Esse homem metido em si mesmo, voltado para suas preocupações e seus interesses, sem ressonâncias para as necessidades ou alegrias do próximo, incapaz de enxugar a lágrima de quem sofre, insensível à fome dos miseráveis, às angústias do aflito e ao frio dos esfarrapados, esse homem que só pensa nos outros na medida em que eles lhe podem ajudar à riqueza ou à fama, e que os larga quando já não tem mais o que lhe dar (como quem joga fora o bagaço da laranja que chupou), esse que só pensa em si, só tem para si – é o egoísta.
Também ele é infantilizado: não ultrapassou o nível da criança. Não se integrou na convivência humana. Seus horizontes fecham-se sobre si mesmo, estreitos e sufocantes. Seus olhos só vêem o chão em que pisa, numa infeliz miopia que não enxerga caminhos alheios.
Sua capacidade de sentir o que não é seu atinge a selvagens endurecimentos que negam a própria natureza – como a jovem que chega da cidade, senta-se, queixa-se do calor e pede um copo de água à velha mãe que labuta na casa e na cozinha desde as 6 da manhã!
Furtado pela natureza e vítima de má educação, ele diminui a própria capacidade de viver e extingue uma copiosa fonte de felicidade, desconhecendo a vida de seus irmãos e não os ajudando a ser felizes. Em torno de si espalha o desprezo e a aversão.
Criança e jovem
A criancinha precisa de cuidar de si, de apegar-se ao que lhe é necessário, defender-se dos elementos estranhos, a fim de poder desenvolver-se. Ela obedece ao instinto que o Criador lhe deu para orientar-se até que a natureza humana sobrepuje essas manifestações inferiores. É nessa idade que ela desconhece quaisquer direitos alheios, inclusive o de propriedade, como depois veremos.
Na medida em que vai deixando de ser criança, vai também perdendo o egotismo. Vai descobrindo os outros. Estendendo o olhar para fora e ampliando o horizonte. Interessando-se pelos irmãos e colegas. Aos poucos, e se a educação a ajuda.
Na adolescência, as preocupações sociais brotam com vigor realmente humano. O adolescente, se não é mal servido de constituição nem infantilizado pela má educação, volta-se para os outros. Sai dos limitados círculos da família, dos companheiros de jogos e dos colegas da escola, e abre-se para a sociedade.
Mas não se desliga de um golpe da fase anterior. E apresenta contradições, oscilando entre rasgos de generosidade e manifestações de egoísmo. Mais se interessa pelos problemas de fora e de longe mais que pelos da família ou da vizinhança. Não será muito capaz de iniciativas pessoais, mas se integrará com gosto nos grupos de ação. Nesta idade, mais do que na infância, reclama compreensão.
Influência dos pais
Pode, porém, acontecer que não evoluam normalmente, os sentimentos da criança, e ela passe do egotismo ao egoísmo. É uma tendência má, como qualquer outra, e pode ser corrigida ou agravada pela educação.
A influência do lar é de suma importância, aqui como nos mais setores da formação. Os filhos imitam insensivelmente os sentimentos dos pais. Aprendem o que se faz e se diz em casa, ao longo dos dias, despreocupadamente, sem a intenção formal dos conselhos (contra os quais se põem em guarda).
Se os pais se manifestam egoístas na presença das crianças, nas conversas, nos comentários aos fatos quotidianos, na maneira de encarar os negócios, no cultivo das amizades, nas atitudes políticas, no modo de tratar os empregados – os filhos absorvem suas lições adesivas e marcantes.
Podem até, sem esta intenção, ensinar indiretamente o egoísmo, quando satisfazem ao filho desejos que contrariam ou sobrecarregam a irmãos e empregados. Sim, porque ninguém pode satisfazer-se à custa de direitos alheios.
Se, pelo contrário, são os pais caridosos, é na própria vida que dão às crianças a mais eficiente educação social, tornando-as, por sua vez, abertas sobre as necessidades do próximo e generosas em acudi-las. Resistem, ainda assim, certos germes de egoísmo. Mas esta é a melhor maneira de combatê-los.
Educação social
Escusemo-nos de justificar a necessidade da educação para o amor e a ajuda do próximo: a natureza mesma a reclama, as carências de nossos irmãos gritam-nos por ela, e a tendência dos tempos lhe dá relevo. Graças a Deus! A lição de Cristo clama por perene cumprimento: “Fazei aos homens o que quereis que eles vos façam” (Mt. 7,12), o que é maneira de cumprir o “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt. 19,19).
Indiquemos o modo de proceder na prática
Com os pequeninos
– Não atender com sofreguidão à criancinha;
– Habituá-la a ficar no berço;
– Não ceder quando, mais tarde, apareceram sinais de ciúmes,
– Não lhe provocar o egoísmo, quando lhe der alguma coisa:
“Isto é para você”; ou,
para conseguir obediência: “Coma, senão Fulano vem e come”.
Ensinar gentileza
Exercitemos a criança segundo sua capacidade:
– Fazê-la distribuir as balas e os doces com os irmãos, ficando ela por último;
– Ceder a passagem nas portas, etc;
– Ajudar os irmãos em seus trabalhos;
– Oferecer lugar no ônibus às pessoas de idade, doentes, etc;
– Atender sempre com bons modos e expressões delicadas, seja a quem for;
– Ser delicada e boa com os animais e até com as plantas.
Orientar para o próximo
Não se contente em ensinar que não temos o direito de exigir que os outros nos sirvam, e que devemos interessar-nos pelas necessidades alheias, mas encaminhe a criança para obras de caridade fraterna. Para isto:
– Mover-lhe a sensibilidade, que é o mais fácil: saber “sentir” a fome, o frio, as carências dos pobres, dos doentes, das crianças;
– Habituá-la a dar esmolas do que é seu: balas (guardar umas para a coleguinha mais pobre, o filho da lavadeira, etc), brinquedos (não quando já estiverem inutilizados), roupinhas, sapatos, etc;
– Guardar revistas, livros de histórias, etc., para levar aos hospitais e educandários pobres: isto é mais do que dar presentes, é dar-se ao próximo;
– Dividir a merenda com o colega pobre que não a pode levar à escola;
– Ajudar os que encontre precisados de auxílio a seu alcance: o cego que quer atravessar a rua, a velhinha que tem dificuldade em subir ao ônibus … a criança que está chorando na rua, etc.;
– Fazer sentir a felicidade de fazer o bem ao próximo: “a felicidade de afazer os outros felizes”.
Ver a necessidade alheia
Não há descrição que valha a verificação pessoal do sofrimento ou das carências dos nossos irmãos mais pobres. É preciso que as crianças tomem contato direto com o sofrimento e a miséria dos homens, segundo a sua capacidade. Levá-las a:
– Visitar internatos e hospitais infantis, ou mesmo hospitais adultos (selecionando as enfermarias);
– Ver os bairros pobres, de perto, sentindo-lhes o odor diferente, as dificuldades de toda ordem, avaliando ao vivo como é possível sofrer permanentemente aquela miséria;
– Levar pessoalmente, algumas vezes, uma palavra de conforto e amizade aos colegas e amigos enfermos, sejam da mesma condição ou de inferior condição social e econômica.
Firmar a doutrina
A formação feita assim por obras, firma a doutrinação dada na Catequese e na escola. Notemos, porém, que, por sua vez, a doutrinação há de ser viva e orientada para o próximo. Não creio em catequese decorada ou meramente teórica; por isso mesmo insisto com os catequistas que dêem sentido apostólico à doutrinação, levando o ouvinte a pensar no próximo e a desejar ajudá-lo tanto espiritual como materialmente. Os homens caíram na horrível situação atual de egoísmo por falta de espírito cristão.
Há muita necessidade espiritual que deve preocupar o educador cristão:
– Rezar pelos parentes e amigos, os doentes e sofredores, as almas do purgatório, a conversão dos pecadores,etc;
– Ajudar as obras religiosas – paroquiais, regionais ou universais, desde as imediatas para as quais nos conclamam nossos pastores, até as universais, como a conversão dos pagãos;
– Sentir as necessidades espirituais do próximo: os que não cumprem os deveres religiosos, os que não respeitam sequer os preceitos do Decálogo, os que não pensam em preparar-se para a eternidade que se lhes aproxima.
Para nós cristãos, toda ajuda fraterna deve ser caridade, isto é, amor do próximo por amor de Deus, feita com vistas sobrenaturais.
Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte