Em seu livro The Eucharistic Words of Jesus, publicado em 1966,Dr. Jeremias inventou a engenhosa teoria de que, quando Cristo disse “para muitos”, Ele quis dizer “para todos”, porque o aramaico não possui nenhuma palavra que signifique “todos”. Assim, o argumento era transferido da teologia que, uma vez que o Concílio de Trento expressamente rejeitara e repudiara “para todos os homens”, foi terreno perigoso, mesmo para qualificados equivoquistas, para a filologia.
No entanto, o argumento era bastante insano. Não só a passagem: “todos os habitantes da terra são reputados como nada diante dele” (Daniel IV, 32) existem no aramaico original, mas a obra A Grammarof Biblical Aramaic (publicada em 1961) dedica toda uma seção à palavra aramaica para “todos”, “muitos” e “cada um”.
A explicação “oficial” deste ponto particular na Missa Nova, como de muitos outros, é o que o homem simples, alheio aos métodos de pensamento episcopais, chamaria uma mentira. Sua importância, aqui,está no fato de que, ao alterar as palavras de Cristo, certamente essa alteração tornam inválidas todas as Missas vernáculas, além de qualquer possibilidade de argumento.
Como as versões latinas dos novos Cânones da Missa ainda retêm o “pro multis” e ainda não alteraram para o “pro omnibus”, facilmente este motivo de invalidade não se aplica a eles. Contudo, eles não parecem menos inválidos, mas antes de examinar a razão, seria bom dizer uma palavra sobre o Cânon da Missa, porque as nossas autoridades eclesiásticas estão enganando os leigos,falseando mais de 400 anos.
A forma como a mudança foi apresentada ao inglês pode ser resumida pela sentença do cardeal Heenan, no prefácio do livro de Missa de Westminster:
“Palavras e ações que, há quatrocentos anos atrás, serviram de apelo aos isabelinos, dificilmente podem satisfazer o estado de espírito dos homens no século XX.”
Mas, pelo contrário, o Cânon da Missa remonta sem qualquer alteração ao início dos primeiros séculos cristãos. Já estava estabelecido antes de Santo Agostinho ter trazido o Cristianismo para a Grã-Bretanha, e o Cânon que ele usou na primeira Missa dita por ele em Kent consistiu precisamente nas mesmas palavras, na mesma língua, utilizada em cada Missa nos 1.373 anos desde então até a sua abolição em fevereiro de 1970.
O que a reforma tridentina de São Pio V revisou e unificou foram orações e rituais ocasionais que cresceram em certas localidades. A reforma tridentina não tocou — como não havia sido tocado — no Cânon, que trazia em si a imutabilidade de Cristo.
O próprio Trento salientou a continuidade, declarando:
“Sendo conveniente que as coisas santas se administrem santamente, e sendo este sacrifício entre todos o mais santo, instituiu a Igreja Católica já há muitos séculos o Cânon sagrado, tão purificado de todo o erro, que nele não há nada que não rescenda a suma santidade e piedade, nada que não eleve a Deus as almas dos que o oferecem. Pois ele se compõe das palavras do mesmo Senhor, como das tradições dos Apóstolos e das piedosas instituições dos Sumos Pontífices.”
Lutero, por outro lado, referiu-se a isso como
“. . . esse Cânon abominável é uma confluência de esgotos de águas lodosas, que tem feito da Missa um sacrifício. A Missa não é um sacrifício. Não é o ato de um sacerdote que sacrifica. Junto com o Cânon, nós descartamos tudo o que implica uma oblação”.
Um dos principais arquitetos da Nova Missa, Rev. AnnibaleBugnini, parece endossar este julgamento quando fala da famosa Fórmula Missae de Lutero em 1523 como Missa Normativa. Certamente, o projeto da Missa Nova, com sua destruição do antigo Cânon, incorpora os princípios luteranos.
Enquanto o Cânon Tridentino permaneceu, era impossível subverter a intenção da Missa. Consequentemente, os ecumenistas tiveram que impor cânones alternativos. Um deles, o Cânon II, foi formulado de tal maneira que qualquer ministro protestante ou padre caducado que negasse a transubstanciação poderiam dizê-lo.
