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SUBVERSÃO E PORNOGRAFIA
Muito se enganaria quem na corrupção reinante em certos meios e ostentada com requintes de despudor, ou na onda de pornografia que ganhou o mass media, visse apenas um fenômeno de decadência moral paralelo aos excessos que, no dizer dos historiadores, assinalaram o declínio da Roma antiga.
Sem negar esse paralelismo, devemos notar primeiro que não há tal corrupção na escala em que se apregoa. Em segundo lugar, a divulgação dessa notícia aproveita à tática de uma facção revolucionaria. Da mesma maneira, procura-se dar a impressão que toda a juventude universitária é marxista ou simpatizante. Como sempre, uma minoria ativa, ligada à intelligentsia liberal, é que por meios hábeis domina a massa e maneja os órgãos de opinião.
Sobretudo, seria impossível compreender a “revolução sexual” tão espetacularmente montada e conduzida em todo o mundo, sem ligá-la a uma ofensiva geral para subverter o Cristianismo e, mais do que a religião cristã, a civilização cristã por ela informada, substituindo-a por outras “estruturas” (ou melhor “desestruturas”) e pondo no lugar da religião uma espiritualidade diversa (que de fato é anterior e exterior tanto ao judaísmo quanto ao cristianismo) tendo ao centro o homem, parcela desgarrada da divindade, o homem em marcha, na vanguarda do cosmos do qual é a parte pensante, para a reintegração na Totalidade divina. Ao mesmo tempo, caminha evidentemente esse homem para a comunhão total com os outros homens. Esse movimento de retorno e reintegração no Todo é desatado no indivíduo graças à tomada de consciência de sua presente situação de separação e conflito. A “revolução sexual” é apenas parte de uma tendência mais ampla para a fusão numa sorte de alma coletiva.
Notemos, por exemplo, que a corrupção moral não é apenas vivida como no paganismo, mas também planejada e dirigida para certas metas, e canalizada, justamente com outros meios de agressão, como a legalização da contracepção e do aborto, para a destruição da família. Particularmente, a homossexualidade é um meio de abolir a distinção (ou barreira, como eles dizem), sobretudo psicológica e moral entre os sexos institucionalizada no casamento. Com efeito, não se limitam os apologistas da vida devassa a pregar a sua prática. Pretendem legalizá-la, instituir o casamento homossexual, fundar a família tribal. No artigo de Martha Alencar em “Vozes” (Nọ 1 de 1971) anteriormente citado, lemos a propósito do sexo global: “Nessas relações o que chamamos de sexo é comunitário e multisensual. Não há nenhuma distinção aguda, artificial entre homem e mulher” (grifo meu). Os articulistas de “Vozes” insistem na artificialidade (sic) das diferenças de sexo.
Finalmente, como outrora o amor cortês, o sexo é proposto agora como uma via mística de união ou fusão afetiva. “À diferença do misticismo que procura passar por cima do sexo — sentencia um sociólogo vociferante citado por Martha Alencar — terão maiores possibilidades de êxito os misticismos que procurarem seus fins através do sexo”… Lembremos que para os Cátaros ou Albigenses (adeptos de uma corrente extremada de fundo gnóstico e maniqueísta na Idade Média) ao lado de formas de ascese que iam até o suicídio ritual, constituíam a promiscuidade e o desregramento um modo de manifestar desprezo e ódio pelo corpo.
Para comemorar o 70ọ aniversário de “Vozes”, venerável revista e editora católica que recentemente ingressou na vida airada depois de sofrer ampla remodelação plástica nas mãos de hábeis cirurgiões do IDO-C, os modernos Albigenses da Revolução Permanente mandaram vir ao Brasil a líder feminista Betty Friedam para um programa de conferências concomitantes com o lançamento de um livro da autora, em tradução. Agnóstica e contestatária, essa socióloga tem horror ao que denomina o “machismo” (odiosa discriminação masculina) o que não impede que, suspeitada da mesma tara, faça questão de acentuar: “Eu não odeio os homens, pelo contrário, prefiro-os como objetos sexuais” (Cito a entrevista coletiva aos jornais). Escreve o redator do “Jornal do Brasil” (14-4-1971):
“Um repórter apontou-lhe nesse instante uma incoerência:
— Então a senhora utiliza os homens também como simples objeto sexual?
