COMO EDUCAR A CRIANÇA COLÉRICA?

criCada temperamento tem seus aspectos positivos e negativos. Ser pronto nas reações, sobretudo quando a segurança, a independência, os gostos profundos são feridos, é positivo, desde que o homem tenha sido habituado a servir-se de seus dons com moderação.

A cólera é um elemento de defesa, que Ribot liga ao instinto de conservação: toma a ofensiva contra ameaças. Ai dos homens, quando não sabem mais indignar-se! Ai dos que perderam a capcidade de encolerizar-se em face das injustiças, das violências, das tiranias! Ai dos que se desfibram, se acomodam, se submetem ao injusto, ao criminosos!

Desgraçada educação, a que pretendesse tirar às crianças a reação ante o mal, a capacidade de encolerizar-se ante a violação do direito e da moral.

A cólera é, às vezes, a única forma de defesa. Em face de um “perigo”, a criança que não sabe ainda falar se manifesta pela cólera: grita, chora, estrebucha para não ir com pessoa estranha, para rejeitar o que não lhe apetece, ou para se livrar do que lhe mete medo.

O seu mal são os excessos: na forma, na freqüência, na duração.

Infantilismo

Os que, não sendo crianças ainda se encolerizam com facilidade, chorando, gritando, esperneando, batendo-se, mordendo-se, quebrando objetos, fazendo “cenas”, horrorizando a família e perturbando os vizinhos, podem ter outras causas de sua cólera, mas a primeira impressão que deixam é de infantilismo: apesar da idade, do tamanho e do resto, conservam reações infantis. Têm atitudes de crianças.

Dão com isto palpável demonstração de fraqueza moral. Intelectualmente, quando lhes faltam argumentos ns discussões, exasperam-se e gritam, procurando no excesso de voz o que lhes falta em razões. Se algo desejam e não alcançam, rebentam em explosões, para o conseguirem.

Há outras causas

Supõe-se sempre a predisposição para a cólera, a fim de que as causas que apontaremos  produzam os seus acessos.

Saúde

As hepatites, as colites, mau funcionamento do sistema digestivo e eliminatório, como também a fadiga e, ainda mais, o esgotamento inclinam os coléricos a suas crises. Juntemo-lhes as nevropatias, histerias e as predisposições epileptóides, cada qual mais séria.

Essas descargas furiosas – Sêneca as comparou com uma loucura passageira – obedecem às vezes a uma freqüência cíclica, aparecendo ou intensificando-se em épocas certas.

A pessoa se apresenta então mais agitada, loquaz, instável, passando rapidamente de alegria à zanga, inspirando cautelas porque a família sabe que está “nos seus azeites”.

Emotividade

Há crianças (e adultos) demasiado sensíveis a impressões em si completamente inofensivas. Não compreendem (não podem ou não querem compreender?) que sejam castigadas sozinhas: por que elas e as outras não? E não aceitam que só elas cometeram a falta. Ou “estouram” porque a mãe as manda deixar os brinquedos, porque é hora de estudar, almoçar, ou dormir.

Outras se mostram hipersensíveis ao que lhes pareça humilhação: zombarias, brincadeiras impertinentes, etc., sobretudo partidas de pessoas que lhes são antipáticas. Contrariadas (ninguém percebe por quê), explodem!

Nem sempre essa emotividade é propriamente mórbida, mas acionada pelos freqüentes acessos de cólera, e, cultivada pelo sujeito, assume aspecto de morbidez.

Angústias

Os que vão recalcando decepções, desgostos, frustrações podem chegar a um estado de saturação, no qual terão maior facilidade de rebentar em cóleras.

Vítimas de injustiças repetidas e ostensivas, fraudadas em tantas promessas  que lhes fizeram e não cumpriram, entram algumas crianças em angústias terríveis –  as demonstram em acessos de cólera, que nem sempre atingem diretamente aqueles que elas desejariam atingir.

Caráter

A cólera pode ser usada (como todas as armas) corajosa ou covardemente, em combate franco ou astucioso.

A criança (ou não-criança…) deseja dizer ou fazer certas coisas, e não tem a devida coragem, em estado normal; mas no “acesso” diz e faz, realizando-se, satisfazendo-se. É simples manifestação de fraqueza. Como quem bebe para ter coragem… Outras vezes, é astúcia: por meio de suas cenas de cólera consegue o que de outro modo não conseguiria.

Erro de educação

Nem queremos extirpar a cólera (para não formar desfibrados), nem permitiremos que ela própria forme infantilizados. É isto, porém, que muitos pais não percebem, embora a criança perceba…

Com suas cenas de cólera, ela alcança o que deseja da mãe, dos irmãos, das empregadas. Basta-lhe, às vezes, uma simples demora em ser atendida. Foi assim desde pequenina. Habituou-se. Gostou. É a sua arma definitiva, o seu “abre-te, Sésamo“.

Nunca lhe resistiram, nem procuraram corrigi-la. Garantida pelo erro dos educadores, foi-se firmando. Tornou-se hábito. A emotividade supersensível e cultivada, agrava-se em repetidas crises, confinando com a histeria. E hoje, escolar ou adolescente, eis aí o colérico!

Como curá-lo?

Fazemos indicações genéricas, mas lembramos que cada caso exige terapia especial.

