À medida que se aprofunda e, de social se torna cultural, a Revolução desloca seus ataques das instituições em escala nacional e da organização do Estado para a condição humana e a família. Mudar o próprio homem é o seu lema e o seu propósito. Pois, como observou Marcel Clément, se “a revolução política (a Rev. francesa) subverte essencialmente a ordem jurídica e se a revolução social (o socialismo) desagrega a ordem econômica, a revolução cultural “liquida” a ordem interior, espiritual, a fim de remodelar diretamente a alma humana sem qualquer escapatória” (Le Comunisme face a Dieu).
Na Alemanha de hoje uma mãe de família nos pinta a família assediada e a dignidade humana acossada no seu último reduto. Ouçamos a sua voz aflita:
Elizabeth Gerstner: “O drama da Igreja vivido em nossas crianças” (Ap. Itinéraires Fev. 1971):
“Assim, o mundo exterior à família torna-se cada vez mais pesado e penoso para os nossos filhos. A maiorzinha me conta que na escola sente nostalgia de casa, dos pais. Nessa escola mista — outras não temos aqui e a escolaridade é obrigatória — ensina-se às crianças ‘tudo sobre sexo’. Minha filha conhece mais detalhes de ginecologia do que a mãe. Os leitores estrangeiros com certeza teriam uma síncope se eu lhes mostrasse o livro de educação sexual que a garota é obrigada a estudar. Tem a fotografia dos órgãos genitais, da sífilis, da ereção, etc. e a descrição minuciosa do orgasmo. — Odeio a tua escola, digo-lhe, e ela responde — Eu também, mãe”.
“Eu não ousaria publicar numa revista os detalhes da ‘educação sexual’ ministrada às crianças na Alemanha. Balbucio e repito por dentro: — Assassinos da fé! Criminosos!”
Nesse ponto, a Igreja católica nenhum auxílio nos proporciona, ao contrário, as escolas mantidas por religiosas ou por padres jesuítas em regra são as piores. Amigos me previnem: Nas escolas leigas a educação sexual é ministrada apenas em biologia. Nas religiosas, não: fala-se de sexo a todo propósito, na aula de alemão ou de catecismo, e sob qualquer pretexto.
‘Uma coisa sei muito bem: tivesse eu sabido tudo o que é obrigada a aprender minha filha de onze anos, e teria tido a curiosidade de experimentar meu corpo ‘com o qual — diz a lição — a gente pode dar-se tantas vezes um prazer inaudito’. Sim, é o que está no livro: inaudito e indizivelmente voluptuoso. E que ninguém resiste! E que a masturbação é normal nas crianças. E que 99% dos jovens a praticam… e, assim, os que se abstêm constituem uma ‘anomalia’. Ignóbeis mentiras, mas sou quase a única a dizer que são mentiras. Nosso país tornou-se uma cloaca. Basta assistir aos nossos programas de televisão em que ‘não há mais nenhum tabu’ ou folhear as nossas revistas ilustradas”.
E eis um telegrama de Birmingham (Inglaterra): “As autoridades educacionais suspenderam ontem (por 14 dias) uma professa secundária — Jennifer Muscutt, de 23 anos — que apareceu nua, masturbando-se, num filme de educação sexual exibido na sexta-feira em sua escola”.
“O filme denominado Growing up foi produzido por Martin Cole, professor de genética, para ser apresentado exclusivamente a professores, médicos e adolescentes. Mostra também, em cores, um casal mantendo relações sexuais e detalhes dos órgãos masculino e feminino” (JB 20/04/1971).
Não é preciso dizer que a má notícia aqui está menos no próprio caso do que no conjunto de circunstâncias que o tornou possível, e menos nas cumplicidades que o permitiram do que no juízo das autoridades educacionais de Birmingham que o tomaram como uma falta leve…
A antiga esquerda atacava a estrutura jurídica, a ordem social e a ordem econômica. A nova agride diretamente a família e a ordem moral. Aos frades terroristas sucedem agora os frades pornográficos.
Sim, tome o leitor o número 1 do corrente ano de “Vozes” revista de cultura editada pelos padres franciscanos. Lá encontrará uma apologia dos tóxicos, ou melhor, da “linguagem sensorial” através da drogas (cf. Allan George F. Armstrong: “À procura de uma linguagem sensorial”). Encontrará também uma apologia dos ideais hippies, ou antes, da contra-cultura identificada por Renato Machado (“A Expressão Mágica”) com “tribalismo libertário esmagado durante quatro séculos pela tradição bíblica” e finalmente uma apologia da liberdade sexual, o sexo global (como lemos no artigo de Martha Alencar: “Sexo: corpo (amor) total”, que segundo frei Clarêncio Neotti — redator chefe de “Vozes” — “precisa ser lido todo, e todo sem preconceitos”).
Graças ao uso de drogas — chegamos a uma forma de comunicação primária, não diferenciada, e infra-racional, que dispensa o que o A. denomina “informações”, isto é, a educação, toda a formação da sensibilidade, e todo o domínio da cultura. Atingimos assim uma “compreensão intuitiva de nós mesmos” e do próximo não em termos intelectuais, que nos diferenciam, mas em termos orgânicos, pelos quais somos “iguais”, explica o autor, “você consegue também um aumento da identidade (sic) com toda a espécie humana”. “Assim se explica (prossegue) porque um jovem se surpreende transformado depois de uma experiência com drogas”.
Trata-se, como se vê, de uma transformação religiosa. A droga é uma via mística através da qual chegamos à plena identidade ou fusão com a Alma Mundi. “Através de um mergulho para dentro de nós mesmos, podemos então conhecer todos os homens, toda a humanidade…”.
Segundo Renato Machado (“A expressão mágica”) o moderno retorno às origens tribais “deita raízes na busca de um novo sentido da vida”. Desde a “terapia dos sensitivity groups” (comunicação não verbal, linguagem sensorial) até as comunidades hippies, sustenta o autor, “uma sociedade inteira tomou de empréstimo os valores tribais”. Quanto aos meios de realizar a contra-cultura, “o instinto de catarse por evasão — explica o autor — está presente em todas as formas de comportamento da contra-cultura”. “De Height Asbury a Katmandu, a rota dos hippies é a nova cruzada. O LSD é a mandrágora da nova tribo, a comuna o novo feudo, a astrologia, o ocultismo, o rock”. (Ibid.) Mas “a expressão ética mais significativa da contracultura foi o impulso da revolução sexual”.
Procuremos figurar “sem preconceitos”, como nos pede frei Clarêncio Neotti, as mudanças auguradas pela articulista de “Vozes”. A crer no que nos informa a imprensa nos Estados Unidos já se encontram em fase de experiência os chamados “casamentos por grupos”. Às vezes, um certo número de casais “socializam” a sua vida amorosa. (Trazia-nos recente número do “Time” a notícia de um livro agora publicado a respeito dessas experiências de “mística humanista” delicadamente denominadas swinging). Outras vezes, um certo número de rapazes e de moças adotam a mesma forma peculiar e promíscua de reprimir o instinto apropriativo. Disso nos informa por exemplo uma notícia de Taos, New México, transcrita no “New Yorker” (17/10/1970). “Uma dessas comunidades que a si mesma se chama ‘a Família’ constituiu-se a cerca de quatro anos em Venice, Califórnia e depois de fundear temporariamente em Berkeley e em Mesa, Arizona, instalou-se aqui. O grupo em geral compreende 24 rapazes e 18 moças, todos contando vinte e poucos anos, além de 10 crianças, a mais moça das quais conta apenas algumas semanas de idade. Vivem juntos numa casa antiga perto do centro de Taos, e se consideram todos casados uns com os outros”.
Neste ponto, os hippies foram verdadeiros precursores. “Em alguns acampamentos hippies — escreve Martha Alencar — vários jovens vivem experiências que se aproximam do pansexualismo. E a crer num deles, Louis Rapoport, que concedeu uma entrevista à revista “Planète”, “eles trocam de parceiros, abertamente e em conjunto, sem culpabilidade, porque o problema já foi resolvido. Chegaremos à completa liberdade sexual. As crianças pertencem à comunidade como nas tribos antigas”.
Aqui se revela sem disfarce o traço mais profundo da revolução cultural: a regressão transfigurada pelo pensamento cíclico em meta histórica, ideal.
Mas porque revolução cultural? A cultura é o modo de duração pelo qual o homem — agente da História — se perpetua através dos vários instrumentos coletivos da sua sobrevivência no tempo. Entre estes, a família é a base de todas as continuidades e o elo de tudo o que perdura e se transmite de geração em geração. De onde, para mudar radicalmente o homem através de seus condicionamentos coletivos, é preciso antes abolir a família. A família é o primeiro e o mais fundamental receptáculo do patrimônio que uma geração entrega à seguinte, e o primeiro e principal transmissor dessas continuidades que formam e definem o homem, em primeiríssimo lugar, a palavra; e por palavra entendo aqui não só a linguagem falada — a língua de cada comunidade — mas também a linguagem de gestos e atitudes, sejam sociais, como as maneiras, os costumes e regras de convivência, sejam transcendentais, como os gestos da adoração e do culto. A família é a guardiã da palavra e, por seu turno, para constituir-se impõe que o homem saiba guardar a palavra. A família é o elo de base natural, de finalidade racional e de espírito sobrenatural que liga o futuro ao passado e o homem por um lado à terra e por outro lado ao céu. Daqui, o ódio que os clérigos da anti-Igreja votam preferencialmente à instituição familiar.
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