da Cruz. Uma alma que se eleva, eleva o mundo (Elisabeth Leseur).
  • Nosso conhecimento do Amor de Nosso Senhor, que tanto sofreu por nós, é aumentado. Nossa cruz é parte da Dele e Ele a carrega mais do que você (um monge). Sentimos alegria ao contemplar o que amamos, e essa alegria que o objeto contemplado nos dá aumenta ainda mais o nosso amor (Santo Tomás, IIa IIæ, q. 180 a. 7, ad 1).

De fato, os mártires experimentam uma alegria que não é deste mundo. Não há raiva, ressentimento ou medo neles. Eles agradecem aos seus carrascos, rezam por eles, perdoam-nos. Eles cantam enquanto descem para a arena. Tende por um motivo da maior alegria toda a espécie de tribulações que vos afligem (Tg 1, 2). O mártir Tibúrcio, ao caminhar descalço sobre brasas ardentes, disse: “Parece-me que estou caminhando sobre rosas, em nome de Jesus Cristo” (Ia IIæ, q. 38, a. 4)

A pequena Anne de Guigné expressou muito bem esta realidade da alegria obtida através do sacrifício, que é um esforço de amor a Deus: “Temos muitas alegrias na terra, mas elas não duram; a que dura é a de ter feito um sacrifício.” Um pecado, um capricho momentâneo, a busca desordenada dos próprios prazeres, sempre dão origem à tristeza e ao remorso, mas um verdadeiro sacrifício, um esforço de caridade, são sempre seguidos por uma alegria e força interiores. “Farei com que a sua tristeza se transforme em alegria” ( Jer 31, 13).

Uma passagem da Paixão, segundo São Lucas, descreve muito bem isso: “Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice; não se faça, contudo, a minha vontade, mas a tua. Então apareceu-lhe um anjo do ceu, que o confortava. Posto em agonia orava mais instantemente. O seu suor tornou-se como gotas de sangue, que corriam até a terra. Tendo-se levantado da oração, e indo ter com seus discípulos, encontrou-os adormecidos pela tristeza. Disse-lhes: Porque dormis? Levantai-vos, e orai, para que não entreis em tentação.” (Lc 22, 42–46). A consolação do Anjo para Nosso Salvador, a sagrada vitalidade do divino Despertador, mas o desânimo para os três apóstolos, que então fugirão. Pedro negará seu Mestre.

A alegria sem a cruz é passageira. A cruz sem alegria é comparada ao do mau ladrão.

A alegria é o repouso da vontade no bem possuído (Ia q. 59 a. 4 ad 2), ensina Santo Tomás. Ora, o sofrimento, seja ele desejado ou aceito, faz-nos renunciar a nós mesmos por amor a Deus, o Bem por excelência. Portanto, nossa alegria na Páscoa será proporcional à nossa generosidade durante esta Quaresma.

Em termos práticos, como podemos passar uma Quaresma digna desse nome?

  • Rezar mais e melhor. A meditação diária de alguns versículos do precioso livrinho A Imitação de Cristo, a recitação do Rosário, a participação na Santa Missa durante a semana, que trazem alegria aos nossos jovens, são boas resoluções.
  • Pela manhã, formule a intenção clara e determinada de oferecer tudo por amor Àquele que se entregou por nós (Gal. II, 20).
  • Santificar o dever de estado, para melhor cumpri-lo, em espírito de penitência.
  • Mortificar a língua, banindo em particular toda maledicência. Dizer coisas boas a respeito de seu próximo ou evitar de falar algo.
  • Realizar o que estamos adiando há tanto tempo.
  • Rezar, sacrificar-nos pela conversão dos pobres pecadores.
  • Aceitar o sofrimento imprevisto (mesmo que não seja do Bom Deus), sem reclamar; desde aquele motorista que não arranca no sinal verde, até doenças, desgostos ou aborrecimentos repetidos: Não reclame!
  • Adicione penitências voluntárias no uso de alimentos e bebidas, e especialmente, do telefone celular, reduzidas ao mínimo estritamente necessário.
  • Prepare-se para uma excelente confissão.

Lembremo-nos de que a verdadeira alegria tem raízes em forma de cruz, como um monge disse certa vez, e que sofrer com Nosso Senhor já é não sofrer mais. Ninguém é tão feliz quanto um verdadeiro cristão! (Blaise Pascal).

Que Jesus e Maria, “a doçura das cruzes”, vos abençoem.

Pe. Bertrand Labouche, FSSPX