Fonte: SSPX USA – Tradução anônima
por Nicolas Dehan
LEIA TAMBÉM: A OPUS DEI, VISTA POR RUBÉN CALDERÓN BOUCHET
Em 17 de maio de 1992, uma cerimônia grandiosa na Praça de São Pedro, em Roma, revelou ao mundo o nome de um homem e de sua obra que até então eram praticamente desconhecidos do público em geral.
Diante de 46 cardeais, 300 bispos e 300.000 peregrinos, João Paulo II celebrou a missa de beatificação de Josemaria Escrivá de Balaguer, o fundador do Opus Dei.
Essa “obra de Deus” tem trabalhado discretamente por mais de sessenta anos, tão discretamente que alguns de seus oponentes a descreveram como maçonaria clerical.
Josemaria Escrivá, que morreu em 1975, subiu do altar com uma velocidade surpreendente: 17 anos. A mídia, é claro, aproveitou o sensacionalismo do evento, pois trata-se de algo raramente visto na história da Igreja, quando se considera o tempo que levou — 170 anos — para definir as virtudes heroicas de um apóstolo genuíno para as massas como Louis-Marie Grignion de Montfort.
A lógica nos leva a crer que uma necessidade justificou a introdução urgente da causa e a aceleração do processo de beatificação, que foi aberto em 1981, seis anos após sua morte.
Durante os anos do julgamento, o Opus Dei, que não tinha presença na mídia, de acordo com seu princípio de discrição, cooptou seus afiliados nos círculos intelectuais e profissionais e enviou um “boletim informativo” anual a executivos selecionados. Essa publicação privada exalta a profunda vida interior e o apostolado desse padre espanhol, lista e comenta seu trabalho escrito e social, informa sobre o andamento de seu caso no Tribunal de Roma e dá uma breve visão geral da expressão e das realizações internacionais do Opus Dei. Não é muito, mas é o suficiente para despertar e prender a atenção de qualquer pessoa curiosa ou interessada na restauração de uma ordem social baseada em fundamentos espirituais.
Nada do que está escrito nesta publicação dá qualquer razão para suspeitar de um desvio do ensinamento tradicional da Igreja. Os leitores que são fiéis a esse ensinamento podem, portanto, ficar confiantes. É também uma reminiscência para aqueles que conheceram o apostolado e o trabalho do Reverendo Padre Vallet, outro sacerdote espanhol, algumas décadas antes.
Essas informações nos levam a comparar essas duas obras e a tirar duas conclusões:
1 – Uma semelhança, pelo menos aparente, no estilo de apostolado entre o trabalho do Reverendo Padre Vallet, fundado em 1922, e o do Padre Escrivá, em 1928.
2 – Uma coincidência de datas entre a supressão da obra do Padre Vallet, sua expulsão da Espanha por ordem da hierarquia, e o nascimento da outra, a do Padre Escrivá, com poucas semanas de diferença no mesmo ano de 1928 e apoiada pela mesma hierarquia.
O grande silêncio mantido pela Igreja sobre o trabalho missionário e social do jesuíta Francisco de Paula Vallet e a grande discrição que cercou, por muitos anos, o do padre Josemaria Escrivá provavelmente despertam a curiosidade e nos incentivam a levantar o véu, buscando qualquer documentação sobre esses trabalhos.
Vamos começar com aquela que a Igreja conciliar exalta hoje.
Histórico
A história do Opus Dei foi investigada por vários estudos espanhóis, italianos, alemães e franceses. Iniciaremos nossa investigação com a primeira obra francesa dirigida ao público, escrita por um membro do Opus Dei, recomendada por seu Boletim Informativo, e intitulada O Opus Dei.[1] O autor, Dominique Le Tourneau, que é doutor em direito canônico e formado em economia, esboça um retrato elogioso de 120 páginas do Fundador e uma exposição idealizada da espiritualidade da Obra. Trata-se de um balanço da obra do Opus Dei e dos seus frutos. O livro recebeu o Nihil obstat e o Imprimatur da Arquidiocese de Paris.
O primeiro capítulo é dedicado à trajetória e à vida de Josemaria Escriva, o fundador: nascido em 1902 em Barbastro (Aragão, Espanha), revela-se um piedoso precoce, mas também uma pessoa doce e generosa que, aos 16 anos, abandonou a ideia de ser arquiteto para ingressar no seminário.
Em 1922, o Arcebispo de Saragoça, Espanha, nomeou-o superior do seminário; ele tinha 20 anos. Aos 23 anos, foi ordenado sacerdote. Em 1927, Na cidade de Madri, preparou-se para o doutorado em direito civil, ao mesmo tempo que se dedicava a uma intensa obra de caridade junto aos doentes, pobres e crianças abandonadas. Durante um retiro em 1928, o Pe. Escrivá “‘viu’ — esse é o termo que ele usou mais tarde — o que Deus esperava dele. Viu que Nosso Senhor lhe pedia que dedicasse todas as suas energias à realização daquilo que viria a ser o Opus Dei, que exortasse os homens em todas as obras da vida — começando pelos universitários para depois chegar a todos os homens — a responder a uma determinada vocação para buscar a santidade e realizar apostolados no meio do mundo, através do exercício de sua profissão ou ofícios, sem mudança de estado”.[2]
O Pe. Escrivá tinha apenas 26 anos quando a Obra foi criada. Ele tinha muito desejo de ação, pouca experiência, mas: “Plenamente consciente do espírito, objetivos, meios e fins do Opus, o bispo de Madri encorajou o Fundador desde o início e abençoou sua obra.”[3]
Este é o mesmo bispo que, mais tarde, em junho de 1944, ordenaria os três primeiros padres da Obra, todos leigos do Opus Dei. Os discípulos de Escrivá dizem que ele foi “inspirado por Deus”; outros achavam que ele era “delegado pela hierarquia”.
O padre pregava retiros, recrutava membros e organizava sua Obra. Ele escolheu seus sacerdotes para a Obra entre seus discípulos. Disse de ter visto claramente, ao celebrar a Missa de 14 de fevereiro de 1943, a solução canônica: a ordenação dos membros leigos do Opus. “Naquele momento, nasceu a sociedade sacerdotal da Santa Cruz, representando na Igreja um novo fenômeno pastoral e jurídico: a ordenação de homens com títulos universitários e que exercem uma profissão…”[4]
Em 1946, Pe. Escrivá mudou-se para Roma, foi nomeado Prelado Doméstico por Sua Santidade em 1947 e recebeu várias nomeações: membro da Pontifícia Academia de Teologia; consultor da Congregação dos Seminários, etc. Ele percorreu o mundo, pregou sua doutrina, “santidade pelo trabalho”, e morreu repentinamente, em Roma, em 26 de junho de 1975.
