Fonte: Sì Sì No No, Ano LI n. 6 — Tradução: Verbum Fidelis
Nota da tradução: Por haver no meio brasileiro católico quem acredite na ideia bocó fábula da “tradição primordial” reservada aos “iniciados”, ou em uma “gnose cristã” (sic), achei por bem traduzir esse artigo do jornal sì sì no no.
Introdução
Alguns ocultistas, entre eles Edouard Schuré, tentaram acreditar na extravagante teoria do “cristianismo esotérico”.
De acordo com sua hipótese, até mesmo Jesus seria um “grande iniciado”, um “mestre do ocultismo” e um “gnóstico” como poucos ao longo da história humana.
Para apoiar sua tese, eles se baseiam em certas frases da Sagrada Escritura, tiradas de seu contexto e explicadas de uma maneira que difere da interpretação unânime dos Padres da Igreja, dos Doutores Escolásticos e dos Exegetas neoescolásticos aprovados pela Igreja.
A doutrina ouvida de forma oculta ou “dito ao ouvido”
Por exemplo, eles citam o Discurso (Jo. XIII) que Jesus deu aos Apóstolos durante a Última Ceia, no qual — entre outras coisas — Ele disse: “o que é dito ao ouvido, pregai-o sobre os telhados” (Mt. X, 27); donde concluem que Cristo tinha um ensinamento exclusivamente oculto ou esotérico, que teria reservado apenas aos Doze Apóstolos e seus discípulos, mas não a todos os fiéis; portanto, o cristianismo também seria essencialmente uma religiosidade elitista e ocultista reservada a uns poucos iniciados, eleitos ou gnósticos; enquanto a massa dos cristãos teria recebido — de Jesus, seus apóstolos e discípulos — apenas uma doutrina secundária, trivial, elementar e inferior.
Na realidade, a interpretação correta do Evangelho de São Mateus (X, 27), segundo a qual se deve “pregar do alto dos telhados o que foi dito ao ouvido”, é aquela que se encontra na Tradição Patrística.
Ora, a interpretação patrística comum, no caso particular do suposto Esoterismo de Jesus Cristo, foi dada muito claramente — apenas para dar um exemplo entre os muitos Padres eclesiásticos que comentaram essa passagem do Evangelho — por Santo Hilário de Poitiers (Super Matthaeum, X, 27), que explica:
“Jesus não pregava à noite, na escuridão ou em segredo, como podemos ler no Evangelho, mas o evangelista relata o que ele disse — de “pregar do alto dos telhados o que se dizia ao ouvido” — para simplesmente significar que a fala do Senhor era “trevas” para os homens carnais e “noite” para os incrédulos; enquanto que devia ser anunciada pública e abertamente aos pagãos, com plena liberdade de profissão da Fé”.
Ademais, o significado óbvio do versículo mencionado acima: “o que é dito ao ouvido, pregai-o sobre os telhados”, é claro e diametralmente oposto à interpretação esotérica. Com efeito, Jesus recomenda, em palavras claras, que preguemos a todos, como se estivéssemos gritando de uma sacada, a doutrina que ouvimos sussurrada suavemente em nosso ouvido.
Portanto, a leitura esotérica de Cristo e de seu Evangelho não só é contrária à interpretação dada pela Tradição Apostólica, mas também contrária ao sentido comum e óbvio da Sagrada Escritura sicut litterae sonant.
Será que falamos de Sabedoria apenas entre os “perfeitos”?
Para reforçar essa sua tese, eles se apegam a São Paulo quando ele escreve: “É a sabedoria que nós pregamos entre os perfeitos” (I Cor. II, 6), tentando fazer com que ele diga que a doutrina sapiencial cristã deve ser exposta e discutida apenas e tão somente para e entre os “perfeitos” e não para a multidão mal preparada dos fiéis comuns.
Em vez disso, os Exegetas ensinam: “É somente aceitando com total fé o Mistério de Cristo crucificado que o cristão será iniciado e introduzido na verdadeira ‘Sabedoria’. O Evangelho, de fato, é uma ‘Sabedoria’, mas uma ‘Sabedoria sobrenaturalmente misteriosa e salvadora’, dada aos ‘Perfeitos’. Entretanto, quem são esses ‘perfeitos’ para São Paulo? Que não se pense neles como os ‘iniciados’ dos mistérios ocultos do paganismo, como se o cristianismo fosse uma doutrina esotérica reservada apenas aos ‘iniciados’. Não! Os ‘perfeitos’ para o Apóstolo são todos aqueles cristãos, mesmo os mais simples e menos instruídos, que chegaram, por meio de uma Fé inquebrantável e de um Amor operante, a uma assimilação fecunda dos princípios do cristianismo, ao pleno desenvolvimento da vida e do pensamento cristãos. Portanto, não só não há diversidade de iniciação, mas — ao contrário — a ‘Sabedoria’, que é o sétimo Dom do Espírito Santo, está aberta a todos, e todos, embora de maneiras diferentes, são capazes dela e devem ser levados a recebê-la” (Settimio Cipriani, Le Lettere di San Paolo. Assis, Cittadella Editrice, 5ª edição, 1971, Primeira Epístola aos Coríntios, cap. II, versículo 6, notas de rodapé nº 6 e 7).
Para os esoteristas, por outro lado, a “Sabedoria” seria um conhecimento (ou gnose) iniciático/esotérico, autossalvífico e até mesmo autodivinizante, ao qual o homem chegaria apenas com suas forças naturais e, acima de tudo, por meio da ciência oculta.
Ora, com relação à passagem citada de São Paulo (I Cor. II, 6), ao contrário do que ensina o esoterismo, o significado autêntico, que nos é dado pela Tradição, é o seguinte: “O Senhor Jesus não só não revelou toda a profundidade de Sua Sabedoria, que é infinita, às multidões, mas também não a revelou aos Apóstolos, aos quais — sendo criaturas finitas — disse explicitamente: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não as podeis compreender agora” (Jo. XVI, 12). No entanto, Ele anunciou abertamente e nunca dissimuladamente tudo o que considerou oportuno comunicar aos outros de Sua infinita Sabedoria; embora nem tudo pudesse ser compreendido — sendo infinitamente vasto e profundo — e nem todos os homens estivessem dispostos a compreendê-lo por causa de sua má vontade” (Santo Agostinho, Tractatus CXIII in Johannem, XVIII, 13).
Jesus falava exclusivamente por parábolas?
Por isso, esses esoteristas citam o próprio Jesus, que “não lhes falava sem parábolas” (Mt. XIII, 34); daí concluem que o Redentor escondeu das massas, em princípio, explícita e sistematicamente a Verdade sublime, superior e sapiencial, apresentando-a, ou melhor, velando-a com palavras obscuras e de difícil compreensão, o que equivale a escondê-la com o silêncio. Portanto, Cristo teria sido um esoterista e o Evangelho conteria, em princípio, uma doutrina secreta.
São João Crisóstomo (In Matthaeum XIII, Homilia 47) explica bem que “Jesus, antes de tudo, falava por parábolas às multidões de judeus, porque eles não eram capazes nem dignos de receber a verdade pura, mas que depois expôs aos discípulos e que eles, por fim, deviam transmitir e explicar a todos os fiéis”.
Além disso, a expressão “não lhes falava sem parábolas”, ainda segundo São João Crisóstomo (In Matthaeum XIII, Homilia 47), deve ser aplicada e referida não a todo o Evangelho cristão, mas apenas àquele discurso particular proferido por Jesus — no segundo ano de Seu ministério público — no qual Ele fala da mulher que esconde um pouco de fermento na massa de farinha até fermentar tudo; um discurso que é relatado no Evangelho de Mateus (XIII, 34), pouco antes da decapitação de São João Batista (Mt. XIV, 1-11); pois em várias outras ocasiões o Senhor havia falado às multidões sem usar nenhuma parábola.
Por sua vez, Santo Agostinho acrescenta e confirma o que foi explicado por São João Crisóstomo: “Jesus falou algumas vezes no sentido próprio, isto é, não figurativamente e sem usar parábolas; mas, muitas vezes, Ele fez uso de alguma parábola ou figura, embora no curso de seu discurso ele também tenha dito coisas no sentido próprio” (Quaestio XV in Matthaeum, XIII, 34). Portanto, não é de forma alguma exato dizer que Jesus ensinou somente por meio de parábolas e de maneira figurativa.
Com efeito, os Padres, Doutores e Exegetas sempre explicaram o contrário, citando a Escritura em um sentido conforme à Tradição Apostólica, da qual eles são — se forem moralmente unânimes — a voz genuína, intérpretes oficiais e eco fiel, que — em última instância — só pode ser autenticamente interpretado pelo Magistério público da Igreja.
Na verdade, o próprio Jesus disse claramente: “Eu falei publicamente ao mundo; ensinei sempre na sinagoga e no templo, aonde concorrem todos os Judeus; nada disse em segredo” (Jo. XVIII, 20).
Além disso, o Messias também disse: “Porventura traz-se a lucerna para a meter debaixo do alqueire ou debaixo do leito? Não é para ser posta sobre o candelabro?” (Mc. IV, 21), onde a lucerna representa a doutrina teoricamente verdadeira e moralmente correta.
As três maneiras de pregar uma doutrina de forma oculta
Santo Tomás de Aquino explica magistralmente que uma doutrina pode permanecer oculta ou secreta de três maneiras:
1) por vontade explícita do Mestre
“Quando o Mestre, de modo explícito, não pretende manifestar sua doutrina a todos, mas, ao contrário, prefere ocultá-la. Ora, isso pode acontecer de duas maneiras:
(a) por ciúme do Mestre
“Pois ele — ex invidia [por ciúme] — não deseja transmitir sua doutrina e sabedoria a outros, mas deseja guardá-la para si mesmo, para seu próprio bem e para se sobressair sozinho nela. No entanto, isso não é de modo algum favorável à santidade infinita de Cristo, de quem a Sagrada Escritura havia anunciado no Antigo Testamento: “Eu a aprendi sem intenções reservadas, reparto-a com os outros sem inveja, e não escondo as suas riquezas” (Sab., VII, 13).
(b) por causa da desonestidade do que é ensinado
“Mas isso é contrário à Natureza divina do Verbo Encarnado, cuja doutrina e ensino não se fundamentam nem em erro doutrinário nem em impureza moral.”
Além disso, uma doutrina é oculta:
2) se ela for deliberadamente proposta apenas a alguns poucos
“Mas Jesus não ensinou nada dessa maneira deliberadamente secreta, ou seja, reservada em princípio apenas para alguns iniciados. De fato, ele propôs sua doutrina a toda a multidão ou a todos os seus discípulos reunidos. Ora, Aquele que fala diante de muitos homens não fala em segredo ou em ocultação. Além disso, quando Ele falava somente aos discípulos, Ele também ordenava que eles transmitissem e explicassem a todos os outros o que Ele havia dito somente a eles. Portanto, Jesus nunca ensinou — por uma questão de princípio — de maneira explícita e conscientemente esotérica ou oculta, reservando deliberadamente Sua doutrina apenas para alguns escolhidos” (Santo Agostinho, Tracatus CXIII in Iohannem, XVIII, 13).
Finalmente, uma doutrina pode ser oculta:
3°) pela maneira a qual é transmitida
“Ora, Jesus, nessa terceira maneira de transmitir Sua doutrina, quis ocultar algo para as multidões, usando as parábolas; mas apenas para anunciar Mistérios espirituais que as multidões do Antigo Testamento ainda não eram capazes de compreender naquele momento[1]. No entanto, eles (ou seja, as multidões de judeus do Antigo Testamento) ainda estavam sendo ensinados sobre esses assuntos relativos aos Mistérios sobrenaturais de Deus, sob o véu das parábolas do Evangelho, e isso certamente é melhor do que não receber nada. De fato, Jesus explicou posteriormente o significado das parábolas aos discípulos, confiando-lhes — por sua vez — a tarefa de transmiti-lo, pregá-lo e explicá-lo às multidões, que gradualmente se tornaram capazes de compreendê-lo, tendo passado da ‘infância’ do Antigo Testamento para a ‘maturidade’ da Nova Aliança (cf. São Paulo, II Tim. II, 2)” (cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 42, a. 3).
O esoterismo nasce do orgulho e leva à perdição
Ora, essa tendência do esoterismo leva o homem à ruína e nasce do orgulho, que é a raiz de todos os males.
Santo Tomás ensina, com razão, que “a infidelidade nasce da soberba” (S. Th. II-II, q. 10, a. 1, ad 3um). E é o mais grave dos pecados depois do ódio a Deus. Portanto, a verdadeira razão de uma escolha errônea quanto ao fim último deve ser procurada nas obras más; ou seja, na vida, no ato da vontade, que também pode ser apenas interno, como, por exemplo, o orgulho intelectual.
As obras más não são apenas imoralidade grosseira, mas também imoralidade sutil: a exaltação do próprio “eu”, a busca da glória humana e da honra mundana.
Assim como o ladrão foge da luz e ama as trevas para poder agir sem ser perturbado, o orgulhoso odeia a luz, a doutrina pública e ama as trevas, a doutrina e a prática esotérica, seja por ciúme pessoal, querendo ser o único repositório da Sabedoria, seja por causa da erroneidade ou desonestidade do que ensina, não querendo ser descoberto e contradito.
As trevas, portanto, servem para encobrir sua doutrina infernal e sua conduta perversa; por isso, o esoterista odeia a luz, porque ela exporia sua perversidade interna e oculta.
Pode-se, portanto, concluir que a má vida é a causa de toda descrença e, especialmente, da descrença dos heresiarcas e dos “grandes iniciados”.
Assim como o diabo se tornou um anjo caído por causa de sua má vontade (pela qual ele preferiu afirmar — por ciúme — a si mesmo, e assim se condenando a si mesmo, do que se submeter à vontade de Deus, que exigiu dele um ato de obediência e humildade); assim também o “grande iniciado” prefere rejeitar a doutrina pública de Jesus a fim de se deleitar com ciúme em sua obscura e confusa “Tradição”, que tanto gratifica seu orgulho por ser chamado de “Mestre!” Ao passo que Jesus nos admoestou: “A ninguém chameis pai sobre a terra, porque um só é vosso Pai, o que está nos céus. Nem façais que vos chamem mestres, porque um só é vosso Mestre, o Cristo”.
Conclusão
“Et Verbum caro factum est!”
Santo Agostinho responderia hoje aos teóricos do “cristianismo esotérico” 1) trazendo o bom exemplo do Verbo Encarnado, que de Deus se fez homem; 2) contrastando-o com o mau exemplo do gnóstico transumanista (ou modernista), que, apesar de ser apenas uma mera criatura, aspira insensatamente a tomar o lugar do Altíssimo (ou a chegar, por meio da evolução autocriada, ao “Ponto Ômega”), encontrando assim sua própria queda; 3) usando, portanto, para os esoteristas (e modernistas) contemporâneos, as mesmas palavras de 1600 anos atrás, a saber:
“Quiseste, ó criatura presunçosa, embora fosse homem, fazer-se Deus para depois perecer; mas o Verbo, sendo Deus, quis fazer-se homem a fim de encontrar o que recuperar perdido” (Santo Agostinho, Sermo CLXXXVIII, cap. 3, em PL, tomo XXXVIII, col. 1004).
Em suma, para resumir, o cristianismo esotérico é exatamente o macaco do cristianismo real.
Com efeito, o esoterismo quer que o homem se torne “Deus” por meio do conhecimento iniciático ou Gnose; o modernismo afirma que a Graça é devida à natureza e não é um dom gratuito de Deus; ao passo que o Cristianismo ensina que Deus se encarnou para salvar o homem do pecado original, fazendo-o participar de Sua Natureza divina, de forma limitada e finita, por meio da Graça santificante.
O denominador comum do esoterismo e do modernismo é, sem dúvida, o antropocentrismo ou transumanismo, que é visto à luz do evolucionismo cósmico de Teilhard de Chardin, ou seja, como o contínuo devir da “Divindade” que, do nada, através da matéria, alcança o espírito ou o Cristo esotericamente cósmico (cf. G. Ambrosini, Occultismo e Modernismo, Bolonha, Tipografia Arcivescovile, 1907[2]).
Canonicus Romanus
Notas
1. Os Padres da Igreja (fundando-se em São Paulo: I Cor. XIII, 11; Heb. V, 3) comparam os fiéis do Antigo Testamento a crianças, que devem ser nutridas com alimentos mais delicados e leves; enquanto os do Novo Testamento os comparam a adultos, que devem ser nutridos com alimentos mais substanciais e ricos. Portanto, Jesus falou em parábolas a seus ouvintes, que — não tendo ainda entrado na Nova e Eterna Aliança — eram semelhantes a crianças e, portanto, não podiam receber o alimento mais sólido que é dado aos adultos, ou seja, a doutrina do Novo Testamento de maneira explícita e aberta.
2. Cf. M. Schooyans, Nuovo Disordine Mondiale, Cinisello Balsamo, Edizioni San Paolo, 2000; Id., Il volto nascosto dell’Onu. Verso il governo Mondiale, Roma, Il Minotauro, 2004; Id., Conversazioni sugli idoli della Modernità, Bologna, ESD, 2010; Id., Evoluzioni demografiche, Bologna, ESD, 2013.