Ela engrossou a voz (…) e quase gritou:
— Não é isso que vocês fazem com a gente?”
(“As mulheres americanas são maravilhosas, comenta Millôr Fernandes, que cito de memória. Num país que é um notório matriarcado, elas fazem campanha pela igualdade dos sexos”).
“Voz rouca com acentuado timbre masculino, parecendo de longe um travesti mais idoso” (assim a descreve o redator do JB) Betty Friedam prega o aborto, a igualdade do sexo e uma greve mundial das mulheres.
“A senhora é católica? Pergunta uma jornalista”.
“Betty suspira, desanimada. Ninguém parece estar entendendo o que ela explica”.
“Não, não sou católica. Mas que importância tem isso, meu Deus?”
“É que uma mulher católica não vai matar o filho pelo aborto! — exclama a jornalista.”
Quanto à “libertação” da mulher pregada pela socióloga Betty não é difícil descobrir quem há de pagar-lhe o preço. Primeiro com a vida. Depois com a própria saúde psicológica e moral. “É preciso reestruturar a sociedade — declara ela — a fim de permitir a participação da mulher na vida econômica: creches tomariam conta dos filhos para permitir que a mulher trabalhe fora”.
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“As crianças pertencem à comunidade como nas tribos antigas…”.
Eis aí a sugestão que à guisa de presente de aniversário trazem os padres pós-franciscanos de “Vozes” à sociedade brasileira.
É tempo de aprender uma lição.
Sempre que um intelectual grite “progresso, progresso” e sempre que algum clérigo entusiasta proponha uma medida revolucionária ou surja algum líder da Igreja carismática a pregar uma reforma de caráter libertário, é mister perguntar: — Quem vai pagar a conta? Qual o preço dessa reforma? Quanto custará em termos de humanidade a facilidade técnica que nos é agora proposta? No ponto em que estamos, a menos que essa conduta se torne como que automatizada não haverá futuro para a humanidade.
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A intelectual brasileira Rose Marie Muraro, a tradutora da americana lançada agora por “Vozes”, é uma das mais importantes figuras da conhecida editora dirigida pelos padres franciscanos. No número acima citado de “Vozes” aparece um artigo de sua autoria. “A Nudez na era Tecnológica” pelo qual se verifica que a autora de A Liberdade sexual da Mulher (“Vozes”, 1971) tem uma curiosa concepção do homem primitivo. “O primitivo” (escreve) possuía uma sexualidade livre e o agricultor tradicional, ao contrário, precisou reprimir esta mesma sexualidade para poder dedicar-se ao trabalho. Este trabalho, entretanto, não o beneficiava e, sim aos senhores da terra a que pertencia. Assim, ao lado da escravização do trabalho, veio a repressão sexual”. Por aí se vê que o agricultor já nasceu “tradicional”, escravo e recalcado. Ao contrário, o primitivo nasceu livre e bom. Num mecanismo mental característico da esquerda utópica, a socióloga de “Vozes” descreve o selvagem com os olhos postos não na realidade mas em Marx, Rousseau e em Freud (via Marcuse). Depois, projeta no futuro a imagem idealizada desse homem primitivo e transfigura em termos de progresso e de ideal os comportamentos mais regressivos pintados como uma “volta à integridade originária”.
