O fim próprio e imediato da educação cristã é cooperar com a graça divina na formação do verdadeiro e perfeito cristão, isto é, formar o mesmo Cristo nos regenerados pelo Baptismo, segundo a viva expressão do Apóstolo: « Meus filhinhos, a quem eu trago no meu coração até que seja formado em vós Cristo ». (63) Pois que o verdadeiro cristão deve viver a vida sobrenatural em Cristo: « Cristo que é a vossa vida », (64) e manifestá-la em todas as suas acções: « a fim que também a vida de Jesus se manifeste na vossa carne mortal » (65).
a) Formar o verdadeiro cristão
Precisamente por isso a educação cristã abraça toda a extensão da vida humana, sensível, espiritual, intelectual e moral, individual, doméstica e social, não para diminuí-la de qualquer maneira, mas para a elevar, regular e aperfeiçoar segundo os exemplos e doutrina de Cristo.
Por isso o verdadeiro cristão, fruto da verdadeira educação cristã, é o homem sobrenatural que pensa, julga e opera constantemente e coerentemente, segundo a sã razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e doutrina de Cristo; ou antes, servindo-Nos da expressão, agora em uso, o verdadeiro e completo homem de carácter. Pois que não é qualquer coerência e rigidez de procedimento, segundo princípios subjectivos, o que constitui o verdadeiro caráter, mas tão somente a constância em seguir os eternos princípios da justiça, como confessa o próprio poeta pagão quando louva, inseparavelmente, « o homem justo e firme em seu propósito » (66). Por outro lado não pode haver justiça perfeita senão dando a Deus o que é de Deus, como faz o verdadeiro cristão.
Tal fim eterno da educação cristã afigura-se aos profanos uma abstracção, ou antes, irrealizável, sem a supressão ou atrofiamento das faculdades naturais, e sem a renuncia às obras da vida terrena, e por conseqüência alheio à vida social e prosperidade temporal, adverso a todo o progresso das letras, ciências e artes, e a qualquer outra obra de civilização.
A semelhante objecção nascida da ignorância e preconceito dos pagãos, mesmo cultos, de outrora — repetida infelizmente com freqüência e insistência nos tempos modernos — havia já respondido Tertuliano: «Nós não somos alheios à vida. Recordamo-nos bem do dever de gratidão para com Deus, Nosso Senhor e Criador; não repudiamos nenhum fruto das suas obras; somente nos moderamos para não usar deles mal ou descomedidamente. E assim não vivemos neste mundo sem foro, sem talhos, sem balneários, sem casas, sem negócios, sem estábulos, sem os vossos mercados e todos os outros tráficos. Nós também convosco navegamos e combatemos, cultivamos os campos e negociamos, e por isso trocamos os trabalhos e pomos à vossa disposição as nossas obras. Verdadeiramente não vejo como podemos parecer inúteis aos vossos negócios com os quais e dos quais vivemos (67).
b) Que é também o cidadão mais nobre e útil
Por conseqüência o verdadeiro cristão, em vez de renunciar às obras da vida terrena ou diminuir as suas faculdades naturais, antes as desenvolve e aperfeiçoa, coordenando-as com a vida sobrenatural, de modo a enobrecer a mesma vida natural, e a procurar-lhe utilidade mais eficaz, não só de ordem espiritual e eterna, mas também material e temporal.
Isto é provado por toda a história do cristianismo e das suas instituições, a qual se identifica com a história da verdadeira civilização e do genuíno progresso até aos nossos dias; e particularmente pelos Santos de que é fecundíssima a Igreja, e só ela, os quais conseguiram em grau perfeitíssimo, o fim ou escopo da educação cristã, e enobreceram e elevaram a convivência humana em toda a espécie de bens. De facto, os Santos foram, são e serão sempre os maiores benfeitores da sociedade humana, como também os modelos mais perfeitos em todas as classes e profissões, em todos os estados e condições de vida, desde o camponês simples e rude até ao sábio e letrado, desde o humilde artista até ao general do exército, desde o particular pai de família até ao monarca, chefe de povos e nações, desde as simples donzelas e esposas do lar domestico até às rainhas e imperatrizes. E que dizer da imensa obra, mesmo em prol da felicidade temporal, dos missionários evangélicos que juntamente com a luz da fé levaram elevam aos povos bárbaros os bens da civilização, dos fundadores de muitas e variadas obras de caridade e de assistência social, da interminável série de santos educadores e santas educadoras que perpetuaram e multiplicaram a sua obra, nas suas fecundas instituições de educação cristã, para auxílio das famílias e benefício inapreciável das nações?
c) Jesus, Mestre e Modelo de Educação
São estes os frutos benéficos sobre todos os aspectos da educação cristã, precisamente pela vida e virtude sobrenatural em Cristo que ela desenvolve e forma no homem; pois que Jesus Cristo, Nosso Senhor, Mestre Divino, é igualmente fonte e dador de tal vida e virtude, e ao mesmo tempo modelo universal e acessível a todas as condições do gênero humano, com o seu exemplo, particularmente à juventude, no período da sua vida oculta, laboriosa, obediente, aureolada de todas as virtudes individuais, domesticas e sociais, diante de Deus e dos homens.
Carta Encíclica Divini Illius Magistri – Papa Pio XI
(63) Gal., IV, 19: Filioli mei, quos iterum parturio, donec formetur Christus in vobis.
(64) I Col., III, 4: Christus, vita vestra.
(65) II Cor., IV, 11: ut et vita Iesu manifestetur in carne nostra mortali.
(66) Horat., Od. 1. III, od. 3, v. 1: Iustum et tenacem propositi virum.
(67) Apol., 42: Non sumus exules vitae. Meminimus gratiam nos debere Deo Domino Creatori; nullum fructum operum eius repudiamus; plante temperamus, ne ultra modula aut perperam utamur. Baque non sine foro, non sine macello, non sine balneis, tabernis, officinis, stabulis, nundinis vestris, caeterisque commerciis cohabitamus in hoc saeculo. Navigamus et nos vobiscum et mibitamus, et rusticamur, et mercamur, proinde miscemus artes, operas nostras publicamus usui vestro. Quomodo infructuosi videamur negotiis vestris, cum quibus et de quibus vivimus, non scio.