Fonte: FSSPX Portugal
Introdução
Os ecrãs (telas), parte integral do nosso dia–a–dia no século XXI, remontam ao final do século XIX, com a invenção dos ecrãs de raios catódicos. Contudo, foi apenas a partir dos anos 50 do século XX, com a introdução maciça da televisão no mercado americano e europeu, que começaram a ganhar um lugar central na vida quotidiana.
Pouco tempo depois, surgem os computadores de uso comercial, nos anos 80, seguidos, por fim, pelo telemóvel digital, nos anos 2000. Assim, no espaço de pouco mais de uma geração, operou-se uma mudança gradual, mas substancial, no nosso modo de vida.
Onde antes imperavam o silêncio, o recolhimento, a socialização genuína e as amizades reais, hoje reina o ruído, a dispersão, a comunicação incessante e as amizades superficiais. O mundo moderno curvou-se perante estas tecnologias e, cedo, encontrou-se escravizado por elas.
É comum ouvir alguém de outra geração comentar que, enquanto na sua juventude os adolescentes se reuniam num campo para jogar após a escola, hoje hibernam em casa a jogar videojogos estranhos com completos desconhecidos através da internet. Embora esta queixa costume partir de pessoas simples, a observação é mais sagaz do que parece à primeira vista.
Há cem anos, apesar de todas as dificuldades materiais e do já avançado estado de decadência da sociedade, era possível que a alma católica encontrasse silêncio e convivesse intimamente com Deus no seu interior, depois de cumprir os seus deveres de estado. Hoje, mesmo depois de um dia de trabalho ou estudo (deveres já em si afectados por estas tecnologias), a nossa alma não se encontra interiormente disposta nem em boas condições exteriores para o recolhimento a que somos chamados. Pelo contrário, encontra-se absorvida pelos ruídos, distracções e dispersões da vida moderna — desde a música e televisão em excesso ao uso contínuo das redes sociais. Mais do que nunca, estamos ligados à tecnologia e desligados de Deus.
É necessário, portanto, discutir a grande questão dos ecrãs e das redes sociais. Para tal, focar-nos-emos em três grandes aspectos:
- O perigo que os ecrãs representam para a nossa saúde física e mental;
- O perigo que representam para a nossa vida social;
- E, como consequência dos anteriores, os perigos que apresentam para a nossa vida espiritual.
Embora existam perigos graves e evidentes no uso dos ecrãs e da internet — como é o caso notório da pornografia — não é disso que aqui trataremos, por se tratar de um uso flagrantemente mau dessas tecnologias. O nosso foco será, antes, os problemas mais subtis e subversivos do uso prolongado destas ferramentas, que, sem parecerem maus à primeira vista, acabam por minar, a longo prazo, a vida espiritual de qualquer católico.
Neuroplasticidade
Antes de abordarmos os perigos anteriormente mencionados, é necessário compreender minimamente o funcionamento do nosso cérebro — e, em particular, o conceito de neuroplasticidade.
A neuroplasticidade é, em termos simples, a capacidade que o cérebro tem de criar novas conexões entre neurónios — as células responsáveis por processar e armazenar a informação recolhida pelos sentidos e trabalhada internamente. Quanto maior o número dessas conexões, menor o esforço necessário para aceder às memórias ou realizar tarefas cognitivas.
Podemos imaginar que, ao repetir uma acção vezes suficientes, mais cedo ou mais tarde seremos capazes de realizá-la quase automaticamente, “sem pensar” — ou, pelo menos, sem termos consciência de que estamos a pensar nela. Isso acontece porque a tarefa passou a ser fácil, exigindo menos esforço e energia do cérebro do que inicialmente.
Por exemplo: ao vermos uma criança a usar talheres pela primeira vez, notamos o esforço e a atenção que ela dedica a essa tarefa. No entanto, passadas algumas semanas ou meses, o uso dos talheres torna-se-lhe uma segunda natureza.
Ora, esta capacidade do cérebro pode ser usada para formar bons hábitos, desenvolver a inteligência e crescer em virtude — mas também pode, com muito maior facilidade, ser usada para gerar maus hábitos, atrofiar a inteligência e semear a leviandade e a tibieza no nosso ser.
Santo Agostinho e Santo Afonso Maria de Ligório já afirmavam que é mais fácil contrair maus hábitos do que bons. A neurologia e a psicologia modernas apenas confirmaram o que a experiência espiritual da Igreja tem ensinado ao longo de dois milénios.
Segundo os estudos mais recentes, o uso excessivo de ecrãs, redes sociais e internet — especialmente através do telemóvel — provoca atrofia cerebral, nomeadamente através da redução da matéria branca e cinzenta (responsáveis, em termos gerais, pela regulação emocional e intelectual da pessoa, e pela rapidez das conexões neurológicas).