Apresentando-se como “católica e pós-cristã”, a socióloga patrícia acaba de conceder uma entrevista ao semanário “O Pasquim”, em que se declara a favor da monogamia “depois de homem e mulher passarem pela poligamia”. (Como pode a mulher passar pela poligamia sem converter-se ao islamismo e viajar para o Oriente, é coisa que a socióloga não explica). Melhor, ela declara-se “a favor de tudo, desde que seja autêntica”. (Eu me pergunto: terá sido inautêntico o nazismo de Hitler?). E explica: “Desde que você não tenha encontrado quem toque na sua neura, quem satisfaça realmente os teus problemas inconscientes e conscientes, você tem direito de procurar, né?” Com a mesma elevação de pensamento, e deixando entrever uma prodigiosa admiração por si mesma, R. M. Muraro se define como “cerebral pra burro”. E acrescenta: “Tenho o logos desenvolvidíssimo e sou mulher pra xuxu”.
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Neste momento, em França, “grupúsculos motores” ligados a lojas maçônicas e a células da Igreja carismática, e com o apoio de poderosas correntes políticas, desenvolvem uma poderosa campanha sob o patrocínio dos Padres de “Esprit” pela legalização do aborto.
Ao mesmo tempo, edita-se uma Bible du Dimanche contendo as passagens da Escritura adotadas como leituras cada domingo pelo novo ordo missae. Os textos foram devidamente comentados por uma equipe de 36 exegetas, 12 catequistas e dois jornalistas sob a direção de conhecidos religiosos e professores. Esses sábios (seu nome é sigla, comissão, conselho, conferência, comitê, LEGIÃO) esses sábios não se pejam de considerar o livro do Gênesis a propósito da Queda (não dizem do primeiro homem): “Enquanto não consentimos em transgredir alguma coisa permanecemos crianças”. Para eles a lenda de Caim e Abel significa que “é sempre difícil passar de uma cultura ou de uma mentalidade antiga para uma nova concepção das coisas”, tanto mais que “a religião geralmente fica a favor do ancient régime e da tradição”. Ora, os Quenitas (ou Cainitas) passaram do nomadismo à vida sedentária (Abel, o pastor, representa pois o protótipo do reacionário e como tal foi devidamente “liquidado”. O primeiro homicídio terá sido um “ato revolucionário”). Tal como o “Catecismo Holandês”, a Bible du Dimanche elimina da história sagrada os anjos e os demônios. “As circunstâncias obrigaram José a retirar-se com sua mulher para a Galiléia”. “Quereis ver o Demônio, é simples: olhai-vos ao espelho”. Quanto aos milagres, a multiplicação dos pães segundo São Lucas é relatada como “o abastecimento de um exército de libertação”; de resto, os grupos que seguiam Jesus (identificado com a Revolução: “Jesus devia ter um coração bem cheio de revolta para anunciar com tanta brutalidade o fim de certas categorias sociais e a revanche de outras”), os grupos que se formam em torno de Jesus — repito — são comparados a guerrilheiros. Comentário ao Magnificat: “Uma jovem de 15 anos canta a Revolução”. A Anunciação não passa de uma ficção literária vazada numa forma corrente na literatura antiga para introduzir considerações sobre o destino de um personagem importante. Pentecostes é muito mais do que um povo vão imagina, “é a imaginação no poder” (o povo vão aqui são os Padres da Igreja, os santos Doutores, os teólogos e toda a tradição de quase 2.000 anos). “David conquistou a reputação de perfeito maquisard”. O rei Ciro “é o Mão-Tse-tung do seu tempo que derruba os imperialismo decadentes”. Etc. etc.
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Esses dados — e outros muitos — figuram numa resenha de Albert Garreau para a revista “La Pensée Catholique”. Nessa mesma Bíblia, comentada, os nomes de Camilo Torres, Martin Luther King, Mao-Tsé-tung, o poeta comunista Aragon, etc. vêm citados com expressões respeitosas.
