A mais freqüente queixa dos pais sobre os filhos é, sem dúvida, quanto à desobediência:
– “Não obedecem“;
– “Dá-se uma ordem, eles nem ligam“;
– “Hora de dormir, ninguém os tira da televisão“;
– “Marca-se horário para os estudos: não respeitam“;
– “Já se falou mil vezes que não cheguem atrasados para as refeições: não há jeito“;
– “Estamos cansados de dizer que não deixem os objetos fora dos lugares: eles nem escutam“; etc. etc.
Um enorme rosário de lamúrias, que terminam sempre por uma espécie de indulgência plenária aplicável aos pais: “Essas crianças de hoje são muito diferentes das do meu tempo.”
E explicam:
– “Lá em casa duvido que um filho levantasse a voz para o papai!”
– “Ordem dada era ordem cumprida, gostássemos ou não.”
– “Quem era louco para chegar atrasado para a refeição?”
– “Bastava um olhar do velho, ia todo mundo para a cama.”
– “Nós sabíamos obedecer!”
E encerram como num estribilho: “Mas essas crianças de hoje“…
De quem é a culpa
Lançando aos filhos a pecha de desobedientes, estão os pais, astuciosamente, desculpando-se. Na verdade, não há diferença tão grande entre as crianças de hoje e as de antigamente.
As crianças são as mesmas, com as eternas características da infância, os mesmos interesses profundos, a mesma receptividade educacional, as mesmas exigências de afeto, de segurança, de formação. As diferenças dos tempos, superficiais, não lhes atingem a estrutura. Nalguns pontos dificultam a obra dos educadores; mas noutros a facilitam.
Alguns pais é que mudaram. Abandonaram os cuidados da educação, abriram mão dos deveres, afrouxaram a vigilância, fugiram à formação dos filhos, demitiram-se dos mais sagrados encargos, capitularam ante as crianças, e se queixam de que estas são culpadas.
Tinham em mãos a autoridade: perderam-na. Receberam a criança ao nascer – e não crescida e deformada. Se não lhe deram a orientação devida, a criança é vítima, e não culpada!
Se os antigos se faziam obedecidos a simples olhar, é que não se contentavam em ser autoridade, mas sabiam ter autoridade: isto é, manter a superioridade, que a própria natureza impõe ao filho de forma tão impressionante. Prova disto é que, ainda hoje, os que têm autoridade conseguem os mesmos resultados de outrora, embora por meios consentâneos com os tempos.
Mas os tempos mudaram
Não é possível proceder hoje do mesmo modo que antigamente, agir com rigores, exigir aqueles extremos.Mas também não é possível largar os filhos a si mesmos, sob pretexto de que a educação moderna exige liberdade, ou de que a mãe precisa de trabalhar fora, para… dar melhor educação (?) às crianças, ou de que os pais que trabalham precisam de repouso quando chegam à casa (e podem aborrecer-se (?) com problemas de crianças), ou simplesmente por comodismo, “vida social intensa” e outras alegações congêneres.
Há os que desejam acertar. Sabem que não se pode hoje educar como foram educados, mas sentem dificuldade em adaptar-se aos novos moldes, pois não foram preparados para isto. (Infelizmente continua o tremendo erro de não se cuidar da preparação dos futuros pais. Mesmos os colégios católicos ensinam mil coisas às jovens, mas não lhes ensinam a ser mães, embora o desejo de casar lhes seja o mesmo de sempre.)
É com estes que desejamos conversar, para lhes oferecermos a ajuda que merecem, pelas intenções que os animam.
Porque desobedecem
Os que desejam realmente corrigir os filhos procurem descobrir as causas das desobediências. Conhecida a causa, importa removê-la: tirada a causa, cessa o efeito. Apontaremos algumas causas da desobediência infantil.