Essa atrofia não se deve apenas ao subdesenvolvimento de certas áreas cerebrais, mas também à sobrecarga das conexões neurais. Em outras palavras, o uso contínuo do telemóvel — sobretudo de forma passiva — pode danificar de forma grave, e muitas vezes irreversível, a estrutura do nosso cérebro.
E é aqui que entra a nossa responsabilidade como católicos. O cérebro é uma das ferramentas mais preciosas que Deus concedeu à pessoa humana — para que, usando-a bem, pudéssemos conhecê-Lo melhor, compreender a Sua Vida, os Seus Ensinamentos, e, a partir desse conhecimento, refletir, rezar e amar.
Ao permitir que esta ferramenta divina se atrofie e degrade, não fazemos senão desprezar os dons de Deus, cuspindo na mão d’Aquele que nos deu os meios para alcançar a salvação eterna.
Perigos para a saúde mental
Enumeremos agora algumas das principais consequências do uso excessivo destas novas tecnologias:
- Redução da nossa capacidade de gerir e percepcionar o tempo;
- Redução das nossas capacidades cognitivas, especialmente a atenção, o foco e o raciocínio crítico;
- Diminuição da nossa capacidade de controlar as emoções e os impulsos, resultando numa pessoa interiormente desordenada e desregulada;
- Redução da capacidade de armazenar memórias;
- Aumento da fadiga mental e da inquietude.
De forma resumida, podemos descrever este processo assim: o uso excessivo destas tecnologias conduzirá, inevitavelmente, à animalização (ou bestialização) do ser humano — independentemente, sim, da frequência com que recorra aos sacramentos.
Este processo degenerativo gera um verdadeiro círculo vicioso: o cérebro, danificado e enfraquecido, acaba por viciar-se precisamente naquilo que o destrói. Por isso, podemos e devemos reconhecer estas tecnologias — em particular as redes sociais — como aquilo que realmente são: uma droga digital concebida por empresários sedentos de lucros, muitas vezes com o auxílio de psicólogos e especialistas comportamentais, que, conscientes do poder viciante do seu produto, não hesitam em explorá-lo.
É conhecido que figuras como Steve Jobs e Bill Gates não permitiam aos seus próprios filhos o uso de telemóveis ou de internet, e regulavam o seu próprio uso destas ferramentas com extremo cuidado.
Quando até os criadores e promotores destas tecnologias impõem limites severos ao seu uso, tanto para si como para os seus filhos, não nos diz isso que nós próprios deveremos aplicar pelo menos o mesmo grau de prudência e vigilância?
Enquanto católicos, isto deve interpelar-nos de modo ainda mais profundo. A desordem mental gerada por estas práticas enfraquece diretamente o uso da razão — e, portanto, torna mais difícil o exercício das virtudes. Uma mente fatigada, inquieta e superficial não terá facilidade em cultivar a oração mental, a meditação, ou sequer a atenção ao Santo Sacrifício da Missa.
Perigos para a vida social
No que toca aos perigos que estas tecnologias representam para a nossa vida social, devemos, antes de mais, recordar o seguinte: o homem não foi feito para estar constantemente em contacto com outros seres racionais.
Já dizia o autor da Imitação de Cristo, no século XV, que “tantas vezes quantas convivi com os homens, menos homem voltei.” Ora, se isto se aplicava ao convívio social dissipado do seu tempo, quanto mais se aplicará hoje, à dissipação desenfreada do uso das redes sociais?
S. Francisco de Sales, na Introdução à Vida Devota exorta os fiéis leigos a cultivar boas amizades e boas conversas, especificando o que são: conversas e amizades que conduzem diretamente a Deus, falando das Suas coisas, que nos ajudam, mesmo que indiretamente, a cumprir o nosso dever de estado, e por último, aquelas em que podemos exercer moderadamente a virtude da eutrapelia.
Tendo em conta o critério dado pelo Doutor que a Igreja nos deu para a espiritualidade dos leigos, não é possível afirmar que as redes sociais, nomeadamente, mas também o facto de estarmos hoje em dia perpetuamente “ligados”, possam ser boas para a nossa vida social, vida a qual deve estar sempre virada para Deus.
Muito pelo contrário: as redes sociais deformam e falsificam a noção de verdadeira vida social.
A vida social do católico deve consistir na comunicação com outras almas predispostas à graça divina — de modo que esse convívio produza frutos espirituais em ambos. A amizade cristã é aquela em que duas ou mais almas se ajudam mutuamente a crescer na vida espiritual, a cumprir os seus deveres com fidelidade, e a resistir ao mundo, ao demónio e à carne.
São João Bosco alertava: “Más conversações e más companhias são como pestes contagiosas.” Se a nossa vida social se basear nas redes sociais, então estaremos constantemente mal acompanhados — não por pessoas más, necessariamente, mas por uma cultura dominada pela vaidade, pela superficialidade e pela degradação moral.
Recordemos aquela verdade prática, tantas vezes esquecida: somos profundamente influenciados por aqueles que frequentamos. E do ponto de vista católico, temos o dever de sermos selectivos quanto às nossas companhias e ambientes. Ora, as redes sociais não permitem essa selectividade — somos expostos, quer queiramos quer não, a conteúdos, ideias, imagens e comentários que degradam a nossa alma.
Por isso, as redes sociais não só não servem como meio verdadeiro de amizade e convivência cristã, como, pelo seu conteúdo, forma e lógica viciantes, devem ser vistas como nocivas para a vida social que Deus deseja para nós.
Somos chamados à humildade, não a publicarmos fotografias de nós próprios em redes sociais para que outros nos vejam, como o fazem mulheres vaidosas e homens efeminados do mundo moderno, nem para passarmos horas sem fim a discutir com completos desconhecidos sobre tópicos os quais nós próprios também desconhecemos em grande parte, como fazem muitos tradicionalistas hoje em dia.
Somos chamados ao perfeito cumprimento do nosso dever de estado, e não a deixar tarefas incompletas ou mal feitas por estarmos distraídos com conversas no WhatsApp, vídeos irrelevantes ou notificações incessantes.
Somos chamados à mortificação e ao recolhimento, ao silêncio interior e exterior — e não a uma vida de constante distração, ansiedade e ruído, em que vivemos a correr atrás de “likes”, “comentários” e “notícias” que pouco ou nada nos edificam.
A vida social católica — feita presencialmente, em amizade verdadeira, oração partilhada e conversas elevadas — ajuda-nos a carregar as nossas cruzes com coragem e fé.
As redes sociais, pelo contrário, tornar-nos-ão tão levianos que acabaremos por esquecer a Cruz que Deus nos deu para carregar.
Perigos para a vida espiritual
O uso excessivo das redes sociais, da internet e dos telemóveis representa um perigo gravíssimo para a vida espiritual e interior do católico, especialmente num tempo em que o ruído e a dispersão dominam a existência humana.
A alma, criada por Deus e chamada à união com Ele, necessita de recolhimento, silêncio e disciplina — condições completamente incompatíveis com a agitação contínua e a estimulação incessante da vida digital moderna.
Já nos advertia a Imitação de Cristo: “Quanto mais te apartares das coisas exteriores, tanto mais te aproximarás das interiores.” (Livro II, cap. 1)
O coração do católico é chamado a viver centrado em Deus. Mas o uso constante dos meios digitais alimenta a dispersão mental, a superficialidade do pensamento e a busca constante por novidades — enfraquecendo a vida de oração, a capacidade de meditação, o recolhimento, e a seriedade na procura da salvação.
Quantos católicos hoje já não conseguem rezar um terço com atenção, fazer uma leitura espiritual sem distrações, ou sequer estar cinco minutos em adoração silenciosa diante do Santíssimo Sacramento?
Além disso, as redes sociais incentivam vícios diretamente contrários às virtudes cristãs:
- A vaidade, cultivada pela constante exposição da própria imagem;
- A inveja, fomentada pelas comparações com os outros;
- O juízo temerário, estimulado pelo anonimato e pela velocidade com que se formam opiniões e se emitem juízos.
Tudo isto corrói a caridade interior, a pureza das intenções, e a humildade.
“Quem ama verdadeiramente a Deus, cuida em evitar tudo o que O possa ofender.” – Santo Afonso Maria de Ligório
Ora, o tempo perdido inutilmente, a distracção voluntária e a exposição a conteúdos fúteis ou impróprios são faltas contra a vigilância espiritual que Nosso Senhor recomenda:
“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação.” (Mt 26, 41)
Outro risco gravíssimo é a perda do sentido do sacrifício. A vida espiritual exige esforço, perseverança e renúncia. Mas a cultura digital promove o imediatismo, a gratificação instantânea, e a fuga sistemática do sofrimento. Esta mentalidade dificulta a aceitação da cruz diária, e enfraquece a disposição interior para a mortificação, o jejum e a penitência.
“Para alcançar tudo, deves renunciar a tudo.” – São João da Cruz
Hoje, o apego dominante na vida de muitos — mesmo entre os tradicionalistas — é o telemóvel e as redes sociais. Por isso, é precisamente aí que deve começar o trabalho de mortificação. A alma que vive mergulhada em ecrãs, notificações e ruído constante torna-se surda à voz de Deus. Deus fala no silêncio, na quietude, no recolhimento profundo.
“A oração é um trato de amizade com Aquele que sabemos que nos ama.” – Santa Teresa de Ávila
Mas a amizade exige esforço, tempo e intimidade. E todas essas exigências são minadas pelo uso excessivo das novas tecnologias, pelas distrações e pela perda do recolhimento.
Para concluir, citando Lorenzo Scupoli, no Combate Espiritual: “A outra coisa de que devemos defender o intelecto é a curiosidade, pois, quando o preenchemos com pensamentos nocivos, vãos e impertinentes, tornamo-lo incapaz de captar o que mais importa à nossa verdadeira mortificação e perfeição.”
Recomendações conceptuais e práticas
Para concluir, deixam-se algumas recomendações fundamentais que um católico deve ter em mente no uso das novas tecnologias — não apenas para o seu bem-estar físico, mas sobretudo para o bem-estar da sua alma.
1. Redes sociais
Começamos com o mais grave: as redes sociais. Como dizem os sacerdotes da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, em St. Mary’s, Kansas, o melhor uso que se pode dar às redes sociais é não as ter de todo.(1)
Um católico consciente da sua dignidade de filho de Deus, independentemente do seu estado de vida, deve evitar as redes sociais. Elas são um antro de vaidade, leviandade e degeneração, inteiramente contrárias ao espírito de Cristo no Evangelho. Se Tomás de Kempis, São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila já advertiam contra o ruído do mundo no seu tempo, quanto mais não será necessário hoje abandonar pelo menos o ruído digital.
Salvo raras exceções de necessidade objetiva (profissional, nomeadamente), não há justificação moral para o uso pessoal de redes sociais.
2. Telemóveis
Quanto aos telemóveis, a realidade é simples: para a maioria das pessoas, ter um smartphone é uma superfluidade desnecessária.
Devemos, diante de Deus, ponderar seriamente os vícios, pecados e imperfeições a que esta posse nos expõe — e questionar se, de facto, precisamos mesmo dele. Caso não precisemos — ou se o uso está desproporcionado em relação à nossa vida de oração, recolhimento e dever de estado — então devemos renunciar ao seu uso.
Os padres da FSSPX sugerem, e com razão, o seguinte: voltemos aos telemóveis simples, de antes da era dos ecrãs tácteis. Um telemóvel deve permitir chamadas e mensagens, capacidade de navegação, e pouco mais.(2)
3. Uso da Internet
Quanto ao uso da internet, sugerem-se três princípios simples, mas eficazes:
- Evitar o uso contínuo: Devemos criar blocos largos de tempo ao longo do dia em que não estamos ligados — especialmente de manhã e à noite. (3)
- Regulação ativa: Devemos controlar o modo como usamos a internet — bloquear anúncios, filtrar conteúdos, e estabelecer limites horários e funcionais.
- Intencionalidade no uso: Sempre que possível, devemos perguntar-nos antes de usar: “Para que fim vou agora aceder à internet?”
Se for para um objetivo legítimo (trabalho, estudo, comunicação necessária, ou lazer moderado), que se faça. Mas se for por curiosidade, vaidade ou fuga do recolhimento, devemos abster-nos.
Para terminar, deixa-se uma sugestão clara e concreta: Que ao longo de qualquer dia, passemos mais tempo em oração do que com o telemóvel.(4)
Se pusermos isto em prática — mesmo de forma imperfeita — já teremos iniciado um verdadeiro caminho de reforma interior, de progressão espiritual, e de santificação.
Stat Crux dum volvitur orbis
Notas:
(1) É recomendada a visualização e audição da série Digital Dangers, podcast da SSPX – USA (disponível no YouTube).
(2) Lightphone, Nokia 2660, Nokia 6300, Wisephone, etc. (procurar dumbphones)
(3) A recomendação, quer do ponto de vista espiritual, quer do ponto de vista psicológico-neurológico, será a de evitar os ecrãs e a internet durante as primeiras duas horas depois de acordar, e as últimas duas horas antes de se deitar (uma hora em cada um dos casos, embora não seja ideal, funcionará apropriadamente).
(4) Concretizando: se rezarmos 1 hora, poderemos permitir-nos 1 hora de lazer digital, e se rezarmos 1h30, poderemos permitir-nos 1h30 de lazer digital. Este « jogo » deverá servir de dois ângulos – obrigando-nos a diminuir as horas de contacto digital, e incentivando a um aumento do tempo passado em oração.
Bibliografia:
Digital Safety Guide (2024) Angelus Press
Newport, Cal (2020) Penguin Books
Imitação de Cristo – Tomás à Kempis
Introdução à Vida Devota – S. Francisco de Sales
Combate Espiritual – Lorenzo Scupoli
Alma de Todo o Apostolado – D. João Baptista Chautard