A GRATIDÃO

Resultado de imagem para rezando igrejaCerta dama norte-americana sentiu-se um dia profundamente humilhada, por haver omitido um agradecimento. Desejava fazer uma viagem de trem e ao subir no vagão, notou que todos os lugares já estavam ocupados. Um senhor de idade para se mostrar gentil para com ela, cedeu-lhe o lugar. Na estação ela desceu do trem e quando já estava a certa distância, um viajante gritou-lhe do vagão: “Senhora, esqueceu-se de alguma coisa”. Aproximou-se rápida, indagando de que coisa se havia esquecido. Informou o viajante: “Esqueceu-se de agradecer àquele senhor que lhe cedeu o lugar”.

Foi grande, em verdade, o vexame, mas muito merecido, não dizer sequer uma palavra de agradecimento a um senhor idoso que se houvera com tanta delicadeza e atenção para com uma pessoa estranha; foi, por certa falta de polidez, merecedora daquela correção.

Se cuidares de agradecer todo o bem que te fizerem, tanto Deus como os homens se alegrarão com teu proceder; se, porém fores ingrata, serás desprezada e ninguém desejará ter relações contigo. Desejo, pois, incutir, em teu coração a virtude da gratidão.

1º – O sentimento de gratidão é de todo conforme a nossa natureza.

Diz o grande teólogo, Santo Tomás de Aquino: “Todo efeito segue a natureza da causa que o produz, e de maneira proporcionada à mesma coisa”. Ora, o benfeitor é causa do benefício que produz. Portanto, deve o beneficiado voltar ao benfeitor, e voltar com a inteligência que reconhece e com a vontade que avalia o beneficio.

Exprimir por meio da inteligência e da vontade o próprio reconhecimento, é praticar um ato adequado à natureza humana. Corresponde a gratidão não somente à natureza humana, senão também às criaturas irracionais, ao mundo animal. É o que indica a comovente queixa de Deus, no profeta Isaías: “Ouvi, céus, e tu, ó terra, escuta, porque o Senhor é quem falou: Criei filhos e engrandeci-os, porém, eles me desprezaram. Conhece o boi o seu possuidor e o jumento o presépio do seu dono; mas Israel não me conheceu, e o meu povo não teve inteligência!” (Is. 1,2-3).

Até os próprios animais não são indiferentes à gratidão. Certa vez, em Roma um escravo desertor, chamado Androcio, fora lançado no anfiteatro a um leão, e a fera se pôs a acariciar o escravo. Maravilharam-se os espectadores. A admiração, porém, chegou ao auge quando souberam que o escravo, por espaço de três anos, tinha permanecido no deserto da África e lá havia curado a pata deste mesmo leão. Foi o escravo imediatamente indultado. Ora, se os irracionais, como o leão feroz, se mostram assim agradecidos, não será profundamente vergonhoso para o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, não testemunhar nenhum amor e gratidão a seu benfeitor?

2º- A gratidão é sinal de um coração nobre.

Quem não conhece a gratidão, manifesta-se intimamente estólido acerca do bem que lhe fazem; não possui nenhum sentimento nobre e delicado.

O egoísmo faz que se desenvolva cada vez mais no seu interior a grosseria; torna-se vulgar e mesquinho. Coisa muito diferente sucede ao homem agradecido. Possui um coração nobre. De sentimentos delicados, mostra-se reconhecido a cada benefício que recebe, a cada favor que lhe fazem. É para ele um prazer e uma necessidade declarar-se, novamente grato, em qualquer ocasião, quando não com dádivas e presentes, ao menos com sinceridade e alegria. Daí provém a suposição de que o homem agradecido é quase sempre um homem contente e satisfeito. Ocorre-lhe amiúde, a grata lembrança desta ou daquela atenção e amabilidade, que lhe demonstraram, embora pequena e insignificante.

Sim, a gratidão não olvida os pequenos benefícios, nem os mais ínfimos. Não é isto, prova de um coração bom e nobre? Assim disposto, não se desenvolvem nele a maravilhosa ação de graça? Ao passo que a ingratidão convoca, por assim dizer, ao redor de si todos os maus espíritos e lhes franqueia a porta do coração.

Visto ser a gratidão própria de um coração nobre, os santos foram também os homens mais agradecidos. Como se distinguir nesta virtude o grande Rei Davi! Após a morte de

Jônatas, de quem recebera tantos benefícios, mandou que trouxessem à sua presença o filho dele, que era coxo, e lhe restituiu todos os campos de Saul (II Reis, 9). Quando Davi se empenhou em guerra contra seu filho ingrato, faltaram-lhe todos os meios de subsistência. Um velho rico trouxe-lhe então o necessário. Para recompensá-lo quis Davi, conduzi-lo à Jerusalém no seu palácio real, para que ele transcorresse ali a velhice. Como o velho recusasse, em virtude da sua avançada idade, tomou-lhe Davi consigo o filho e cumulou-o de todos os benefícios. Ainda, antes de morrer, pediu a Salomão que não esquecesse o filho daquele velho e que fizesse comer à mesa.

3º – A gratidão é também uma virtude que se pode, facilmente, exercitar.

Sem dúvida, há casos em que a prática de certas virtudes oferece dificuldades. Por exemplo, um adversário ou inimigo, que de muitos modos, te embaraça e procura contrariar e frustrar as tuas intenções e os teus planos, que não desiste de te ofender, às vezes gravemente; como não será difícil, neste caso praticar essa virtude cristã do amor ao próximo! Quão difícil te não será em tais circunstâncias observar a palavra do Divino Salvador: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai por aqueles que vos perseguem e caluniam” (Mt., 5,44).

E não será também, muitas vezes difícil e árduo para uma moça, o conservar a pureza do coração? Quando, no seu interior, se levantam violentas e obstinadas tentações, e talvez externamente se lhe deparam perigos sedutores, não terá então necessidade de combater, seriamente, e estar, sobretudo, atenta e precavida, para não sofrer nenhum dano? Dá-se o contrário, com a gratidão. Para exercitá-la não precisa empenhar-te em grandes e difíceis combates, não tens necessidade de afastar perigos externos, basta que sigas o pendor inato e nobre do teu coração. Basta apenas que às pessoas que se mostram benévolos para contigo, tenhas uma palavra de agradecimento, uma reconhecida apreciação do benefício e que lhes faças uma ou outra vez algum pequeno favor.

Não é isto extremamente fácil, não é isto um alívio para o teu próprio coração? E embora a gratidão pelos benefícios recebidos exigisse um sacrifício ainda maior ou a retribuição de maior favor, este sacrifício será feito com certo entusiasmo e infundirá, no coração, tão grande alegria, que dificilmente se poderá sentir o seu peso, ou incômodo. Não há com efeito, nenhuma virtude tão fácil de se praticar, como a gratidão: eis porque merece tanto maior censura quem se mostra ingrato.

4º – A gratidão é uma virtude que nos granjeia a benevolência dos outros e os torna propensos a conceder-nos novos benefícios.

Diz São João Damasceno: “Assim como um pequeno remédio muitas vezes nos livra de uma doença grave, assim também o sincero agradecimento pelos pequenos benefícios, alcança-nos amiúde grandes favores”. Ninguém gosta de tratar com o ingrato, por que geralmente, é mesquinho, egoísta e enfadonho. Ninguém gosta de lhes fazer benefícios, porque não deseja ver os seus dons tratados com indiferença e desprezo. Com a pessoa educada, acostumada a agradecer os favores, todos gostam de tratar, em razão da sua bondade interna e nobreza de sentimentos: de cada benefício recebido e de cada favor que lhe concedem, faz com que um suave laço que o liga ao seu benfeitor. Enquanto a ingratidão favorece o egoísmo, a gratidão torna o amor ao próximo mais intenso e cordial, conquista renovada benevolência dos nossos semelhantes.

Sê, portanto, agradecida sempre. Antes de tudo e em primeiro lugar, a teu Deus e Senhor que é, sem dúvida, o teu maior Benfeitor. Com o Rei Salmista, podes também tu dizer: “Que dareis em retribuição ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito?” (Sl. 115,3). Adquire o santo costume de agradecer a Deus todas as noites, em breves palavras, todos os favores que te fez. E cada vez que te conceder um benefício especial ou te distinguir com uma felicidade particular, não deixes de Lhe agradecer, ainda do íntimo da alma e de todo o coração.

Sê, depois, agradecida a teus queridos pais que, desde os primeiros momentos da tua existência te consagraram o seu maior amor e cuidado. Com muita razão diz São Lourenço Justiniano: “Enquanto vivermos sobre a terra, seremos sempre devedores a nossos pais. Não poderemos jamais saldar a grande dívida que com eles contraímos”. Pelo menos, em parte, havemos de procurar fazê-lo do melhor modo possível. Por gratidão proporciona a teus pais, com teu bom proceder, grande alegria; por tua aplicação e vida virtuosa, esforça-te para seres as delícias, o orgulho deles.

Quão triste e lamentável, uma filha adulta não causar senão aflições aos seus maiores benfeitores terrenos, os pais, e amargurar-lhes a existência! Deus não há de olhar, com desprezo, para tais filhas e subtrair-lhes as suas graças?

Procura, sobretudo, quanto for possível confortar a velhice de teus pais; impõe-te mesmo de bom grado, se preciso, algum sacrifício, para que nada lhes falte. E se perdurar, não agaste; prefere abster-te do necessário a deixar que teus pais sofram privações. Se morrerem, conserva grata recordação deles, cumpre-lhes fielmente as últimas vontades, pede a Deus pelo seu descanso eterno e mantém-lhes o túmulo com honra e veneração. Sê, constantemente, filha agradecida a teu pai e tua mãe. Por último, sê também grata a quantos se mostram bem dispostos para contigo e te fazem benefícios. Tem sempre nos lábios uma palavra de agradecimento a quem te faz um favor; palavra que há de brotar de um coração realmente agradecido, e não por simples formalidade e mera cortesia.

Movida pelo sentimento de gratidão deves, além disto, estar pronta para de bom grado retribuir favores, e contente por proporcionar a outrem algum prazer. No entanto, em qualquer ato de gratidão para com quem te fez benefícios, guarda-te, sempre, de te mostrares fraca e vacilante nos princípios fundamentais da religião. Óbvio seria este perigo, quando um benfeitor muito famoso e influente fizesse grandes benefícios, mas animado por princípios que contrariam o espírito de Jesus Cristo ou o senso cristão. Muitos se expuseram a tal perigo, e com o tempo por deferência a um benfeitor poderoso, se tornaram pusilânimes e sem caráter. Que gratidão é esta que desgosta a Deus e te conduz à perdição?

Sê, portanto, grata; grata de coração. Sempre e em toda a parte saibas ser agradecida. Não sejas, porém, servil; guarda, mesmo com pessoa altamente colocada, a tua inflexibilidade e conserva-te sempre firme em teus princípios cristãos.

Donzela Cristã – Pe. Matias De Bremscheid