Para entendermos que é Deus quem nos envia, para nosso bem, as tentações, devemo-nos lembrar que o homem, devido à má inclinação de sua natureza corrompida, é soberbo, ambicioso e sempre se presume valer mais do que realmente vale.
Esta estima é a tal ponto perigosa para o proveito espiritual, que bastam leves resquícios desta presunção para que fiquemos impossibilitados de atingir a perfeição.
Por isso, Deus, com sua amorosa Vigilância por cada um dos homens, e, muito especialmente, por aqueles que estão ao seu serviço, cuida de por a alma em estado que a salve do perigo e, quase que forçados, façamos justo conceito de nós mesmos.
Assim Deus fez ao apóstolo São Pedro, permitindo que ele o negasse, afim de que se conhecesse a si próprio e não confiasse em si. E ao apóstolo São Paulo, após o levar ao terceiro céu e patentear-lhe os segredos divinos, enviou-lhe duras tentações, afim de que ele conhecesse sua fraqueza natural e se humilhasse, gloriando-se unicamente de suas enfermidades, e para que a grandeza das revelações que Deus lhe fizera não lhe abrisse caminho à presunção. De tudo isto, o próprio São Paulo dá testemunho.
Deus se apieda de nossas misérias e más inclinações e permite que sejamos tentados de muitas maneiras e às vezes de um modo terrível, para que nos humilhemos e saibamos verdadeiramente quem somos.
A nós, porem, muitas vezes parece que sejam inúteis e prejudiciais aquelas tentações. Mas Deus assim procedendo, mostra a sua bondade e sabedoria, pois, com aquilo que a nós nos parece mais nocivo, mais ele se alegra, para que mais nos venhamos a humilhar. E é de humildade que mais carece nossa alma.
Ocorrerá todavia, amiúde, que o servo de Deus, preocupado com sua aridez de espirito, com sua tamanha frieza na oração e com os maus pensamentos que lhe acodem à mente, pense que isto lhe advenha devido às suas imperfeições, e que, ninguém haja que sirva a Deus com, maior tibieza, e tantos defeitos tenha como ele. Pensará também, talvez,que tais tentações só ocorram às almas que Deus abandonou. E que, portanto, também ele, merece ser abandonado por Deus.
E assim, quem se pensava, antes, valer alguma causa, agora, curado de sua doença por este amargo remédio que o céu lhe enviou, vê que ele é o pior dos homens, indigno até do nome de cristão. Jamais, porem, havia de fazer de si este conceito, se não tivesse sofrido aquelas grandes tribulações e aquelas tentações extraordinárias.
Grande graça faz Deus às almas Que se entregaram às suas mãos, em as tratando como lhe apraz e dando-lhes aqueles remédios que ele, e somente ele sabe serem úteis e necessários para o bem daquelas almas. Alem deste bom efeito ainda há outros, que as tentações e provações produzem na alma. Pois, a braços com a tribulação, o homem se vê obrigado a recorrer a Deus e procura viver bem, para se livrar daqueles sofrimentos.
Com mesmo intuito ele examina seu coração, foge do pecado e de tudo o que é imperfeição ou o afasta de Deus. E assim o homem vê a provação que lhe é de grande utilidade. Julgava-se nociva e vê agora que lhe serve para aproximar-se de Deus com maior fervor e afastar-se de tudo quanto não parece conforme à vontade divina. Todas estas tribulações, todas estas fadigas e esforços. não passam de um amoroso purgatório, se suportarmos tudo com paciência e humildade. E ainda estes sofrimentos nos darão no céu, aquela gloriosa corôa que só com o sofrimento se adquire. Tanto mais gloriosa ela há de ser quanto maiores tiverem sido as tribulações.
Como erramos, então em nos afligirmos com estas provações. As pessoas inexperientes logo atribuem aos seus pecados e imperfeições ou ao demônio aquilo que é o próprio Deus quem lhe envia. Tomam como sinal de ódio o que é sinal de amor. Tomam como frutos de um coração irado, as carícias e os favores divinos.
Imaginam então, que é baldado e sem mérito, tudo quanto fazem e que o seu estado não tem mais remédio. É preciso que as almas façam um justo conceito da realidade e tenham a certeza de que, se bem se aproveitam das ocasiões, estão em excelente estado.
Todos estes sofrimentos são mais uma prova da amorosa providência que Deus tem por nós. Se as almas soubessem bem de tudo isso, não se inquietariam nem perderiam a paz, por se verem cercadas de tentações e imagens perversas, ou por se sentirem áridas e frias na oração e nos outros exercícios. Prosseguiriam serenas e perseverantes, humilhar-se-iam perante o Senhor e fariam novo proposito de cumprir, em tudo e por tudo a vontade que o Senhor quisesse. Além disso, esforçar-se-iam por conservar sempre a paz e a tranquilidade, tudo aceitando do Pai celeste, pois de Deus provem o cálice de amargura que, às vezes, nos é oferecido a beber. Mas, sejam moléstias, tentações dos homens ou do demônio, ou sejam teus pecados, qualquer causa que seja o que te aflige, é sempre Deus que te envia,embora o faça de várias maneiras, consoante mais lhe apraza. É Deus que te envia esta provação, embora só repares na sua parte má, por exemplo, quando teu próximo te causa um desgosto ou te ofende.
Deus, porém, se serve disto para teu benefício. Em vez de te afligires com isto e te contrariares, deves ao contrário, agradecer ao Senhor, com grande alegria fazendo ó que podes, com perseverança e resolução, sem perder tempo em lamúrias. Com isto, obterás os grandes méritos que Deus quer que adquiras com a ocasião que ele te oferece.
O Combate Espiritual e o Caminho do Paraíso – D. Lourenço Scupoli