Em primeiro lugar, livrou-se de toda menção a oblação, como Lutero recomendava. A razão para isso é explicada simplesmente por um teólogo no Courrier de Roma (nº 49, p.6):
“Como Cristo ressuscitou dos mortos para não morrer mais, Ele não pode ser colocado na Missa em qualquer estado que seja de uma vítima. Ele só pode ser a vítima mística sob as espécies de pão e vinho. O pão e o vinho entram, consequentemente, como partes integrantes do Sacrifício.”
Tendo se livrado do ofertório, e as Oblações separadas, os compiladores do Cânon II retomaram o truque de Cranmer ao formular uma oração não para que o pão e o vinho possam ser feitos o Corpo e o Sangue, mas “que se tornem para nós[1]o corpo e o sangue” — uma fórmula que ele descreveu como especificamente destinada a negar a transubstanciação.
Então, no Cânon II, a fórmula: “derramando sobre elas [as oferendas] o vosso Espírito, a fim de que se tornem para nós o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso”, torna possível para qualquer uma das seitas membros do Conselho Mundial de Igrejas utilizá-lo como seu serviço de comunhão. Essa intenção “ecumênica” certamente destrói a sua validade.
Além disso, a validade dos outros cânones,portanto, pareceria ser igualmente destruída.
Eu ouvi pessoas dizerem que o Padre Fulano, sem dúvida, acredita na transubstanciação, e sua celebração, por causa de sua intenção, será válida. Mas isso é interpretar mal a “intenção”.A crença pessoal do sacerdote não tem parte nisso. Se tivesse, o fato de que Talleyrand tenha sido um ateu professo teria invalidado todas as suas ordenações e hoje não haveria certas ordens em qualquer parte na França.O que é solicitado ao sacerdote é simplesmente que ele deve ter a intenção do que a Igreja pretende. Este princípio explica, por exemplo, por que uma mulher muçulmana pode realizar um batismo cristão válido, desde que ela diga as palavras designadas, execute as ações designadas e, embora ela mesma não acredite, tenha a intenção de fazer o que a Igreja pretende.
Como a Igreja pretendeu, ao formular o Cânon II para que ele possa ser interpretado de maneira a negar à transubstanciação, tornou a sua intenção “ecumênica” inequivocamente clara, parecendo que todos os novos Cânones são inválidos e que nenhum sacerdote, no entanto, faça soar sua teologia e, no entanto, ainda que apaixonado por sua devoção, possa dizer uma Missa válida.
Então, uma conclusão gritante e aterradora apresentou o grande corpo dos fiéis com uma quase intolerável tensão.Chegou-se até a conclusão de que uma Missa inválida é válida se apenas for dita em latim.Eles formaram uma Associação para a Liturgia Latina, diante da qual os fiéis devem ser avisados, não porque tenham algum status, mas porque a hierarquia, para a confusão do simples, pode parecer paternalista, ao parecer conceder uma Missa latina.
Não se pode enfatizar demais que não há, seguramente, uma Missa latina válida disponível no Ocidente no momento, senão o Rito Tridentino de São Pio V, que ele tentou salvaguardar par a perpetuidade.
Nossos bispos, proibindo este rito, chamam-nos à “obediência”. Mas eles certamente devem saber que a obediência à consciência tem precedência a tudo, e essa obediência não pode ser ordenada por algo errado.Mesmo na vida militar, um soldado não pode pleitear obediência a um superior como uma desculpa para cometer um crime. O que os bispos entendem por “obediência” é uma regimentação sem sentido — o tipo de obediência que os padres apóstatas da primeira Reforma deram a seus bispos apóstatas, entre os quais havia apenas um que defendia a Fé — São João Fisher. No momento, não há nenhum São João Fisher.