Ora, num programa recente de televisão que a Rádio Difusion Française dedicou à nova face da Igreja (L´Eglise Demain), esses e outros heróis das guerrilhas urbanas foram convocados para ilustrar “a nova face política do catolicismo”. A segunda parte do mesmo programa, dedicada à nova moral da Igreja, contava com a presença de um padre holandês encarregado de explicar aos telespectadores as transformações sofridas pela Igreja católica no seu país. Os rumores acerca de casamentos homossexuais eram um tanto exagerados, assinalou o Reverendo. O que ocorria — isto sim — eram cerimônias de bênçãos. Ele mesmo — acrescentou — já tivera a ocasião de abençoar algumas uniões desse tipo. E diante dos milhões de telespectadores de França declarou tranqüilamente que ele, o padre, também era “homofílico”. A um canto, o cardeal Daniélou, expressamente convidado para o programa, assistia constrangido ao degradante espetáculo1. Esses aspectos da subversão, o político e o moral, constituem as duas faces — doravante inseparáveis — do novo modelo revolucionário.
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O caráter por vezes grotesco de suas manifestações não nos engane sobre o seu sentido mais profundo, que é exigência de uma fusão total entre as consciências, com a dissolução de todas as categorias da mente, inclusive morais. Não há outra forma de salvação. Filosoficamente, isto se prolonga na idéia de um conhecer por transfusão existencial no outro, de um ato de intelecção que dispensa a mediação do objeto. De onde, os anátemas que uma certa filosofia da Imanência comina permanentemente contra o “conhecimento nocional” assacado de factídio e de ilusório, e desacreditado na sua pretensão de apreender o real. Só a intuição ou a ação (práxis) seria válida como meio de conhecimento. Como observou a encíclica Pascendi, “o modernismo mergulha sua raiz primeira num agnosticismo acerca do valor da inteligência e da razão, o qual dá livre curso aos empuxos da vida, da ação do sentimento religioso, e às exigências interiores do sujeito”. Para o existencialista, conhecer, afinal, é ser o outro não enquanto outro, mas enquanto self, ou enquanto outro eu. O que, ressalvada a hipótese do conhecimento poético ou metafórico, seria possível somente por transfusão da própria identidade concreta. Pois (alegram os existencialistas) o conhecimento abstrativo é artificial, fragmentário, estático. Ele altera a autenticidade do evento, quebra a unidade do vivido, e congela o fluxo do real.
O sofisma do imanentista se reduz a uma forma de ou tudo ou nada. “O ponto central da dificuldade — escreve Tonquédec — não é, nunca foi, saber se não há uma certa inadequação e relatividade do nosso conhecimento nocional, mas sim, se por ser inadequado (ou não totalmente adequado) ele é necessariamente deformante, caricatural”2 , e se, por esse motivo, o conceito como alega um Blondel, não passa de um signo fictício, um sinal que não representa a realidade; apenas indica-a para fins práticos. “Não podendo captar a unidade total, nem mesmo a multiplicidade sintética de nenhum objeto exterior ou estado de consciência, o pensamento não tem outro recurso a não ser fabricar um signo fictício, que constitua algo de uno, de simples e infinitamente manejável”3.
Na filosofia moderna, observa R. Verneaux, há uma tendência a opor sujeito e objeto: “fazer um juízo sobre o outro — dizem — é tratá-lo como coisa, como objeto, o que equivale a negá-lo como sujeito. A única maneira de atingi-lo como sujeito é dirigir-se a ele (o que no jargão progressista se chama ‘afrontamento’); é converte-lo de um ele num tu”4. Daqui, todo julgamento que enquadre o comportamento do outro objetivamente numa categoria moral não é apenas falso, mas contrário à caridade.
Roger Verneaux protesta que nessa formulação há um Kantismo larvar; ela faz do sujeito uma coisa em si, incognoscível. “Ora, a interpretação dos sinais deve ser verídica, ao menos algumas vezes, pois a comunicação é um fato. E se a interpretação é correta, conhecemos o sujeito conhecemo-lo como tal, conhecemo-lo enquanto sujeito, que ele é”.
Por ser adequado à condição humana e estar enquadrado nas limitações que lhe são próprias, o conhecimento abstrativo, ou discursivo, não é menos um verdadeiro conhecimento. Mas o idealista, observa Molnar, “ressente essa advertência como uma afronta, pois crê na dissolução do objeto no sujeito, e do mundo material no mundo conceptual”. “Idealismo e nominalismo não admitem que o sujeito e o objeto coincidam absolutamente numa totalidade única, ou estão radicalmente separados; a primeira hipótese só na Utopia se verifica”5.
Materialismo e Idealismo se encontram num mesmo monismo. Ora a idéia é tudo, e o mundo material se dissolve no mundo conceptual, ora o conhecimento se degrada num processo físico do universo, numa fusão material com o outro; daqui “a crença de que a humanidade poderá um dia livrar-se de tudo o que a divide, de todas as distinções e desigualdades”; e “a noção do amor como fusão total dos seres”; e finalmente “a insistência em querer dissolver os laços que lembram a antiga humanidade ultrapassada”, “laços de família, de propriedade, de hierarquia, e laços com um Deus transcendente”6.
Como vimos na primeira parte deste estudo, as modernas concepções monistas se prendem em última análise a antigos sistemas gnósticos, órficos e neoplatônicos derivados por sua vez de concepções e mitos cíclicos arcaicos e orientais. “A aventura humana pode ser representada esquematicamente por um ciclo: o lugar de origem, o afastamento, a queda, em seguida, o retorno ao lugar de origem”. A realidade presente é uma fase provisória e diminuída. A queda ou afastamento do Absoluto ou da Vida, digamos, da Plenitude vital, se traduz nas separações, divisões e conflitos que dominam o mundo degradado dos poderes e hierarquias, tanto temporais como espirituais. Só na união final com o Todo encontra o homem e a vida humana afinal o seu sentido. Para as modernas utopias de caráter revolucionário toda coação social é odiosa. O pecado nasce da lei e o bem resulta da sua abolição. No estágio final da humanidade, “cairão os muros de separação; não mais haverá nações, raças, distinções sociais ou mesmo distinções entre sujeitos… Haverá fusão total das consciências cuja alienação cessará em virtude justamente dessa fusão”7.
Em face de tais sistemas, a “metafísica do cristianismo” afirma o valor das naturezas, princípios de unidade e de permanência, a transcendência de Deus conhecido analogicamente nas criaturas, a bondade e consistência do mundo criado, o valor da lei natural, a necessidade permanente da autoridade social, o caráter positivo da individualidade, isto é, do sujeito atualmente existente8, a ordenação direta a Deus do sujeito espiritual, enfim, o caráter moral da salvação.
Estamos, pois ante concepções distintas e, mais do que distintas, opostas, incompatíveis. No atual momento, trava-se entre elas uma luta de morte. Os observadores mais perspicazes notam a íntima relação entre revolução política e subversão dos costumes, entre terrorismo sectário e práticas sociais de desenraizamento9. A desagregação da ordem moral sobre a qual se fundava a civilização cristã corre paralelamente com a projetada dilatação ou expansão do igualitarismo massificante até os limites teóricos da espécie num Estado utópico universal. A demolição da família pela legislação liberal do divórcio, da contracepção e do aborto, a que se acrescentam agora a legalização da homossexualidade e da pornografia, a abolição do pátrio poder, a supressão da educação religiosa nas escolas etc. acompanha pari passu as reformas socializantes da propriedade, das profissões e da vida privada. O aprofundamento da negação revolucionária abrange, então, realidades sociais e humanas básicas, que o comunismo leninista e soviético não sonhou sequer contestar. 1968 e Nanterre representam aqui um turning point. O niilismo contestatório que, para efeitos de eficácia do marxismo — e que pretende naturalmente lançar o seu poderio adquirido contra as nações “burguesas” — situa-se a um nível humano propriamente elementar. Daqui a utilização de uma rebelião primária, por assim dizer normal numa certa faixa de idade. De regra, a agressividade que fermenta na alma dos imaturos, durante o turvo período da adolescência, sublima-se parcialmente numa espécie de pacifismo ou de puritanismo desesperado, exprimindo-se com freqüência em fantasias “dualistas” de luta implacável entre o bem e o mal. Não foi pois por acaso que, a exemplo da revolução cultural, a chienlit arregimentou os colegiais. A Revolução hoje cobiça os meninos das escolas. Dirige-se a eles. Fala a sua linguagem. Poe-se a seu nível, que é o mesmo das “massas” e dos programas de auditório, e explora o seu maniqueísmo primário. A dar ouvidos a esses novos propagandistas da Revolução, é toda a sociedade (o mundo dos adultos) que se acha corrompida. As instituições sociais estão contaminadas pelo “mal” (i.é, a violência e a competição). A Igreja traiu os oprimidos. A justiça é uma burla. A atividade política não passa de um jogo de cartas marcadas. O anarquismo utópico dos imaturos se lança sobretudo contra a família, base de uma verdadeira ordem social, considerada agora germe de “discriminação” e de concorrência. Na sociedade ideal não haverá casamento senão de experiência. Reinará a igualdade entre os sexos. As crianças, emancipadas da dominação dos pais, serão “criadas” pelo Estado. A propriedade privada naturalmente será abolida, assim como as nacionalidades.
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Desvenda-se assim com meridiana evidência a relação entre subversão e pornografia; ou seja entre revolução social e revolução sexual. Com igual clareza configura-se um terceiro dado da situação presente, ou devemos dizer o terceiro lado, a base desse infernal triangulo — símbolo de uma Igreja satânica — pois sem esse elemento os outros não poderiam sustentar-se. Refiro-me à conivência das autoridades. Ninguém é punido. Para aclarar em certa medida essa forma insidiosa do mistério da iniqüidade será preciso olhar com certa atenção um dos traços curiosos da mentalidade da esquerda: o otimismo revolucionário.
(Hora Presente, Ano III, Número 11, Dezembro 1971.)
1. Noutro programa da mesma série, aparecia uma freira, holandesa em trajes civis, gabando-se do seu sex appeal e recomendando a leitura de Sartre. Assistia-se a uma intercomunhão de padres católicos e pastores protestantes. Freiras carmelitas tapeavam a priora e liam no Refeitório panfletos políticos. Via-se a “comunhão de Boquen” essa que Dom Bernard Benet “adoravelmente penteado”, recebia na santa mesa da comunhão pessoas divorciadas e recasadas, além de outras não batizadas, etc. etc. (Cf. Edith Delamare, “La Eglise et la televisión”, “Écrits de Paris” Abr. 1971).
2. Joseph de Tonquédec, Immanence, Beauchesne, Paris, 1933, p. LXXX.
3. J. de Tonquédec, Deux Études sur “La Pensée” de M. Maurice Blondel. Beauchesne, Paris, 1936, p. 22-23.
4. Roger Verneaux. La Communication par Signes ap. Recherches de Philosophie VI. Desclée de Brouwer, Paris, p. 93.
5. Thomas Molnar. La Gauche vue d’em Face. Ed. Du Seuil. Paris, 1970, ps. 36-7.
6. T. Molnar, Ibid. p. 43.
7. T. Molnar, Ibid. p. 34.
8. “Para Sto. Tomás, nem a forma isolada nem a matéria são algo de atual. O atualmente existente é a espécie resultante da forma e da matéria no sujeito” (Cf. Manser: La Esencia Del Tomismo. Trad. Luis Vives, Madrid, 1953, p. 765).
9. Essa relação ficara até aqui oculta pelo puritanismo revolucionário a serviço do messianismo marxista, que canalizara a Revolução energias morais ainda intactas do Cristianismo.