A ILUSÃO DO PECADO

Resultado de imagem para olhar malignoEu disse antes (14.7) que os demônios convidam os homens para a água-morta, a única que lhes pertence, cegando-os com prazeres e satisfações do mundo. Usa o anzol do prazer e fisga-os mediante a aparência de bem. Sabe ele que por outros caminhos nada conseguiria; sem o vislumbre de um bem ou satisfação, os homens não se deixariam aprisionar. Por sua própria natureza, a alma humana tende ao bem. Infelizmente, devido à cegueira do egoísmo, o homem não consegue discernir qual é o bem verdadeiro, realmente útil ao corpo e à alma. Percebendo isso, o demônio, maldoso, apresenta-lhe numerosos atrativos maus, disfarçados porém sob alguma utilidade ou prazer. Adapta-se ele às diversas pessoas, variando atitudes e males conforme crê oportuno. De uma forma tenta o leigo, de outra o religioso, o prelado, os chefes; a cada um, conforme a sua posição social.

Falei dessas coisas porque no presente estou ocupando-me dos pecadores que se afogam pelo rio do pecado. São homens egoístas, que só pensam em si mesmos. Amam a si mesmos, ofendem-me. Já disse (14.5) para onde se encaminham; agora quero mostrar-te como se iludem, pois ao tentar fugir dos sofrimentos, em sofrimentos caem. Julgam que o fato de me seguir através da ponte-Cristo seja causa de muita fadiga, por isso voltam atrás com medo dos espinhos. Na realidade tal atitude procede da cegueira e ignorância da Verdade, como te fiz ver no início de tua vida, quando rogavas misericórdia em favor do mundo, desejosa de que eu o libertasse do pecado mortal.

Naquela ocasião, mostrei-me a ti na figura de uma árvore (54). Não vias onde começava, nem onde terminava; somente percebias sua raiz na terra. A “terra” era vossa natureza humana, unida à natureza divina (em Cristo). No tronco da árvore – se ainda recordas – havia alguns espinhos. Evitavam-nos os amantes da própria sensualidade, os quais corriam para um monte de palha, símbolo dos prazeres humanos. A palha assemelhava-se ao trigo. Vias que muitos ali morriam de fome; outros, ao dar-se conta da ilusão, voltavam à árvore, superavam com decisão os espinhos. Essa decisão, antes de ser tomada, parece difícil a quem deseja seguir a estrada da Verdade. Há sempre luta entre a consciência de um lado e a sensualidade do outro.

Mas quando a pessoa virilmente renega a si mesma e se decide dizendo: “Quero seguir Cristo crucificado”, então ela quebra aqueles espinhos e descobre inestimável doçura. Foi o que te fiz ver aquela vez. A doçura será maior ou menor, conforme a boa disposição e o esforço pessoal. Então eu te disse: “Sou o Deus imutável; não me escondo de quem me procura”. Embora sendo invisível, mostrei-me visível aos homens em Cristo. Fiz ver o que é amar algo fora de mim. Infelizmente os homens, cegos pela fumaça do egoísmo, não me conhecem, não se conhecem.

Vê como se iludem: preferem morrer de fome do que superar um pequeno espinho. Mas não ficarão sem dificuldades. Nesta vida, ninguém vive sem cruz. A não ser aqueles que caminham pela estrada superior; eles também sofrem, mas sua dor não aflige. Pelo pecado, como disse acima, o mundo produziu dificuldades e dores, bem como nasceu o rio do pecado, esse mar tempestuoso; mas para vós eu construí uma ponte, de modo que não vos afogueis.

Nota:

54 – A visão é narrada por Catarina (Libellus de Suplemento,I, 5); ter-se-ia verificado em 1362, no dia em que Catarina entrou para a Ordem da Penitência de São Domingos.

O Diálogo – Santa Catarina de Sena