Através da leitura das edições do Boletim Informativo[5], o leitor desenvolve uma crença insuspeita no Opus, uma vez que cada edição relata o impressionante registro da disseminação mundial da “doutrina de Mons. Escrivá”, particularmente através do Caminho, sua única obra publicada em vida. Publicação feita pela primeira vez em Valência, Espanha, em 1934, Caminho é a verdadeira regra do Opus Dei. Sob o título Consideracões espirituais, a primeira edição de Caminho apareceu em 1934. Desde então, 250 edições foram publicadas em 39 idiomas, com uma tiragem próxima dos quatro milhões de exemplares.
A espiritualidade do Opus Dei: a santificação pelo trabalho
“Em 2 de outubro de 1928, o Pe. Escrivá de Balaguer conhecia a vontade de Deus em todas as suas implicações (…) A luz recebida não era uma inspiração geral, mas uma iluminação precisa; ele sabia desde o início que A Obra não era humana, mas um grande empreendimento sobrenatural; (…) o fundador soube descrevê-la, apresentando a sua total novidade: todos os homens são chamados à santidade e ao apostolado, ‘sem sair do mundo, desde que se sobrenaturalize, antes de tudo, as realidades temporais em que estão imersos: trabalho profissional, família e responsabilidades sociais’”[6]
Se essa proposição não é falsa, é essencial saber interpretar esta frase: “Desde que sobrenaturalize as realidades temporais antes de tudo.”
“O que se formou foi um verdadeiro fenômeno pastoral”, escreve Dominique Le Tourneau. Na década de 1920, o vento era favorável às novidades, cujos ecos se encontravam em todos os escalões eclesiásticos. No início do século, o modernismo foi condenado, mas não neutralizado. Refugiando-se na clandestinidade, floresceu, promovendo um clima de retorno às novidades, ou de acolhida favorável a elas: mudança litúrgica, novidades pastorais e casamento da Igreja com o mundo.
O Opus Dei contraria dez séculos de Tradição
Um dos subtítulos do próximo capítulo, “A concepção religiosa”, é instrutivo:
“Na vida dos primeiros cristãos, o trabalho não era visto como algo ‘bom em si’ e, sobretudo, era considerado um meio ascético para combater o orgulho (…) Entre os Padres da Igreja, São João Crisóstomo, que dava muito atenção ao trabalho, foi o último dos grandes a falar da santificação da vida ordinária nos mesmos termos do Vaticano II. Depois dele, fica-se com a impressão de que o cristão comum não é chamado a viver plenamente o Evangelho. Isso prevaleceu até o século V; quanto ao apostolado, não parece fazer parte das obrigações do cristão. Na Regra de São Bento, é mais o mosteiro do que o monge que faz o apostolado!”[7]
Após esta citação, que inspira espanto e inquietação, o autor traça o horizonte para onde deseja conduzir o leitor:
“O surgimento das ordens mendicantes trouxe consigo uma ênfase na pregação, com monges pregadores viajando de cidade em cidade. Isso não implicava em nenhuma afirmação do valor do trabalho profissional. Ao contrário, parece sobretudo ter aumentado a distância dela… Os teólogos das ordens mendicantes não refletiram muito sobre a dimensão fundamental do trabalho; afirmaram a não obrigatoriedade do trabalho manual. Santo Tomás apresenta as ocupações seculares como obstáculo à contemplação. São Boaventura e outros expressam uma opinião semelhante. Algumas outras instituições mais diretamente presentes no mundo (ordens militares e guildas medievais) forneceram escassa preparação ascética e doutrinal favorável à consciência da necessidade de santificar o trabalho. Ao longo dos séculos subsequentes, a atenção foi desviada do trabalho. O autor de Imitação de Cristo julgava o trabalho ainda mais negativamente do que os Padres do Deserto. Mas a polaridade que eles erigiam entre trabalho e orgulho sofria uma distorção básica à medida que o trabalho era visto como um constrangimento ao esforço implicado na luta ascética. Esta é a concepção de Cisneros[8] em seu Exercitatório e de Santo Inácio de Loyola em seus Exercícios Espirituais.”[9]
O Opus Dei: Nova antena do liberalismo
Depois de ter descartado a tradição da Igreja, o Opus Dei expõe prudentemente o espírito da sua doutrina: A seguinte citação do teólogo do Opus Dei resume-o:
“Uma certa evolução positiva foi iniciada durante o Renascimento por alguns homens como Thomas More[10] e Erasmo[11] (…) Todavia a teologia católica do Renascimento e da época barroca[12] se deixa contaminar em parte por ideias de uma aristocracia que, por meio de um moralismo estreito e mal fundamentado, desprezava o trabalho manual…”[13]
Comparando a vocação religiosa nas ordens tradicionais com a vocação dos Opus, o autor cita o fundador:
“O caminho da vocação religiosa me parece abençoado e necessário na Igreja, mas não é meu, nem dos membros da Obra. Pode-se dizer de todos os que vêm à Obra que todos e cada um o fizeram com a condição expressa de não mudar de estado.”[14]
Para ser mais preciso, e usando o vocabulário agora oficial do progressismo:
“A diferença radical entre os dois pode ser expressa como movimentos em direções opostas. Alguém responde [ao chamado à vocação] de fora do mundo e se move em direção a ele, trazendo sua presença para ele: essa é a evolução do estado religioso. O outro é um ‘estar no mundo (…) parte desde o mundo. Tal é a espiritualidade secular do Opus Dei… Foi isso que fez o Cardeal Luciani, futuro Papa João Paulo I, dizer que enquanto São Francisco de Sales propunha uma espiritualidade para os leigos, Mons. Escrivá propõe uma nova espiritualidade leiga”[15]. Eis uma outra novidade!
Dominique Le Tourneau permanece impreciso quanto à espiritualidade do Opus, declarada inequivocamente leiga pelo papa efêmero. Um estudo espanhol de 30 páginas, escrito por um certo Juan Morales[16], completa de forma muito útil os documentos já estudados aqui. O autor baseia sua crítica em sete obras, todas publicadas pela Rialp[17], editora madrilenha do Opus. Em sua introdução, ele não hesita em escrever que o Opus Dei é “um verdadeiro cavalo de Tróia no coração da Igreja”. Através de seções extraídas de textos escritos por membros do Opus Dei e das citações do Pe. Escrivá citado pelos próprios autores, Morales demonstra que este tinha o espírito laico a tal ponto que baseava algumas de suas propostas em uma mentalidade fundamentalmente anticlerical.