No terreno somático

Se o caso é de saúde, cuidemos dela:

– alimentação conveniente, exercício físico, ar livre, boa aeração em casa;
– trabalho moderado, para evitar fadiga e esgotamento; repouso suficiente, sono regular com hora certa para deitar e levantar;
– ambiente calmo, evitando-se tudo o que possa excitar
– e, quando necessário, o médico e os remédios.

Manter a calma

grande remédio é a calma do educador. Pequenina que seja, a criança “entende” a nossa serenidade, e não se autoriza com a nossa irritação. Mantendo a serenidade, pode o educador observar bem a criança e refletir nas medidas a tomar, conforme o caso.

Irritando-se, ensina o que deve corrigir, impossibilita o entendimento, perde a autoridade e, às vezes, também a medida.

E a energia

Seja essa calma plena de energia.

– Deixe a criança fazer a sua cena, até cansar-se e…repousar por si.

– Mostre-se desinteressada – realmente desinteressada, não fingidamente. A indiferença é indicadíssima. Quando a criança vê que nem a olham, nem procuram saber se já se acalmou, entrega-se com facilidade.

– Não ceda. Cedendo, a criança percebe que este é o caminho para vencer. Não cedendo, ela compreende que não vale a pena… Seja paciente, mas inflexível: não ceda! É preciso que a criança compreenda que não é este o caminho a alcançar o que deseja. Mesmo que seu desejo seja razoável, se o modo é a explosão de cólera, – mais uma vez – não ceda!

Esperar a crise passar

Não adiantam conselhos, carinhos, promessas, argumentos, durante a crise. No estado em que se encontra, a criança perde a capacidade de compreender. As maneiras comuns de denominar esses momentos são muito expressivas: “Louco de raiva“, “Feito louco“, etc. Se lhe formos falar com carinhos, pensa que a tememos; se com conselhos, acendem-se ainda mais; se com promessas, crêem próximas a vitória; se com rigor, pomos lenha à fogueira.

Depois, bem depois, tudo calmo e… esquecido, então fale: argumente, aconselhe, mostre que assim, longe de conseguir, dificulta os desejos.

Não temer o colérico

É preciso mostrar que não teme as crises de cólera. Não as provoque o educador, mas não as tema.

Não as provoque:
– não negue sem causa o que a criança deseja: é errado negar agora, e ceder depois, porque ela insistiu ou ameaçou “cena”;
– não exija o que não é necessário: a autoridade deve poupar-se, e poupar a submissão infantil.

Não as tema:
– além da indiferença quando o acesso for manso;
– use energia, quando a criança se põe a destruir seja o que for;
– prive-a do que ela destruiu (se isso não lhe faz falta essencial), ou a faça pagar de sua mesada;
– castigue-a, quando ela bater em alguém, nas crises.

Quando estas forem “estudadas”, enfrente-as:
– se são armadas pela fraqueza, logo cedem;
– se são preparadas pela astúcia, batem em retirada.

Evitar as crises

Procure evitar as crises. Observe as circunstâncias em que elas costumam aparecer. E procure, então, com maior cuidado, afastar o que as deflagra: brincadeiras, zombarias, desagrados…

O domínio de si

Toda a educação é encaminhada para dar ao educando o domínio de si: ou não é educação. Desde pequenina, seja a criança orientada para o governo de suas forças inferiores, para o domínio da vontade sobre os impulsos, para o exercício da paciência, para a aceitação das demoras, recusas e privações, para o controle de reações muito vivas, para saber dizer “não” aos estímulos anti-sociais, para a compreensão de medidas desagradáveis.

Nós que cremos em Deus, que temos as lições da Sagrada Escritura, e sobretudo nós cristãos não temamos apelar para o espírito de mortificação, ensinado por Cristo como necessário a seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”.(Mt. 16,24), praticado e inculcado por São Paulo – “Castigo o meu corpo e o reduzo à servidão, para que não venha a ser condenado eu que preguei aos outros“. (I Cor 9,27) – encarecido em mil passos dos Livros Santos.

Será proveitoso lembrar que o espírito de sacrifício se ensina às crianças, mas não se lhes impõe. Impô-lo é vê-lo rejeitado e abominado. Mas sugeri-lo e formá-lo é indispensável ao educador cristão.

A educação não pretende eliminar os impulsos, apagar os instintos, extinguir as energias naturais. Ela não quer fazer insensíveis e abúlicos. Pelo contrário: quer formar homens, homens de verdade, que vivem no esplendor de suas energias, mas sabem hierarquizá-las, submetendo-as à vontade esclarecida e enérgica. 

O homem verdadeiro sente os seus impulsos, mas sabe dominá-los.
Isto se ensina às crianças, de modo prático e vital; não se lhes impõe.

Enganam-se os que pensam ser possível, por golpes de força, “quebrar a castanha” das crianças “emproadas”. É mais fácil quebrar toda a personalidade, fazendo um desafibrado. Ou fazer canalizar noutra direção as energias barradas, levando o educando a caminhos indesejados.

Na verdade, o educando é que se deve dominar. E o trabalho dos educadores é ajudá-lo nesta tarefa essencial da formação. 

No caso em questão, importa conter as explosões de coléra, e não as reações em face do que é injusto, imoral, agressivo. A capacidade de encolerizar-se fica, sendo, porém, moderada, civilizada, canalizada por modos e para fins construtivos. Todos sabem que os temperamentos ditos coléricos são ricos de energia, solidez, tenacidade, e que, bem educados, dão execelentes empreendedores e líderes.

Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte