Agir é necessidade biológica da criança. Corpo e mente não se lhe desenvolvem sem movimento. Sua vitalidade é sinônimo de atividade, se é criança normal. Sendo exuberante chega a parecer-nos excessiva sua movimentação.
O trabalho é natural e agradável a todo homem sadio, especialmente à criança sadia. A ociosidade lhe é insuportável. Para a criança não há maior castigo que a imobilidade.
O trabalho é necessário em todos os domínios – físico, intelectual ou moral – sem falarmos da luta pela subsistência. A própria é vida é incessante atividade: no corpo, a respiração, a circulação do sangue e a digestão, sem as quais morreremos; na mente, sentir, comparar e julgar.
O que torna os homens infelizes é a fadiga excessiva, a ausência de êxito, a falta de correspondência entre o esforço e o indispensável à vida, a obrigação de realizar tarefas por que não sentimos gosto, a impossibilidade de realizar o que nos agrada, a associação da obra a idéias odiosas. Só por isto o vulgo execra o trabalho e faz do ócio um ideal… Mas o trabalho em si é fonte de alegria, pois realiza o homem, que, como diz Jó, “foi feito para trabalhar como a ave para voar” (5,7).
Haverá criança preguiçosa?
A criança “parada” dá logo idéia de doente. Ociosidade e infância normalmente se excluem. Tamanha é a necessidade de ação da criança que médicos e pedagogos perguntam se as haverá preguiçosas – ou se não serão doentes (físicas, mentais ou psicológicas) as assim chamadas.
É precipitação acusar de preguiça a que não foi devidamente examinada pelo médico e pelo psicólogo. Aliás, julgamos as crianças mais pelo que desejávamos que elas fossem do que pelo que realmente são. Assim, chamamos preguiçoso o meninoque não quer fazer o que lhe impomos, medindo-o pelos nossos gostos, e não pelos seus. Se ele não trabalha:
– não faz o que lhe mandamos;
– “não cumpre os seus deveres”;
– “só quer brincar e comer” (sic);
– fica com o livro na mão, mas com o pensamento longe;
– só faz alguma coisa em nossa presença mas folga quando damos as costas;
– fica remanchando;
– irrita-se tão logo se lhe fala em trabalhar;
– é de tal moleza que dorme em pé;
– brinca o dia todo e, mal pega no trabalho, se queixa de cansado ou de dor de cabeça;
– só trabalha quando lhe “dá na veneta”…
É ou não preguiçoso? Pode ser que seja, mas também pode ser que não seja… Mais facilmente o chamarei doente, pois são de doença todos os seus sintomas. Nada, contudo, direi com certeza antes que o médico e o pedagogo tenham procurado as causas de suas atitudes. Essa criança procederá por defeitos de saúde física, distúrbios psicopáticos, desajustamento social, muito mais freqüentemente do que por preguiça.
É o que iremos ver.
Saúde física
Sendo a preguiça antinatural, se a criança recusa trabalhar há de ser por causa muito séria.
– Aquela criança mole, que dorme em pé, é talvez hipotiroidiana. Esta insuficiência glandular explica também as dores de cabeça e o cansaço de que ela se queixa.
– Ainda mais sérios se tornam esses sintomas, quando provocados por mau funcionamento da supra-renal: as fadigas são mais profundas, e a criança, perdendo a vivacidade, se torna astênica.
– Pergunte ao médico que transtornos podem causar as vegetações adenóides, as amígdalas inflamadas, o desvio do septo, as deformações torácicas… Ouça o homem da ciência, e então zombará menos das dores de cabeça e do cansaço de que se queixa o “preguiçoso”.
– Toda mãe de família sabe de que é capaz o mau funcionamento do aparelho digestivo. Sendo habitual, causará enormes transtornos na sua vítima.
– Se, em lugar de médico e remédio, cuidados e carinhos, dermos a essas crianças castigos e xingações, só lhes faremos aumentar os males, agravando com desgosto e humilhações as suas deficiências.
– Pais que se negam a reconhecer as fáceis fadigas dos filhos são muitas vezes responsáveis por elas. Deixam-nos a brincar até 9 e 10 horas da noite, ou – muito pior – nos excitantes programas de rádio e TV até mais tarde ainda. As crianças não repousam suficientemente, entram em déficit nervoso, tornando-se forçosamente “preguiçosas”, isto é, incapazes para o trabalho, agitadas, irritadas, instáveis, sem ânimo para levar a termo as tarefas escolares. Em vez de descontentar-se com o filho, devem esses pais desgostar-se de si mesmos e procurar emendar-se.
Saúde mental
Numerosas perturbações psíquicas e psicológicas determinam também atitudes errôneamente denominadas de preguiça. Mais grave em si e por suas conseqüências, são essas perturbações mais perigosas que as somáticas, pois não ficam tão facilmente à vista e se ocultam à maioria dos pais.
Apontemos algumas delas.
Protesto
1) Sentindo-se maltratadas pelos pais (com razão? Tanto pior; sem razão? Antes assim, mas a causa existe subjetivamente), as crianças reagem de maneiras muito diversas.
Contra exigências demasiadas, abusos de autoridade, métodos errados de educação, imposições indébitas, repreensões injustas na essência ou na forma, elas manifestam o seu protesto, às vezes, sob a forma de “preguiça”.
– Umas, extrovertidas, gritam as suas razões.
– Outras cruzam os braços silenciosamente e gozam os efeitos de sua greve.
– Às vezes, umas e outras agem inconscientemente, e, tanto não é preguiça que, com outras pessoas e noutro ambiente, trabalham bem.
Mas, na verdade, não fazem o que lhes mandamos; ou escolhem os trabalhos que lhe agradam e deixam os outros; ou não fazem como queremos. Acontece baixarem repetidamente o rendimento, que era antes satisfatório.
Essa inércia ou resistência passiva é tão natural que os simples animais a manifestam. Cansado ou maltratado, o cavalo estaca e ninguém o demove. Alguns insetos, sentindo-se bloqueados, fingem de mortos!
Incapaz de resistir de outra maneira, a criança, inconsciente ou voluntariamente, procede assim. É a defesa dos mais fracos. A sua atitude, conforme a força dos motivos, pode ser de mera defesa, de claro protesto ou de aberta vingança. Irritados ou desconhecedores desse sutil mecanismo interior, taxam-na muitos de preguiça. A criança sabe que é defesa, protesto ou vingança. Os psicólogos, conciliatórios, dizem: “preguiça” de defesa, ou de protesto, ou de vingança.
2) Em qualquer de seus graus e manifestações, o primeiro cuidado é discernir as causas.
– Não são os educadores daquelas crianças, os mais indicados para isto. O mais das vezes, é inconsciente o seu procedimento, para com o educando. Por temperamento, formação ou sistema, são duros, e não percebem seus excessos. A própria família pode apontar-lhes o que devem corrigir.
– Nem sempre será tão fácil o tratamento: não se atinou com as causas. Ou não se descobriu se o protesto é ou não inconsciente. Como proceder? Só o exame do caso pelo psicólogo o poderá dizer.
– Descobertas as causas do conflito interior da criança, resta removê-las, modificando o adulto culpado o seu procedimento, – o que basta para modificar a criança – ou retirando da mente desta a causa subjetiva, para que se restabeleça a harmonia e funcionem calmamente os instintos sociais.
Retardamento afetivo
1 – A psicologia profunda faz pasmar quem a desconhece, e chega a irritar os mais primários. Foi o que aconteceu a certo amigo meu, bom advogado, mas retrógrado em pedagogia. O filho, escolar relapso aos onze anos, guloso como um bebê de dois, amigo do sono, comodista a valer, com horror a tudo que o tire de seus hábitos, que vive a criticar o trabalho alheio, e nada, no entanto procura fazer, é, para ele, habituado a citar Lombroso nas tiradas oratórias do foro, o tipo do preguiçoso-nato…
Riu, sincero e descrente, quando eu lhe disse que considerava o menor um retardado afetivo. Expliquei-lhe que essa demasiada afeição à mesa era infantilismo, como também o eram o gosto ao sono, o medo a novidades (a insegurança pueril prefere o que é habitual) a tendência a criticar sem propor soluções (por incapacidade) e a ausência de ação retificadora – porque o infantilizado tem horror a dar de si (esgotismo) e tudo quer receber dos outros.
Achou a explicação “muito engenhosa” e lhe admirou ver como era possível eu “passar a mão pela cabeça de um preguiçosão daquela marca”, e quantos outros desacertos!
– Já outros pequenos fingem de doentes para fugir ao trabalho. E sabem ser maneirosos e amáveis para despertar penas, receber carinhos e ser tratados como bebês.
2 – Verificada a diferença entre estes casos e o retardamento glandular ou mental, o educador procurará:
– levantar o nível afetivo de seu pupilo;
– remover o que lhe detém o desenvolvimento normal;
– encorajá-lo por tarefas gradativamente ascendentes;
– despertar-lhe o gosto do esforço, a satisfação do êxito do seu trabalho;
– estugar-lhe o passo para que vença o atraso e se ponha em tudo na linha da sua idade.
Desinteresse
1 – Sendo o trabalho atividade tão natural, impressionam desagradavelmente as pessoas que “não gostam de trabalhar”. Tão estranhas realmente, antes deveriam merecer-nos penas, como doentes, do que desprezo, como preguiçosos. De fato, essa inércia psíquica que não encontra prazer no trabalho, nem quando este alcança o seu fim, só pode ser mórbida, pois não é natural.
– Outro é o caso da chamada “preguiça” eletiva, que escolhe as atividades que lhe agradam, e das outras foge.
– Em ambos os casos, o adulto reagirá por amor de Deus, por cumprimento do dever, por brio ou necessidade; mas quem está ainda em formação, compreende-se que fuja do que lhe não lhe apraz.
2 – Ao educador, contudo, cabe curar o inerte e corrigir o outro. Não comece, porém, apelando para os altos motivos acima indicados, porque para os pequenos um motivo é tanto menos eficiente quanto mais elevado. Ele compreende melhor os mais imediatos, e se deixa mais facilmente atrair por eles.
– Não o podemos deixar só com o que lhe agrada, mas não devemos privá-lo de suas ocupações favoritas. A estas misturaremos gradativamente as outras, ao mesmo passo em que, por meios adequados, lhe infundiremos o gosto do trabalho e o amor ao dever. Obrigá-lo por força esgota a vigilância do educador (em cuja ausência o trabalho cessa), e não move a vontade nem a atenção. Impor-lhe o que lhe desagrada é fixar a idiosincrasia, antes agravando que corrigindo o mal.
Corrija o seu filho –