A senhora leu com muita atenção certo post scriptum do nosso catecismo e pede-me para escrever-lhe uma carta respondendo a uma pergunta: «o que é, pois, a Fé?»
A pergunta é curta, a resposta será longa. Vou lhe escrever uma carta, duas cartas, três cartas e talvez até mais.
Sem mais demora, entro no assunto.
A senhora tem filhos amáveis e amados que Deus lhe deu; e é por causa deles que me pergunta: o que é a Fé? Responderei; e precisamente por eles encontrarei um meio fácil de dizer o que é a Fé.
Note bem: a senhora conhece seus filhos, e sabe que eles são seu filhos, mas a posição deles em relação à senhora não é exatamente a mesma. Pois, se é verdade que eles a conhecem, é preciso convir que eles não têm outro remédio senão acreditar que a senhora é mãe deles. Digo que eles têm de acreditar porque nunca terão a prova de visu deste fato. Foi a senhora quem lhes disse e no que ouviram, creram: eles o receberam com uma confiança perfeita, quase se poderia dizer, cega; pois se uma outra mulher tivesse cuidado deles como a senhora cuidou, e lhes tivesse testemunhado alguma afeição, eles a chamariam mamãe, levados por um impulso natural.
Veja por esse exemplo como crer é natural ao homem, pois ele tem necessidade de crer,primeiramente em seu pai e sua mãe. Nunca sobre esse ponto o homem pode chegar a uma demonstração, ele deve crer. Isto faz parte da ordem natural, e ele crê. É por isto que o homem chama seu pai de pai e sua mãe de mãe.
Assim, os primeiros conhecimentos do homem são conhecimentos não demonstrados mas aceitos com inteira segurança, confiado na palavra do pai e da mãe. A criança viverá muito tempo neste estado, em perfeita segurança, sob a autoridade de seus pais. Diz Santo Agostinho: «É da ordem natural que a autoridade preceda a razão». E adiante: «A autoridade exige a Fé e prepara o homem para a razão».
Quando, mais tarde, a razão da criança estiver formada, ela poderá se basear nela; mas antes disso, é indispensável que o homem creia; é um bem que lhe é necessário, que Deus lhe preparou em sua paternal solicitude, e que o homem recebe sem a menor dificuldade. Ouçamos ainda Santo Agostinho: «Uma coisa é acreditarmos confiados na autoridade, outra na razão. Crer pela autoridade é muito vantajoso e não dá trabalho».
Vê-se assim como a criança está sob a tutela de seus pais. Ela crê naquilo que seus pais sabem; crê, sem demonstração, naquilo de que seus pais têm a demonstração e a evidência. Santo Agostinho diz que é assim na ordem natural, e protegida por esta ordem natural a criança se sente bem e efetivamente está bem. Podemos, pois, dizer agora que, assim como a criança está sob a tutela de seus pais na terra, o cristão está sob a tutela de seu Pai que está no Céu crendo na palavra de Deus como ele crê na palavra de seu pai, e tendo Fé em Deus como tem fé em seu pai. E a senhora poderá então compreender sem dificuldade o que é a Fé.
Chego ao fim a que me propus. A senhora fala a seu filho, ele ouve, ele crê; é a fé humana correspondendo à autoridade humana natural que Deus lhe deu sobre seu filho.
E como o pai na Terra tem autoridade para ensinar a seu filho e pode exigir dele a docilidade, quer dizer a fé, Deus, o Pai dos seres espirituais como diz São Paulo, tem também autoridade para falar às almas, e para exigir delas a fé.
O pai sabe uma porção de coisas que o filho não sabe e que o filho deve crer. Deus sabe também muitas coisas que o homem não sabe, e que deve crer porque Deus disse, quando deu ao homem a honra de lhe falar.
Veja a semelhança. Ela é perfeita e no entanto é preciso notar uma diferença considerável que a senhora verá sem dificuldade. A senhora fala a seu filho, ele acredita no que a senhora diz, é natural. A criança encontra em sua própria natureza tudo que é necessário para crer. A fé que sua palavra exige dele não o eleva acima de sua natureza. Mas quando Deus, o Pai dos seres espirituais, fala à sua criatura, como seu desígnio é eleva-la acima de si mesma e de fazê-la participar, não mais de uma simples verdade natural, e sim de uma verdade de natureza divina, portanto superior à natureza humana, em outros termos, sobrenatural, o homem não encontra mais em sua natureza capacidade suficiente para receber um ensinamento que o excede e que vença a distância de Deus ao homem. Então, se Deus quer que acreditem em sua palavra, é absolutamente necessário que eleve até Ele mesmo, quer dizer sobrenaturalmente, a faculdade natural que o homem tem de crer. E quando Deus concede este benefício ao homem, dizemos que Ele lhe deu a graça da Fé. A senhora compreende agora, porque está dito no princípio do Catecismo que a Fé é um dom de Deus.
Eu creio!
Cartas sobre a Fé – Pe. Emmanuel-André