Da parte dos pais:
– Não têm autoridade;
– Não sabem mandar;
– São muitas ordens, algumas impossíveis;
– Não velam pela execução das ordens;
– Querem impor-se mais pela força que pelo amor;
– Não mantêm coerência, proibindo hoje o que permitiram ontem;
– Desentendem-se, um proibindo e o outro permitindo;
– Cedem, quando a criança se exaspera ou insiste;
– Mandam o contrário para conseguir o que desejam;
– São implicantes, cansando e irritando as crianças;
– Exigem uma obediência imediata;
– Querem levar a obediência em excessos, humilhando a criança;
– Não preparam os filhos para a obediência;
Da parte dos filhos
– Falta de compreensão, própria da idade;
– Fraqueza da vontade, que cede a interesses imediatos ou de ordem sensível;
– Hábito de fazerem o que lhes é proíbido;
– Repugnância ao que lhes é ordenado;
– Aproveitamento das fraquezas do educador que:
a)cede com facilidade,
b)não pede contas do que manda,
c)ameaça, e deixa correr,
d)se desentende com os outros educadores; etc.
– Afirmação crescente de personalidade: passando da obediência passiva de criança à obediência ativa(consciente) de adolescente, querem saber o porquê das ordens, repelem as proibições injustas ou humilhantes;
– falta de preparação para a obediência.
Para poder mandar
Não basta ser autoridade, mas importa ter autoridade, para ser obedecido. Ai das autoridades de quem é preciso dizer-se o que disse Cristo dos escribas e fariseus: “Fazei o que eles dizem, não façais o que eles fazem” (Mt 23,3). Acima de tudo, é preciso pôr-se em condições de mandar.
Dominar-se
O educador há de possuir o completo domínio de si. Quem se deixa dominar de qualquer sentimento ou paixão, perde a capacidade de comando: – isto vai de simples domínio do temor físico, passando pela timidez ou mera indecisão, até chegar ao seguro controle das mais profundas e violentas paixões.
Saber usar da autoridade
É ponto de suma importância. A improvisação é má conselheira.
Vejam-se os estágios do militar para chegar ao comando do exército… preciosa é neste aspecto, a família numerosa, na qual os irmãos mais velhos, delegados pelos pais, exercem autoridade sobre os pequeninos.
Saber obedecer
É caminho e escola do bom exercício da autoridade. Só sabe mandar quem sabe obedecer. Este preceito dos pedagogos é reconhecido pelos próprios educandos. Citando John Ruskin, o grande Foerster (“Instrucion ética de la juventud”) conta que ele, discutindo com adolescentes de 14 e 15 anos sobre a obediência voluntária, propôs como tema: “Quem não aprendeu a obedecer, não sabe mandar.” Os jovens frisaram não estar em condições de dar bem uma ordem que não experimenta em si as reações que ela provoca.
Conhecer o que manda
É preciso ter experiência do trabalho pedido, do sacrifício ordenado. E lembrar-se do que lhe custou aquilo na idade que têm agora os filhos. Hoje nos é fácil (ou não é…) passar uma hora calados, ficar sentados sem mudar de posição (o próprio reumatismo ajuda…). Hoje fazemos tranqüilamente serviços que nos despertavam repugnância aos 12 anos ou 15 anos.
Um educador não pode esquecer que já teve a idade que têm agora seus educandos. E se esquecer, perdeu a capacidade de educar.
Conhecer os filhos
Só quem os conhece pode lidar com eles. Há as características gerais da infância e da juventude, com suas diferenças de idade e de sexo. Mas há também a psicologia desta criança.
Não existe a criança teórica, ideal, de livro; existe a real, viva, com a qual vivemos, que ouve as nossas ordens, que tem essas e aquelas reações, com tal temperamento, e que o educador deve conhecer muito bem, para se lhe poder adaptar.
Saber mandar
Para que suas ordens sejam bem acolhidas, devem ser dadas com bons modos. Do contrário, ficarão em casa como a rainha da Inglaterra, que reina, mas não governa.
Finalidade da obediência
Com muita freqüência encontramos deplorável equívoco sobre o sentido da obediência. Geralmente pais e até professores (formados em pedagogia!) querem é serem obedecidos. Por amor próprio, por autoritarismo, para ficar em paz, – pouco importa! – querem é ser obedecidos. Prontamente, sem explicações e sem delongas.
– A verdadeira obediência é aprendizagem do domínio de si – fim da educação. É enriquecimento moral, aproveitamento da experiência dos educadores para facilitar aos educandos os caminhos do futuro, sabedoria de quem aproveita um guia para evitar as erradas, cuidado do comandante que entrega o navio ao prático dos mares perigosos. Por isso diz a Bíblia que serão vitoriosos os que sabem obedecer: “O homem obediente cantará vitória” (Pv. 21,28).
– É liberação: o homem se liberta das amarras do amor próprio e do orgulho, para reconhecer e acatar a autoridade. Não cede por medo ou interesse, mas age conscientemente, superando-se, dono de sua vontade até para abrir mão dela quando necessário.
– É mestra da vida. Se a vontade é fraca, ampara-se na obediência consciente e se fortalece. Se estreita, desenvolve-se. Se impetuosa, amansa e se canaliza para o bem.
– Ela não é virtude de criança, mas de homens feitos. Às crianças importa ensiná-la, orientando-a cuidadosamente para seu fim.
Algumas normas
Alguns marcos, para guia dos educadores de boa vontade, – graças a Deus, numerosos.
Obediência é meio e não fim
Não exijo obediência, para que a criança seja obediente, mas para que se eduque. Adiante mostrarei que o fato de ser apenas obediente constitui grave perigo para o educando.
A obediência se orienta para a educação: ensina a criança a usar bem da liberdade. Vai afrouxando, na medida em que o educando cai aprendendo a orientar-se sozinho. Será eliminada, quando ele se tornar “governador de si mesmo“, na feliz expressão de Guimarães Rosa.
O papel do educador é orientar, ensinar os caminhos, ajudar a marchar, retificar em caso de errada, estimular para o autodomínio, “como a águia que provoca seus filhos a voar, esvoaçando sobre eles” (Dt 32,11). E tanto mais feliz se sente quanto mais percebe que se vai tornando dispensável.
Levar a criança a submeter-se, e não submetê-la
Quando me submeto, pratico ato livre, consciente; quando sou submetido, não: fui subjugado. No primeiro caso, obedeci; no segundo, fui domado.
Obedecer é querer o que outrem quer, e não fazer o que outrem manda. A obediência é ato da vontade que sabe vencer as dificuldades para querer. Por isso, a verdadeira obediência é filha da liberdade. Mas começa sendo mãe da mesma liberdade; isto é, preparando a criança para saber ser livre, para dispor de sua vontade, para dominar-se e inclinar-se no sentido em que a razão a chama (e não no sentido em que as paixões a empurram).
Como se vê, obediência implica o autodomínio. Está muito longe de ser o domínio que o educador exerce sobre os educandos. Mas este conceito, policial e totalitário, ainda é muito corrente, e continua fazendo a infelicidade dos educandos.
Nunca devemos perder de vista que o exercício da autoridade visa aos súditos não aos superiores, porque busca o bem moral daqueles, e não a satisfação destes.
O educador não deve impor a sua vontade, mas sim formar a do educando.
São pessoas distintas, com vontades distintas, com gostos diversos ou até contrários. Não devo proibir-lhe algo “porque não gosto disso“, mas porque isso não deve ser feito. Não posso substituir sua vontade pela minha; mas devo formá-la para que ela saiba querer o bem e levá-lo à prática.
Pensássemos melhor nesta verdade (aliás tão solar), e seríamos mais positivos que negativos em educação, ensinaríamos mais o que se há de fazer que o que se há de evitar, daríamos antes normas de vida que proibições.
A criança exige mais desenvolvimento que restrições
É ser em crescimento: deve realizar-se. Montessori disse muito bem: “A educação é ajuda positiva à expansão normal da vida“. Não é proibindo a criança de agir que a desenvolveremos; mas ensinando-lhe a fazer o bem.
Nosso papel é canalizar-lhe as energias, e não reprimi-las. É apontar-lhe os caminhos, e não impedir-lhe a passagem. É ensinar-lhe a querer, e não a não querer. É dar-lhe meios para realizar-se física, sentimental, cultural, moral e religiosamente – pondo-a no caminho do homem integral.
Não é dizer-lhe: “Fica quieta“, mas dizer-lhe “Realiza-te“…não é cortar-lhe as asas, mas ensinar-lhe a voar.
Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte