Jesus: Ouve, filho, as minhas palavras, palavras suavíssimas que excedem toda a ciência dos filósofos e sábios deste mundo. As minhas palavras são espírito e vida (Jo 6,64), e não se devem interpretar humanamente. Não devem ser abusadas para vã complacência, mas devem ser ouvidas em silêncio e recebidas com máxima humildade e grande afeto.
A alma: E disse eu: Bem-aventurado o homem a quem instruís, Senhor, e lhe ensinais a vossa lei, para suavizar-lhe os dias maus e dar-lhe consolo neste mundo (Sl 93, 12.13).
Jesus: Eu, diz o Senhor, desde o princípio ensinei aos profetas e ainda agora não cesso de falar a todos; mas muitos são insensíveis e surdos à minha voz. A muitos agrada mais a voz do mundo que a de Deus; mais facilmente seguem os apetites da carne que o preceito divino. O mundo promete apenas coisas temporais e mesquinhas e é servido com grande ardor; eu prometo bens sublimes e eternos, e só encontro frieza nos corações dos mortais. Quem há que me sirva e obedeça em tudo com tanto empenho como se serve ao mundo e aos seus senhores? Envergonha-te, Sidon, diz o mar (Is 23, 4). E se queres saber por que, ouve o motivo: Por um pequeno salário se empreendem grandes viagens, e pela vida eterna muitos nem dão um passo sequer. Busca-se o lucro vil; por um vintém, às vezes, há torpes brigas; por uma ninharia e promessa mesquinha não se teme a fadiga, nem de dia, nem de noite.
Mas que vergonha! Pelo bem imutável, pelo prêmio inestimável, para honra suprema e pela glória sem fim, o menor esforço nos cansa. Envergonha-te, pois, servo preguiçoso e murmurador, por serem os mundanos mais solícitos para a perdição que tu para a salvação. Procuram eles com mais gosto a vaidade que tu a verdade. Entretanto, não raro, sua esperança os engana; mas minha promessa a ninguém falta, nem despede com as mãos vazias ao que em mim confia. Darei o que prometi, cumprirei o que disse, contanto que se persevere fiel no meu amor até ao fim. Eu sou quem remunera todos os bons e sujeita a provas duras todos os devotos.
Grava minhas palavras em teu coração e medita-as atentamente, porque te serão muito necessárias na hora da tentação. Coisas que agora não entendes quando lês, entenderás quando eu te visitar. De dois modos costumo visitar meus eleitos: pela tentação e pela consolação. E duas lições lhes dou cada dia: numa repreendo-lhes os vícios e noutra exorto-os ao progresso na virtude. Quem ouve a minha palavra e a despreza, por ela será julgado no último dia.
Oração para implorar a graça da devoção: A alma: Meu Senhor e meu Deus! Vós sois todo o meu bem. E quem sou eu para me atrever a falar-vos? Eu sou vosso paupérrimo servo, um vil vermezinho, muito mais pobre e desprezível do que sei e ouso dizer. Lembrai-vos, Senhor, de que sois bom, justo e santo; vós tudo podeis, tudo dais, tudo encheis, e só ao pecador deixais vazio. Lembrai-vos de vossas misericórdias (Sl 24,6) e enchei meu coração com a vossa graça, pois não quereis que sejam infrutuosas vossas obras.
Como poderei eu, nesta miserável vida, suportar-me a mim mesmo, se não me confortar vossa graça e misericórdia? Não desvieis de mim a vossa face, não demoreis a vossa visita, não me tireis o vosso consolo, para que não fique a minha alma diante de vós qual terra sem água (Sl 142, 6). Ensinai-me, Senhor, a fazer vossa vontade (Sl 142, 10), ensinai-me a andar em vossa presença, digna e humildemente; pois vós sois minha sabedoria, que em verdade me conheceis antes de ser feito o mundo, e antes de eu nascer na terra.
Imitação de Cristo – Tomás de Kempis