Morales cita o livro de Peter Berglar, Opus Dei:
“Escrivá ficou feliz quando seus três primeiros padres foram ordenados, mas também ficou muito triste porque eles não permaneceram leigos.”[18]
Ele também cita Salvador Bernal em Monsenhor Escriva de Balaguer:
“Para nós, o sacerdócio é uma circunstância, um acidente, porque no seio da Obra a vocação dos sacerdotes e dos leigos é a mesma”[19].
Também, diz ele:
“[Quanto] ao modo como as obras apostólicas são organizadas pelo Opus Dei…, estas são planejadas e governadas a partir de uma mentalidade laical;… assim fazendo, elas não são confessionais.”[20]
Juan Morales relata a obra de outra autora do Opus Dei, Ana Sastre, em Tiempo de caminar, que, falando das características do Opus Dei, escreve:
“O clima de secularismo e de iniciativa pessoal fez com que o fundador fosse acusado de progressista, herege e louco.”[21]
Vasquez de la Prada, em El fundator del Opus Dei, diz a mesma coisa, reconhecendo que o espírito do Opus Dei outrora qualificado como inovador e herético, mas hoje é ratificado pelo Vaticano II. Ele escreve:
“Seu colaborador e sucessor [de Escrivá] — Mons. Alvaro del Portillo — [falecido recentemente] que é fiel ao Concílio e contribuiu para o seu desenvolvimento, fez este comentário: “Em muitas ocasiões durante a aprovação de documentos conciliares, legitimando-os ao falar com o fundador da do Opus Dei, repeti-lhe: ‘Parabéns: porque o que está na tua alma, e o que ensinaste infalivelmente desde 1929, foi proclamado solenemente pelo magistério da Igreja’”[22]
Vasquez acrescenta:
“Esta doutrina que trinta anos atrás teria sido considerada loucura e heresia foi investida de solenidade oficial.”
Essa é uma admissão sem verniz da sublevação da doutrina tradicional da Igreja. A nova doutrina do Opus Dei foi ratificada ontem pelo Concílio e hoje glorificada pela beatificação do fundador. Porque não somos tolos, devemos dizer que a beatificação é a integração dos princípios do Opus na doutrina da Igreja conciliar.
Os membros da Obra sabem e não têm escrúpulos sobre essa destruição da Tradição. No livro Estudios sobre camino, no capítulo intitulado “Uma Revolução Silenciosa”, José Miguel Ceja faz o seguinte comentário:
“A novidade dos ensinamentos de Mons. Escrivá consistia não só em ser uma nova forma de concretizar uma tarefa apostólica, mais ou menos semelhante à que, em tempos anteriores, a Igreja empreendia através do conceito e da práxis do apostolado…, [Antes], O Caminho representava uma novidade quase — e até não quase — escandalosa.”[23]
Sobre o “caminho” da fantasia, da utopia e da heresia
Com este subtítulo aludimos ao julgamento de Garrigou-Lagrange sobre a “nouvelle théologie”.
Voltemos à obra de Le Tourneau.
No parágrafo que discute os “grandes princípios” do Opus Dei sobre a santificação do trabalho, o autor cita Mons. Escriva:
“Com efeito, para nós, o trabalho é um meio específico de santidade. A nossa vida interior – contemplativa no meio da rua – encontra a sua fonte e o seu ímpeto nesta vida exterior da obra de cada um. Mons. Escrivá demonstra a chave da passagem em Gênesis (2:15) onde está escrito que o homem foi criado ut operaretur, para trabalhar.”[24]
Mais uma novidade! Esta interpretação bíblica não é da Igreja. Dom Calmet, Crampon e quase todos os exegetas traduzem este versículo 15 do capítulo 2 do Gênesis assim: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no Jardim das Delícias para cultivá-lo e cuidar dele.” Não, Deus não “criou o homem para trabalhar”, mas “para conhecê-lo, amá-lo, servi-lo e assim obter a felicidade no céu”, como sempre ensinou o catecismo.
Ao longo dos séculos, as várias ordens religiosas e espiritualidades dentro da Igreja perseguiram este objetivo singular por meios diversos. Certamente, o trabalho foi um, mas sem nunca ter sido erigido em valor absoluto, como se tenta ao longo das 130 páginas de sua codificação pelo Opus Dei:
“O trabalho profissional torna-se o pivô sobre o qual gira toda a tarefa da santificação. Foi isso que levou o Fundador do Opus a resumir a vida na terra dizendo que: é necessário santificar o trabalho, santificar-se no próprio trabalho e santificar os outros através do próprio trabalho.”[25]
Dominique Le Tourneau faz o possível para demonstrar que os meios de salvação e de santidade são a descoberta e a prerrogativa do Opus:
“A santidade não pode ser reservada a poucos privilegiados, nem aos que receberam o sacerdócio, nem àqueles cuja profissão religiosa os distingue do mundo. A mensagem do fundador do Opus Dei revela-se muito mais otimista e aberta. E quando foi proclamada, foi considerada até revolucionária: Todos os homens… podem e devem buscar a santidade, como afirmou o Concílio Vaticano II trinta anos depois.”[26]
Tivemos então que esperar pelo Pe. Escrivá e o Vaticano II para proclamar que a santidade não está reservada a poucos privilegiados? Esta é a pregação constante da Igreja, da Tradição, dos missionários e dos pregadores. Foi o que propuseram os fundadores das diversas obras da Ação Católica, muito antes de o mundo arrebatá-los. Bem antes de 1928, para facilitar e tornar a santificação disponível para todos, Pe. Vallet, fiel ao ensinamento papal, pregava a necessidade da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, também chamada de ordem social cristã.
O conselho de buscar a santidade não é nada revolucionário, e é perfeitamente tradicional no cristianismo. O que é revolucionário é o espírito modernista que o Opus Dei provoca ao infiltrar-se nas sociedades, como veremos adiante, para criar uma mentalidade laica, totalmente contrária à realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, mentalidade que é efetivamente a do Concílio Vaticano II.
Em um capítulo sobre liberdade, pluralismo e compreensão das opiniões alheias, Mons. Escrivá disse:
“Com a nossa bendita liberdade, o Opus Dei nunca poderá ser, na vida política de nenhum país, uma espécie de partido político. Há um lugar – e sempre haverá – no Opus Dei para todas as tendências que a consciência cristã pode admitir.”[27]
No exposto, há dois pontos questionáveis, discutíveis que são ilusórios, utópicos e equivocados:
- “O Opus Dei não é um tipo de partido político.” (Sim, é! E abaixo provaremos isso.)
- “…todas as tendências que a consciência cristã pode admitir”
Se a consciência foi era então definida pela moral natural como o “sentimento interior pelo qual o homem dá testemunho a si mesmo quanto ao bem e ao mal que faz” (Larousse), os ventos do liberalismo deformaram completamente essa ética além do reconhecimento. A consciência, ainda se dizendo cristã, seduzida pelo mundo, chega ao seu aggiornamento: agora é elástica e permissiva. Permite hoje o que era inadmissível ontem. Exemplos não faltam. Assim, o Opus dá um sentido muito amplo de consciência cristã ao admitir em suas fileiras e especialmente em suas “atividades de apostolado coletivo” homens de todas as tendências, de todas as religiões, até mesmo não crentes.
Le Tourneau afirma: “Para o Fundador, não existe solução católica para os vários problemas do mundo. Todas as soluções serão cristãs se respeitarem a lei natural e o ensinamento do Evangelho. Ele, portanto, não coloca a ênfase na materialidade da solução, mas no espírito que deve inspirá-la.”[28]
Essas frases são carregadas de significado, e poder de destruição. É necessário parar aqui. A solução católica é deixada de lado. Assim, a porta está aberta para todas as soluções, todas vagamente tingidas de religiosidade ecumênica.
Enquanto isso, os documentos pontifícios revelam a solução para a questão social, para os problemas do trabalho, para a ordem social, todos circulando nos primeiros anos do Opus Dei. As encíclicas Mens Nostra (20 de dezembro de 1929) e Quadragesimo Anno (15 de maio de 1931) são bastante específicas. A solução é católica. Por exemplo, o Papa Pio XI declara que os Exercícios Espirituais, em conjunto com os retiros, são meios adequados para resolver a questão social:
“Temos declarado que estes são muito úteis para todos os leigos, para os trabalhadores… Nesta escola do espírito é formado, pelo amor do coração de Jesus, não apenas excelentes cristãos, mas verdadeiros apóstolos para todos os estados de vida.”[29]
Perguntemos novamente: Por que, na época dessas claras diretrizes pontifícias, A obra do Pe. Vallet foi destruída, especialmente porque estava de acordo com esse ensinamento? A desintegração interna da Igreja havia começado. Os modernistas instalados na Cúria conseguiram cercar e derrotar os fiéis herdeiros de São Pio X, artífices da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O Pe. Vallet estava entre esses herdeiros fiéis e seu trabalho foi um excelente meio para “restaurar todas as coisas em Cristo”.
O trabalho incipiente do Padre de Balaguer tomou uma direção totalmente diferente ao ser impulsionado e protegido pelo Bispo Eijo y Garay. Encontramos esta direção definida no capítulo IV da nossa obra de referência, onde a sua natureza é apresentada no parágrafo quarto, sob o título “Obras corporativas de Apostolado”:
“[O apostolado dos próprios membros é antes de tudo] um apostolado pessoal de amizade e confiança. No entanto, os membros do Opus, juntando-se aos seus amigos, que podem ser não-católicos ou mesmo não-cristãos, por vezes estabelecem obras corporativas de apostolado. Estas são sempre de caráter profissional e civil, irradiam um espírito cristão e contribuem para a resolução dos problemas do mundo contemporâneo. Em todo o caso, essas obras nunca são obras oficiais, nem mesmo oficialmente católicas… Elas são realizadas e dirigidas com uma mentalidade laica.”[30]
Isso é aberrante! É a própria mentalidade apostólica condenada pelos Papas Pio X, Pio XI e Pio XII.
“Além disso”, continua Le Tourneau, “…essas atividades são abertas a homens e mulheres de todas as origens, sem discriminação de condição social, raça, religião ou ideologia. Isso vale tanto para os benfeitores da Obra, assim como para o seu pessoal administrativo… É na coexistência que a pessoa se forma.”[31]
Esse caráter profissional e civil entre pessoas de religiões e ideologias diferentes, com as mesmas competências ou mesmo negócio, ou na mesma associação, assemelha-se a uma organização baseada em interesses semelhantes, como um clube esportivo, uma trupe de teatro, mas em nada se assemelha uma obra apostólica. É verdadeiramente um tecido de contradições; é dessacralizar o apostolado, é a negação do apostolado, assim como a negação da propagação da fé, cuja missão é a conversão; é perverter o próprio sentido da palavra apostolado.
Em Conversas com Mons. Escriva de Balaguer, é espantoso ler: “Viva os estudantes de todas as religiões e de todas as ideologias”[32]. Ele (Monsenhor Escrivá) também diz no mesmo documento: “O pluralismo não é temido, mas amado como consequência legítima da liberdade pessoal”.
Essa paixão pela liberdade levou Escrivá a tornar interconfessional algumas das residências do Opus. Assim, a liberdade vem antes da verdade. A verdade é um obstáculo. Escrivá é realmente o precursor, a inspiração e o doutor da nova ordem mundial, cujo modelo de funcionamento vimos em Assis.
O Opus Dei é uma manifestação modernista contemporânea e, como tal, enquadra-se exatamente na sentença pronunciada contra o modernismo e reiterada pelo magistério, em particular pela encíclica de São Pio X, Pascendi Dominici Gregis, promulgada em 8 de setembro de 1907 e, mais precisamente, em sua Carta de 25 de agosto de 1910 sobre o Sillon, condenando essas utopias:
“Ao mesmo tempo alarmantes e tristes são a audácia e a superficialidade de espírito de homens que se dizem católicos, e que sonham em reformar a sociedade… com trabalhadores vindos de toda parte, de todas as religiões ou sem nenhuma, com ou sem crenças, desde que apenas renuncie ao que os divide… A Igreja, que nunca traiu a felicidade do povo fazendo alianças comprometedoras, não tem necessidade de se libertar do passado; basta retomar, com a ajuda dos verdadeiros operários da restauração social, os organismos dilacerados pela Revolução e adaptá-los, no mesmo espírito cristão que os inspirou, ao novo meio criado pelo desenvolvimento material da sociedade contemporânea. Pois os verdadeiros amigos do povo não são nem revolucionários nem inovadores, mas tradicionalistas.”
Existem numerosos textos do Opus Dei semelhantes aos do Sillon. Aqui estão alguns exemplos de nossos autores confiáveis:
- De Berglar: Quando, em 1950, o fundador finalmente obteve a permissão da Santa Sé para admitir na obra não-católicos e não-cristãos, como “cooperadores”, a família espiritual do Opus Dei estava completa.[33]
- De Vasquez: Foi algo inédito na história pastoral da Igreja, foi arrancar as fechaduras e escancarar as portas, integrando as almas dos benfeitores protestantes, cismáticos, judeus, muçulmanos e pagãos.[34]
Berglar, Vasquez, Sastre e outros dão detalhes sobre as relações muito amigáveis entre Escrivá e esses cooperadores de outras religiões, que eram ótimos intermediários financeiros para a Obra; já era em realidade um ecumenismo ativo e político. Essencialmente, e em todas as áreas, Escrivá foi um precursor.
Esta é a mentalidade e a conduta que Pio XI condenou em sua encíclica Mortalium Animos de 1928, onde se dirigia àqueles que:
“…começaram a trabalhar organizando congressos, reuniões, palestras, frequentadas por todos os tipos de pessoas, incrédulos de todos os tipos, e até mesmo aqueles que, infelizmente, rejeitaram a Cristo… Tais esforços não podem de forma alguma ser aprovados pelos católicos, pois eles pressupõem a teoria errônea de que todas as religiões são mais ou menos boas e louváveis… Verdadeiramente, os partidários dessa teoria não apenas se desviaram para o erro, mas perverteram a ideia da verdadeira religião, repudiando-a; e gradualmente caem no naturalismo e no ateísmo; (…) isso equivale a abandonar a religião revelada.”
No entanto, este é o caminho, “a espiritualidade que Mons. Escrivá expôs de forma inalterada desde 1928”[35], escreve Dominique Le Tourneau, que cita o Cardeal Poletti:
“É por isso que ele [Escriva] foi unanimemente reconhecido como um precursor do Concílio.”[36]
É realmente por isso que, tão rapidamente após a morte de Escrivá, ou seja, em 19 de fevereiro de 1981, sua causa de beatificação foi apresentada. Em 9 de abril de 1990 foi declarado “venerável” e em 17 de maio de 1992 foi beatificado. Somente um santo poderia cobrir e justificar os atos do Concílio, a fim de autenticá-los.
Uma avaliação de Mons. A vida interior e as virtudes de Escrivá não estão ao nosso alcance. Por outro lado, é perfeitamente legítimo questionar e refutar sua doutrina revolucionária. A virtude e a piedade podem não conferir automaticamente a ortodoxia doutrinária e pastoral.
A aprovação do Opus Dei — definitiva ou não?
Sem examinar o detalhe das críticas (do artigo de Nicolas Dehan—Ed.), algumas das quais são sólidas e outras nem tanto, deve-se observar que elas incidem fundamentalmente sobre a própria concepção da Obra pretendida por seu fundador, e expresso em suas publicações oficiais. Deve-se observar – como é apontado na p.139 (na versão original de Le Sel de la Terre) – que a Obra foi oficialmente aprovado pelo Papa Pio XII em 1947.
Ora, quaisquer que tenham sido as manobras de Mons. Montini (Papa Paulo VI), é teologicamente certo que a aprovação definitiva de uma fundação religiosa (e não há razão teológica para sustentar o contrário de um instituto secular) está coberta pela infalibilidade da Igreja… Carta de um leitor publicada em Le Sel de la Terre, nº 13.
Aqui está o comentário publicado no Le Sel de la Terre sobre os pontos levantados:
“É certo que a aprovação definitiva de uma ordem religiosa pelo Papa está coberta pela infalibilidade da Igreja. Esta doutrina não é de fé, mas é considerada certa”.
No entanto, é necessário entendê-lo corretamente.
A aprovação deve ser definitiva. Foi o que aconteceu com a aprovação de 1947? Não parece, pois ocorreram modificações em 1950 (se houve a aprovação definitiva dos estatutos, foi nesta data que foi dada); depois, em 1982, houve uma modificação significativa no estatuto jurídico do instituto.
Mas, sobretudo, a aprovação deve recair sobre uma ordem religiosa (cf. Zubizarreta, Theologia dogmatico-scholastica, Bilbao, 1947, vol. 1, p.420); pois a Igreja é então infalível porque usa os meios de santificação dados pelo próprio Nosso Senhor (a vida religiosa). No entanto, precisamente, o Opus Dei recusa-se a ser classificado como uma ordem religiosa e exige que seja reconhecido o seu caráter especial laico e secular.
Poder-se-ia apontar também que a infalibilidade da Igreja diz respeito apenas ao juízo doutrinário: esta ou aquela norma religiosa é apta a santificar; mas não diz respeito ao juízo prudencial: é prudente ou oportuno aceitar esta ordem religiosa (cf. Sacrae theologiae summa, B.A.C., vol. 1, 1962, p.724). Se, e tal não nos parece ser o caso, alguém demonstrasse que a infalibilidade da Igreja estava envolvida nesta questão, ainda assim seria livre para criticar o Opus Dei e exigir a sua supressão por razões de prudência (por exemplo, este instituto fomenta uma mentalidade liberal conciliar).
“…Para mantê-la (a Obra) e os membros do Opus Dei, há outros indivíduos que ajudam, alguns deles não são católicos e um grande número, um número muito grande, não são cristãos… (Mons. Escriva de Balaguer, Tiempo, p.615). Para os Papas João Paulo I e João Paulo II, o Opus Dei e seu fundador já eram fatos históricos objetivos que anunciavam o início de uma nova era do cristianismo (Opus Dei, Peter Berglar, Rialp, p. 243). É preciso contentar-se com o fim deste Concílio. Há trinta anos, neste mês, fui tratado como herege por ter pregado um certo espírito que agora é solenemente acolhido pelo Concílio na constituição dogmática De Ecclesia. Vê-se que mostramos o caminho, que rezaste muito. (Tiempo, p.486). Certamente tendes um grande ideal, porque, desde o início, ele (Pe. Escrivá) antecipou a teologia dos leigos que caracterizava a Igreja no Concílio e depois do Concílio (Alocução do Papa João Paulo II, 19 de agosto de 1979). A própria normalidade dos membros do Opus Dei – o facto de não parecerem, agirem ou falarem de forma diferente de qualquer outra pessoa (porque de facto não são diferentes) – não implica qualquer tipo de segredo. Mas embora os membros do Opus Dei não façam propaganda de sua filiação, também não a escondem. Como disse um deles: ‘Nunca escondemos o que somos ou o que fazemos, mas não carregamos um cartaz dizendo que somos bons cristãos ou queremos ser” (Cristãos comuns no mundo. O que é o Opus Dei? p.12).
Organização e vida interna da Obra
O Opus é organizado como uma ordem religiosa, composta sobretudo por padres e leigos. O ingresso no Opus é considerado uma vocação e há uma regra e votos,[37] embora os casados tenham outros diferentes.
Eis como nascem as vocações:
“Quando os membros do Opus Dei entram na profissão, iniciam o apostolado pessoal, fazem amigos, organizam bate-papos de formação em suas casas. [Que formação?] As vocações surgem e, pouco a pouco, forma-se um núcleo. Um padre do Opus Dei vem pregar… Logo, torna-se necessário encontrar um alojamento temporário e, eventualmente, um centro permanente. Assim, eles colocam em prática a recomendação do Fundador: ‘Você deve se espalhar, se espalhar pelo mundo através de todas as ocupações honestas dos homens; você deve se abrir em um leque.’”[38]
O número de vocações tem aumentado continuamente. Em 1989, o Opus Dei tinha 76.000 membros em 87 países. Na França, são cerca de 1.400 membros com dez centros em Paris e mais 15 provinciais. Ali foram criadas algumas “atividades corporativas”, ou seja, uma escola de formação hoteleira em Aisne (França), clubes juvenis, centros de reuniões, residências para empregados domésticos, etc.
Ao enfeitar suas ações com a palavra “apostolado”, o Opus Dei distorce o sentido geral do termo, entendido no catolicismo como a propagação da fé. Mas isso é exatamente o que ela não deseja, o que não faz e o que expressamente proíbe. Ela se contradiz quando diz: faça o trabalho da Igreja e não faça proselitismo. Mas a qual Igreja isso se refere? A Igreja ecumênica? Igreja de Deus? de Assis?
O Opus Dei é uma obra que se abre, como se descreve, em “um leque”. Isso é exatamente correto, pois está funcionando em todos os lugares. Possui uma prestigiosa universidade internacional, a Universidade de Navarra, em Pamplona, Espanha, criada em 1952, que possui faculdades de direito, medicina, filosofia, letras, farmácia, ciências, teologia, um instituto de línguas, escolas de arquitetura, economia e negócios, assim como uma escola de trabalho hospitalar, etc. Ao longo de 40 anos, 30.000 alunos concluíram seus estudos na Universidade de Navarra. Em 1988-1989, mais de 15.000 foram matriculados. Na Espanha, oito residências para alunos do ensino médio são anexas à universidade. Também faz parte da universidade sua clínica de 500 leitos. Em 1988, foram realizadas mais de 80.000 consultas e internados 12.000 pacientes.
Este é apenas um esboço do que foi feito na Espanha em nível universitário. Existem universidades semelhantes no Peru e na Colômbia. Não listaremos o quociente total das obras mundiais do Opus (América Latina, Austrália, Japão, etc.). Conhecer o escopo do Opus permite entender as razões de sua discrição, por que ela foi eficaz e os métodos de seu sucesso.
Recrutamento de membros
Isso é realizado principalmente nas universidades, escolas, campos esportivos, clubes e círculos dirigidos pela Obra, todos os quais, em teoria, são abertos a todos; esse trabalho é, de fato, realizado também nas camadas intelectuais e superiores da sociedade, entre jovens estudantes do ensino médio e superior, em grupos envolvidos em atividades acadêmicas, científicas, jurídicas, militares, médicas, financeiras, comerciais e políticas.
Filiação ao Opus Dei
Existem quatro graus de filiação:
- Numerários: A elite, que faz votos ou promessas de pobreza, castidade e obediência. Alguns vivem em comunidades e entregam suas receitas financeiras ao Opus, que cuida de suas necessidades. Numerários são sacerdotes e leigos.
- Associados: Eles fazem as mesmas promessas. Eles não são da mesma classe nem do mesmo nível intelectual dos numerários.
- Supernumerários: São os mais numerosos, muitos são casados. Suas promessas são menos restritivas.
- Cooperadores: Não fazem “votos”, mas participam de “obras apostólicas corporativas”. É possível que sejam não-cristãos.
Apesar de sua doutrina liberal, o Opus foi e é objeto de críticas e oposições de diversos pontos de vista. Tem sido tratada como Maçonaria clerical por causa de sua estrutura hierárquica e da grande discrição em torno das atividades de seus membros. Ele nega absolutamente isso. Os secularistas a classificam como de direita ou conservadora por causa da devoção e classe social de seus membros. Isso também é negado. Os tradicionalistas a definem como modernista.
A doutrina do Opus, sua posição autodenominada “revolucionária” e seu distanciamento dos princípios multisseculares professados pela Igreja, pelos Padres e pelos Doutores da Igreja, não impediram que muitos bispos espanhóis conhecidos como conservadores oferecessem seu apoio a Mons. Escrivá e sua Obra. Na década de 1970, entre eles estavam o arcebispo Gonzales Martin, primaz da hierarquia espanhola; Dom García Lahiguera, Arcebispo de Valência; ou Bispo Lopez Ortiz, Vigário das Forças Armadas. Outros, como o teólogo suíço progressista, Urs von Balthasar, os acusaram de perverter o Evangelho por meio do conformismo cego e do integrismo contemporâneo à teocracia.
Os críticos de ambos os extremos não os feriram; pelo contrário, fizeram deles beneficiários de uma reputação de moderação, de exemplificar o meio-termo, a conciliação e a coabitação. Em Roma, a Roma modernista, que cooperou sem cessar com o Opus Dei, é muito necessária uma tal posição de abertura – esse tipo de abertura que tenta satisfazer alguns, os progressistas, e tranquilizar outros, os conservadores – depois do fracasso e da desordem engendrado pelo Concílio.
O clero do Opus Dei é formado exclusivamente por sacerdotes que foram ex-membros leigos do Opus. Os sacerdotes respondem unicamente ao Prelado. Em agosto de 1982, João Paulo II constituiu o Opus como Prelazia Pessoal. A jurisdição da Prelazia abrange todos os membros do Opus em todo o mundo. O Prelado à época deste artigo é Sua Excelência Alvaro del Portillo, um dos primeiros colaboradores de Mons. Escrivá. (O Bispo Alvaro del Portillo faleceu em 23 de março de 1994. O Bispo Javier Echevarría foi eleito Prelado do Opus Dei em 21 de abril de 1994, após a morte do Bispo del Portillo e ficou até 2015; após ele assumiu Mons. Fernando Ocáriz em 2017) Portillo era engenheiro civil.
Em 1991, havia cerca de 1.400 padres no Opus. A título de exemplo, aqui estão alguns fatos sobre as ordenações:
- 1964: 22 membros do Opus foram ordenados em Madrid, Espanha. Entre eles estavam jornalistas, engenheiros e magistrados.
- 1969: 20, de dez países.
- 1971: 29 foram ordenados em Barcelona, Espanha, por Mons. González Marín. Entre eles estavam oficiais da marinha, engenheiros, arquitetos, advogados e professores universitários.
- 1973: Em Madrid, são ordenados 51 numerais espanhóis, franceses, ingleses e italianos.
No passado recente, cerca de 60 membros do Opus tiveram suas ordens sacerdotais conferidas pelas mais altas autoridades: cardeal Koenig, cardeal Oddi, cardeal Etchegaray e o Papa João Paulo II. Essa é a prova do grande e depois maior orgulho do lugar ocupado pelo Opus Dei na Igreja conciliar.
Os sacerdotes do Opus Dei estão todos agregados em
“…uma associação de clérigos que respondem às exortações do Vaticano II… Procuram promover a santidade sacerdotal e a plena submissão à hierarquia eclesiástica[39] da diocese onde foram incardinados. Esta é a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.”
A discrição e o mistério que envolvem o Opus Dei não permitem saber quem ou onde estão os seus membros mais importantes e influentes. O que é certo é que seu estoque é alto, em virtude das importantes posições sociais e políticas que ocupam em todos os países, nas capitais intelectuais e de ação do mundo, onde reinam os pensadores e os tecnocratas.
Sem poder afirmar sua pertença à Obra, pode-se pelo menos dizer que algumas pessoas são conhecidas por serem movidas pelo motor do Opus: Por exemplo, na França, há políticos como Maurice Schumann e Antoine Pinay; alguns membros da Academia, como Jean Guitton, e o professor Jean Roche do Instituto, reitor da Sorbonne, que foi nomeado doutor honoris causa pela Universidade de Navarra em 1967; e [já falecido—ed. francês] Professor Jerome Lejeune que em 1974 recebeu a mesma distinção de Mons. Escrivá de Balaguer.[40] (Nota de Dominus Est: No Brasil temos o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, notório membro da Obra, além do mais respeitado jurista vivo do país, Yves Gandra Martins, além do desembargador Ricardo Dip, e muitos outros membros notórios e professos da Obra)
O dia 2 de fevereiro de 1947 foi um grande dia para o Opus Dei. Roma publicou a constituição Provida Mater Ecclesia, estabelecendo as normas para a criação de institutos seculares; no dia 24 do mesmo mês, o Opus recebeu a aprovação como instituto secular.
Como o primeiro instituto secular, o Opus foi a primeira associação católica a cooperar com os não católicos e até mesmo com os não cristãos. Por que desse ato, contrário à doutrina, contrário ao pensamento e à vontade de Pio XII?
O que sabemos hoje dos arquivos que foram abertos e das revelações escritas por íntimos ou discípulos de Mons. Montini (o futuro Papa Paulo VI)[41], permite-nos responder a esta pergunta. Sabemos como o secretário de Estado substituto traiu as ações e decisões de seu superior, o Santo Padre. Como? Ao falsificar suas cartas (em particular, uma de 2 de dezembro de 1944, de Blondel); ao fornecer interpretações contrárias às diretrizes de Pio XII (em particular, à Humani Generis, em 1950); fazendo contatos, assim como alianças comprometedoras e escandalosas sem o conhecimento, mas em nome de Pio XII (entre outros, os acordos secretos Montini-Stalin de 1942).
Dado o comportamento desleal de J.B. Montini em tantas ocasiões agora conhecidas, não é improvável pensar, por exemplo, que a decisão de criar institutos seculares, dos quais o Opus foi o beneficiário imediato, foi extorquida de acordo com a prática usual do servidor desleal.
Sob Pio XII, quase 20 anos antes da “Revolução Francesa de 1789 na Igreja”, a doutrina imutável e tradicional da Igreja Católica já havia sido alterada pelo filtro de Mons. O Opus Dei de Escrivá, instrumento útil nas mãos de Mons. Montini por proselitismo, nas fileiras da elite internacional, a “nova teologia” condenada por Pio XII.
A doutrina do Opus Dei
Já observamos alguns dos aspectos doutrinários. Acima de tudo, a doutrina do Opus é transmitida oralmente aos seus membros. No entanto, está escrito para uso dos membros como um breviário, no Caminho, um compêndio de 999 máximas.
O Caminho exalta a dignidade da pessoa humana independentemente da religião. Em Estudios sobre camino[42], O sucessor de Mons. Escrivá comenta:
“Esta dimensão humana do Caminho explica a capacidade, demonstrada pelo livro, de reunir as esperanças e aspirações de todos os homens e mulheres conscientes da própria dignidade, independentemente das suas convicções religiosas. [O Caminho] oferece ao leitor a inspiração para viver uma vida claramente mais humana e nobre.”
No mesmo documento, ele revela como se formava a doutrinação antes do Concílio. Embora oculta, essa doutrinação foi completa, indo muito além do quadro de iniciados do Opus:
“Naquela época, O Caminho preparou milhões de pessoas para entrar em harmonia e absorver, em um nível profundo, alguns dos ensinamentos mais revolucionários que trinta anos depois seriam promulgados solenemente pela Igreja no Vaticano II.”
Assim se revela uma privilegiada missão revolucionária, posteriormente integrada pela Igreja modernista. Isso resume o pensamento muito eficaz do Pai do Opus sobre a autodestruição da Igreja.
Peter Berglar, citado anteriormente aqui, relata algumas coisas muito importantes que promovem uma compreensão da enormidade da crise. Como propagandista do Opus Dei, Berglar escreve:
“Sabemos que Paulo VI utilizou o livro Caminho para a sua meditação pessoal. Também João XXIII disse ao seu secretário que ‘A Obra está destinada a abrir a Igreja a horizontes desconhecidos do apostolado universal’. Para os Papas João Paulo I e João Paulo II, o Opus Dei e seu Fundador já eram fatos históricos objetivos sobre os quais se baseava o início de uma nova época do cristianismo”.
O leitor de Caminho se engana porque, se o Opus exalta a mentalidade leiga, O Caminho sufoca os leigos:
“Máxima 61: Sempre que um leigo se coloca como árbitro da moralidade, ele frequentemente erra; leigos só podem ser discípulos; Máxima 941: Obediência, o caminho certo. Obediência cega ao seu superior, caminho da santidade. Obediência em seu apostolado, o único caminho: pois, em uma obra de Deus, o espírito deve ser obedecer ou partir”.
São princípios autoritários, de uso interno, que pesam fortemente na vida espiritual desses “religiosos-leigos”.
Comparemos essas máximas com algumas observações, entre muitas outras, destinadas ao consumo público, que dão amplo espaço à fantasia e aos maus hábitos em matéria de doutrina social. Ao fazê-lo, deduziremos o ilogismo tão típico do Opus Dei. Durante uma entrevista concedida a um jornalista americano, Mons. Escrivá declarou:
“A este respeito [as opiniões], a atitude dos dirigentes do Opus Dei é respeitar a liberdade de escolha na esfera temporal… Trata-se de expor as responsabilidades de cada membro e convidá-lo a assumi-las seguindo a sua consciência, fazendo-o com total liberdade.” [43]
O corpo da Doutrina Social da Igreja, especialmente rico enquanto ensinado por Pio XII, não parece ser fonte de conduta temporal para os membros do Opus. Nem sequer são levadas em consideração as diretrizes pontifícias da Igreja conciliar. Quando entrevistado no dia seguinte à beatificação, um porta-voz espanhol do Opus Dei [44] disse a um jornalista do Courrier de l’Ouest:
“Na Espanha, o Opus Dei sempre se recusou a participar oficialmente da campanha contra o aborto. Este não é o seu papel.”
