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A Missa deste domingo, que cai dentro da antiga oitava da Festa do Sagrado Coração de Jesus, traz esta belíssima parábola da ovelha perdida, que, podemos dizer, enfatiza um dos aspectos do Sacratíssimo Coração de Jesus: o seu amor misericordioso por nós. Seguindo a Santo Tomás [1], a misericórdia é uma virtude, aliás, a máxima virtude, considerada em si mesma, que consiste na compaixão do nosso coração pela miséria alheia, como se fosse a nossa própria miséria, e que nos leva a querer socorrê-la, saná-la, o quanto nos seja possível, como o faríamos conosco mesmos.
Ora, a miséria consiste numa imperfeição, que só pode ser sanada mediante alguma bondade, por exemplo, a indigência material, esta só pode ser sanada com uma esmola. Então, sendo Deus a fonte de toda perfeição e de todos os bens, a misericórdia, enquanto virtude, pertence a Deus por excelência, visto que só Ele, com sua Bondade infinita, é capaz de sanar todas as nossas misérias. Deus não é só misericordioso, senão que Ele é a mesma Misericórdia infinita. E como a misericórdia não é outra coisa que um efeito interno do ato de Caridade, cuja expressão máxima é o Amor de Nosso Senhor Jesus Cristo por nós, então o Sagrado Coração, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus não é senão a representação, a “encarnação” deste Amor infinito e não correspondido. “Um abismo chama outro abismo”, assim diz um versículo do Salmo 42. O abismo de nossa miséria chama outro abismo, o abismo da misericórdia divina. Nosso Senhor mesmo o disse: ”Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos. Não vim chamar os justos, mas os pecadores à penitência” [2].
Ora, para interpretar corretamente uma parábola, devemos estar atentos ao texto e ao contexto em que foi escrita, bem como aos seus destinatários. Ora, o Evangelho de hoje, narra que os publicanos e pecadores públicos haviam se aproximado de Jesus, para ouvir a sua pregação, o que despertou murmuração dos escribas e fariseus que não podiam aceitar que Nosso Senhor recebesse e comesse com aqueles pecadores convertidos. Por isso, Nosso Senhor responde à sua murmuração com a parábola da ovelha perdida: “Qual de vós, tendo cem ovelhas, se perde uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, para ir procurar a que se tinha perdido, até que a encontre?”. Que dizem os Santos Padres a respeito? Que significa isto? São Cirilo diz que as cem ovelhas representam aos homens e aos anjos. A ovelha que se perde simboliza o gênero humano, que erra pelo deserto da vida, devido ao pecado original. As outras noventa e nove ovelhas são os coros angélicos, a quem Deus deixou no céu, para ir procurar a que se tinha perdido, mediante a sua Encarnação. O pastor, aliás, o bom Pastor é Nosso Senhor Jesus Cristo. Pergunta o mesmo São Cirilo: “Como é que o Pastor abandona a todas as demais ovelhas e só tem caridade com uma só? De nenhum modo. Todas as demais se encontram no seu aprisco, defendidas por sua destra poderosa. Porém, Ele devia se compadecer mais da perdida, para que não ficasse incompleto o resto de suas criaturas. Uma vez acolhida esta, o número cem retoma a sua perfeição”.
Continua a parábola: “E, tendo-a encontrado, põe-na sobre os ombros todo contente”, diz o Papa São Gregório Magno, porque voluntariamente Nosso Senhor nos carregou nos ombros, carregou o peso dos nossos pecados. “E, indo para casa”, isto é, voltando para o céu, em sua triunfante Ascensão, “chama os seus amigos e vizinhos”, ou seja, a sua corte celeste. Amigos, porque cumprem sempre a sua santíssima Vontade; vizinhos, porque gozam ao seu lado da claridade de sua presença. “Dizendo-lhes: Congratulai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha, que se tinha perdido”.
Esta parábola narra, com uma história fictícia, o mistério da nossa Redenção. Redenção esta que só pôde efetuar-se graças à misericórdia divina. Se Nosso Senhor tivesse nos tratado com o mesmo rigor dos fariseus, quem teria subsistido? É fundamental refletir sobre este ponto, pois muitas vezes, imbuídos deste espírito, deste zelo amargo, com facilidade julgamos e condenamos os que erram, disfarçando o nosso rigor inclemente de zelo pela justiça. Ensina São Gregório: “mesmo quando os justos se indignam com razão contra os pecadores, a verdadeira justiça tem compaixão e a falsa justiça desdém. Mas uma coisa é a que se faz por soberba e outra a que se faz por zelo à disciplina. Porque os justos, embora exteriormente exagerem as suas repreensões, no entanto, interiormente conservam a doçura da caridade e, geralmente, preferem aqueles que corrigem a si mesmos. Obrando assim, mantêm os seus súditos na disciplina e ao mesmo tempo os mantém na humildade. Pelo contrário, os que acostumam a ensoberbecer-se pela falsa justiça [isto é, pelo zelo amargo], desprezam a todos os demais, sem ter nenhuma misericórdia dos que estão enfermos e, porque se crêem sem pecado, tornam-se mais pecadores. Deste número eram os fariseus, que censuravam o Senhor porque recebia os pecadores, repreendiam com um coração seco o que é a fonte mesma da Caridade. Porém como estavam enfermos ou ignoravam que o estavam, o médico celestial usa com eles remédios suaves, até que conhecessem o seu estado”.
Não há poucos entre nós, que buscamos seguir com fidelidade a Tradição da Igreja, que se deixam levar por esta tentação, por este erro, pelo zelo amargo. Vemos a decadência da sociedade em todos os parâmetros, vemos as ruínas da civilização cristã, nos damos conta da crise sem precedentes que enfrenta a Barca de São Pedro, e quais outros macabeus, tomamos a espada da doutrina, do Magistério da Igreja, e fazemos uma verdadeira cruzada de resistência a esta heresia que ameaça assolar a vinha eleita do Senhor. Contudo, se nos portamos como os Macabeus, enquanto ao combate, não obstante, infelizmente, no modo e na intenção, muitas vezes, nos assemelhamos aos fariseus. Quantos de nós olham com desdém àqueles que não tiveram a graça que, sim, nós tivemos de conhecer, de compreender a Crise da Igreja, e encontrar a verdadeira doutrina, a Missa de Sempre? Quantos de nós não julgamos com severidade aos que erram fora do redil da Igreja, sem sequer oferecer uma pequena oração, um pequeno sacrifício pela sua conversão. Constatar o erro de outrem é algo que está ao alcance de todos. Agora, ajudar-lhe a solucionar, a corrigir o seu erro, a converter-se, eis aqui o segredo dos sábios, o segredo dos santos.
O Doutor Angélico, perguntando-se se devemos amar aos pecadores com caridade, responde assim: “ Santo Agostinho ensina que quando se diz: “Amarás o teu próximo”, é claro que se deve considerar todo homem como próximo. Ora, os pecadores não deixam de ser homens, pois o pecado não destrói a natureza. Logo, os pecadores devem ser amados com caridade. Ademais, duas coisas, podemos considerar no pecador: a natureza e a culpa. Pela natureza, que receberam de Deus, são capazes da Bem-aventurança, na participação da qual se funda a caridade, como já dissemos. E portanto, considerada a natureza deles, devem ser amados com caridade. Mas a culpa dos mesmos é contrária a Deus e é um obstáculo à caridade. Por onde, pela culpa com que se opõem a Deus, todos os pecadores são dignos de ódio, mesmo que sejam nossos pais, mães e parentes, como diz o Evangelho. Assim, pois, devemos odiar nos pecadores o serem tais, e amá-los como homens, capazes da felicidade. E isto é amá-las verdadeiramente com caridade, por amor de Deus”(IIaIIae,q.25, a.6, ad corpus).
Nosso Senhor Jesus Cristo termina este ensinamento, dizendo assim: “Digo-vos que, do mesmo modo, haverá maior júbilo no céu por um pecador que fizer penitência, que por noventa e nove justos que não têm necessidade de penitência”. E São Gregório Magno explica assim estas palavras de Nosso Senhor: “Declara o Senhor que haverá mais alegria no céu pela conversão dos pecadores que pela perseverança dos justos. Porque todos aqueles que não vivem sob o jugo do pecado, estão sempre no caminho da justiça, porém não desejam ardentemente a pátria celestial. E a maior parte anda preguiçosa nas práticas das boas obras, porque se crêem seguros por não ter cometido as culpas mais graves. Pelo contrário, aqueles que recordam ter cometido faltas, aflitos pela sua dor, se inflamam no amor de Dios. E como vêem que obraram mal respeito do Senhor, compensam os males primeros com os méritos conseguintes. Portanto, há maior alegria no céu. Como acontece nas batalhas que o capitão ama mais àquele soldado que depois de ter fugido volta e combate com mais ardor ao inimigo, que àquele que nunca lhe virou as costas, porém que nunca lutou com ardor. Assim, o lavrador estima mais aquela terra que depois de abrolhos produz ótimos frutos, que aquela que nunca produz nem espinhos nem fruto abundante. Porém, entre estas coisas se deve levar em conta que há muitos justos cuja vida causa tanta alegria que não pode preferir-se a ela nenhuma penitência. Daqui se deve deduzir que o Senhor goza muito quando o justo chora humildemente, porque lhe enche de alegria que o pecador condene o mal que fez pela penitência”.
[1] IIa IIae, q.30, a.1, ad corpus. [2] Lc.5,31-32