A defesa da Igreja, em face da grande traição dos eclesiásticos, recai sobre os leigos que devem ser ativos na prossecução da política que já está entrando em vigor em vários lugares — fornecendo um sacerdote para dizer a Missa Tridentina e dedicando-se à sua manutenção todo o dinheiro que normalmente dariam à sua igreja local. Como estamos de volta às Catacumbas, a celebração pode ser realizada em casas particulares.
Não pode haver censuras possíveis para isso. Foi para esta eventualidade que São Pio decretou: “não sejam obrigados a celebrar a Missa de outro modo que o por Nós ordenado; nem sejam coagidos e forçados, por quem quer que seja, a modificar o presente Missal, e a presente Bula não poderá jamais, em tempo algum, ser revogada nem modificada, mas permanecerá sempre firme e válida, em toda a sua força”. Seria, no final, impossível acusar de cisma aqueles que continuaram a usar a forma de Missa santificada pelos séculos. Na verdade, cismáticos seriam os ecumenistas.
Alguns podem achar que este curso, possivelmente reduzindo o número da Igreja, está, por essa razão, aberto às mais graves objeções. Eles tendem a pensar eventos nos termos do verso do hino, “Como um poderoso exército move a Igreja de Deus”, e vê-la crescer o tempo todo numericamente mais forte.
Mas, porque o Evangelho deve ser pregado ao mundo inteiro, de maneira alguma segue-se que o mundo inteiro o receberá. Se há uma coisa sobre a qual o próprio Cristo, os Apóstolos e os Padres insistiram, foi que a Igreja na Terra será reduzida a um remanescente muito pequeno.[2] Nós fomos advertidos pela autoridade máxima sobre uma “queda”, que “chegará o momento em que não suportarão a sã doutrina”, e que “se isto fosse possível, até mesmo os escolhidos” serão enganados.
Um padre americano, o Padre Lawrence Brey, descrevendo a nossa condição atual, pergunta se a introdução da Missa Nova é
“. . . o início de uma era de nova escuridão na Terra e o prenúncio de uma crise sem precedentes dentro da Igreja? A indicação da Santíssima Virgem de que o Rosário e seu Coração Imaculado seriam nossas “últimas e definitivas armas” é uma sugestão de que, de alguma forma, a Santa Missa, em algum momento, não se tornaria mais disponível para a maioria dos católicos?”
Agora que isso aconteceu, algumas pessoas, pendentes da organização das Missas Tridentinas, dizem o Rosário seguido da leitura da Missa em seus antigos missais, acompanhadas por uma intenção inabalável e até apaixonada de fazer uma comunhão de desejo, pois não podem mais fazê-la de fato. Só podemos rezar para que os dias dessa necessidade improvisada sejam, pela graça de Deus,abreviados.
Em conclusão, devo insistir que esta necessidade na Inglaterra é inteiramente causada por nossos bispos. A Missa Tridentina, segundo a ordem do Papa, não deve ser abolida em geral até novembro de 1971, a menos que a Hierarquia local opte por proibi-la. Se o nosso episcopado fosse restabelecer, ou permitir o uso alternativo da Missa Tridentina até o Advento de 1971, para que o assunto pudesse ser cuidadosamente examinado e debatido, é possível que ela não fosse abolida. Dezoito meses de honestidade podem fazer maravilhas.
Como última palavra, posso louvara Hierarquia da Inglaterra e do País de Gales nas palavras com as quais o Padre Messenger concluiu sua revisão de um livro sobre ordens anglicanas quase repleto de suppressio verie suggestio falsi,semelhantes a muitos dos pronunciamentos episcopais sobre a Missa Nova:
“Gostaria de apelar ao autor para levar a questão mais a sério, não só para o seu próprio bem, mas pelo bem dos outros igualmente. É uma coisa grave enganar e iludir as almas pelas quais Cristo morreu.”
Londres, domingo de palmeiras de 1970.
[1]É verdade que o Cânon Tridentino também contém nobis, mas, por causa das grandes orações oblacionárias que precedem, o significado é bastante diferente. Veja The Modern Mass, p. 19.
[2]Nota de Dominus est:“Não temais, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino”. (Lc 12,32)