Oratório público do Morro da Providência (vê-se ao fundo, no centro da imagem, o morro do Corcovado, ainda sem o Cristo). O oratório continua de pé. (foto de Augusto Malta)
Fonte: Boletim Permanencia
A idéia de religião como “foro íntimo” é algo novo, produto do individualismo moderno. É a porta de entrada do liberalismo religioso. Desse patamar liberal à anti-religiosidade a distância é tênue, ou melhor, não há diferença.
Na segunda feira, dia 4, o jornal O Globo noticiou que o Ministério Público entrou com uma ação para obrigar a prefeitura do Rio de Janeiro a remover todos os oratórios construídos em praças públicas da cidade a partir de 1988.
O pomo da discórdia é o oratório construído em 2017, que fica na Praça Milton Campos, no Leblon, erigido em comemoração aos 300 anos do encontro da imagem milagrosa de Nossa Senhora Aparecida, no Rio Paraíba.
A alegação do MP é a de proteção da laicidade do Estado. Em defesa, a diretoria jurídica da Arquidiocese classificou a medida como um “grave caso de intolerância religiosa”.
Mas o que está por trás dessa ação do MP?
O que está no fundo dessa questão, sob o argumento de “laicidade”, é a idéia de que a religião é tema de “foro íntimo”, tão somente privado, e que todo ambiente público deve ser “laico”.
E o que é laico? Refere-se ao esvaziamento da religião, à promoção da saída da religião do eixo da vida social. Em suma, a idéia de laicidade preconiza que tudo aquilo que estiver ao alcance da coisa pública deve ser mantido fora da dimensão religiosa. O Estado laico se propõe como um ente que atua para manter uma suposta indiferença pública quanto as crenças espirituais da população e, portanto, arroga-se fiscal da manutenção de uma suposta “neutralidade”. O exercício da laicidade por parte do Estado não se resume a uma posição de indiferença ou tolerância, na verdade acaba por se tornar uma ação de negação da religião.
A natureza da religião católica é pública; ela não é algo esotérico, para uns poucos iluminados, mas sim a doutrina e o culto universais; a Revelação, a verdade do Verbo Encarnado, deve ser espraiada, e não escondida. A desconsideração desse aspecto central já significa um aviltamento da religião pelo Estado. Até porque um oratório não é uma mera simbologia, nem algo etéreo, mas sim matéria viva de fé.
Se na teoria o “Estado laico” já é um absurdo, um atentado contra a única religião verdadeira, na prática o pressuposto da “neutralidade” é falso. Uma vez que o interesse público estatal deve ser relativo ao que o público, e se o público em sua maioria é católico, não faz sentido que o Estado atue nessa empreitada laicista.
Quer dizer então que a instituição pública deveria representar todas as religiões, com obras públicas? Um católico de pronto prova que não. Porém, é certo que há muito já não estamos num Estado, tampouco numa sociedade católica. Dadas estas circunstâncias, e a mentalidade predominantemente liberal e indiferentista que nos circunda, a saída mais prudente parece ser a de sustentar, perante o Estado, que ele deve respeitar certa primazia do interesse da iniciativa comunitária, do envolvimento das pessoas ― como foi o caso da construção dos oratórios no Rio de Janeiro.
Um reforço no argumento de defesa dos oratórios pode partir ainda do aspecto cultural, do patrimônio, da memória histórica. O Brasil, como reino separado de Portugal, nasce no Rio de Janeiro, clamando antes de mais nada a “Santa Religião” católica ― aqui entre aspas porque foi aclamada exatamente nestes termos, no primeiro “Viva” dado no “Ato da aclamação do senhor D. Pedro imperador constitucional do Brasil, e seu perpétuo defensor”, em 12 de outubro de 1822.
O catolicismo, que fundou o Brasil na primeira Missa, é também a primeira pedra de base da sua construção como nação independente, e sua marca faz parte da história, da memória e do patrimônio do Rio de Janeiro. Dos oratórios antigos, do Rio colonial, poucos restaram. Um deles é o que fica na Rua do Carmo, 38 ― o oratório de Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança.
Por outro lado, a ação do MP é contra os oratórios mais recentes, de 1988 para cá. Neste sentido a defesa desses monumentos religiosos deve ser feita contra uma imposição, ou ainda, contra uma perseguição. Na medida em que o MP se advoga defensor da sociedade, conclamando o “Estado laico”, impõe uma negação ao caráter público, e até mesmo comunitário, da religião católica.
E faz algo ainda pior e mais pernicioso: insiste na tese de que religião é estritamente algo de “foro íntimo”, para que esteja ausente da vida pública. Conseqüentemente, a suposta proteção da laicidade se transforma numa clara forma de perseguição religiosa.