Uma comparação entre certos princípios, escritos em um estilo ostensivamente tradicional, e as diretrizes subjacentes à organização de “trabalhos apostólicos corporativos” ressoam repetidamente com a contradição interna do Opus. Isso encoraja a visão de que ela tem duas faces, assim como encoraja alguns de seus adversários a dizerem: é uma Maçonaria.
Mais tarde, Mons. Escrivá foi acusado perante o Santo Ofício; no entanto, isso ocorreu depois que a Santa Sé deu sua aprovação definitiva ao Opus Dei[45]. Salvador Bernal também relata esse evento nos mesmos termos.[46]
Os protestos do Opus Dei não convenceram os mais informados.
Dominique Le Tourneau dedica um capítulo à liberdade definida e vivida do Opus Dei:
“Uma característica do espírito do Opus Dei muitas vezes abordada pelos seus porta-vozes, e sobre a qual o Fundador foi, infalivelmente, mais insistente, é a valorização da liberdade. Esse amor pela liberdade está intimamente relacionado com a mentalidade laica inerente ao Opus Dei, segundo a qual… de acordo com o seu estado de vida, cada membro age de acordo com a sua consciência bem formada, e aceita todas as consequências dos seus atos e decisões . Aprende não só a respeitar, mas a amar, num sentido positivo e prático, o verdadeiro pluralismo”.[47]
Assim se vê o contraste entre as máximas do Caminho e o caráter secreto imposto aos membros do Opus Dei por suas “constituições”. É esse contraste que fornece grandes quantidades de grãos para o moinho dos críticos do Opus. Essas constituições, cujos artigos foram necessariamente modificados desde a ereção do Opus Dei em Prelazia Pessoal em 1982, são a carta regente da Obra. Escrito em latim, segue uma tradução dos artigos mais probatórios:
“Artigo 189: Para cumprir o seu fim da forma mais eficiente possível, o instituto, à medida que deseja ser oculto, occultum vivere, também se abstém de participar dos atos corporativos… Dada a natureza do instituto, que não é adequado para aparecer externamente como uma sociedade, seus membros não participarão coletivamente de certos atos públicos de culto, como procissões. Artigo 190º: …O fato mesmo de ser membro do instituto impossibilita qualquer manifestação exterior; e não se deve revelar os nomes dos membros a estranhos; além disso, nossos membros não devem falar com pessoas de fora sobre. Artigo 191: …Que os membros numerários e supernumerários saibam que devem sempre guardar um prudente silêncio sobre os nomes dos outros [que estão] associados, e que nunca devem revelar a ninguém que eles próprios pertencem ao Opus Dei, nem mesmo por causa de um avanço percebido do instituto.”
Se a prudência é sempre um bem, tal sigilo é lícito para uma “obra de Deus” dirigida aos leigos? Tal sigilo é compatível com a missão apostólica? Aqui está uma conduta bastante distante do espírito da encíclica de Pio XI, Quas Primas, sobre a realeza universal de Cristo.
O estudo investigativo do manual de Dominique Le Tourneau, O Opus Dei, que acabamos de inventariar, deixa finalmente o leitor intrigado quanto a saber que página consultar para situar o Opus Dei, já que tantas são contraditórias. No entanto, parece que Le Tourneau pintou o verdadeiro retrato de duas cabeças desta obra.
E para aqueles que acabam de colocar o fundador da Obra no cume, fazemos a pergunta de São Pio X: “O que escondem aqueles que temem a luz e a verdade?”
Uma obra crítica sobre o Opus Dei[48], escrita por Arnaud de Lassus, faz um estudo comparativo, que ele chama de “as duas imagens do Opus Dei”. A primeira é sua identidade oficial, voltada para forasteiros; a segunda é a conduta realmente vivida dentro do Opus Dei. Citamos um exemplo retirado das comparações de De Lassus:
- 1ª imagem: O Opus Dei não exige votos nem promessas (Mons. Escrivá).
- 2ª imagem: Engajamento obrigatório na forma de votos (até 1982) e (desde 1982) obrigações contratuais, por exemplo, celibato para numerários e associados.
Uma vez que De Lassus lança luz sobre o perigo do “apostolado” enganoso do Opus Dei, citamos na íntegra essa parte do seu texto:
“Há duas observações relacionadas com essas duas imagens do Opus Dei:
A segunda imagem, baseada nos textos constitucionais, corresponde necessariamente à realidade: a primeira, a mais dirigida ao público em geral, é apresentada por causa das aparências. É uma aparência de realidade. Assim, no Opus Dei encontra-se um contraste entre aparência e realidade, característica que constitui uma das marcas patentemente distintivas de um grande número de instituições do mundo moderno. Como muitas famílias descobriram, isso resulta em um mal-entendido sobre a natureza do Opus Dei. Vendo o Opus Dei segundo a sua primeira imagem, essas famílias enviam os seus filhos para os seus clubes juvenis, residências estudantis, campos de esqui, etc., todos criados por iniciativas do Opus, e por ele também dirigidos. No entanto, as famílias não veem isso como tal. Alguns anos depois, eles percebem que seus filhos ingressaram em uma organização de natureza religiosa e fizeram ‘compromissos’. (De acordo com os estatutos, especificamente o artigo 20, do Opus Dei, as promessas podem ser feitas a partir dos 18 anos.) Esses clubes juvenis, residências estudantis, campos de esqui, todos serviram como instrumentos para recrutá-los para o Opus Dei. E é assim, pouco a pouco, que a segunda imagem do Opus lhes revela o seu rosto. Essas práticas de recrutamento, reveladas e denunciadas por famílias assim ludibriadas, corroboram revelações feitas por antigos numerários do Opus Dei, e publicadas em obras que lançam luz sobre o lado oculto do Opus Dei, por exemplo, ‘El Opus Dei: anexo a una historia’ de uma espanhola, Maria Angustias Moreno, e publicado pela Ediciones Textos, e ‘Das Opus Dei, eine Innenansicht’ (O Opus Dei: Uma visão interna) de Klaus Steigleder, um alemão. Revelando ainda mais métodos de traição, ambos os autores explicam como os numerários recrutam entre as famílias que ainda vivem os princípios tradicionais, porque o Opus Dei só quer no seu seio pessoas bem educadas; como os jovens são solicitados por meio de atividades saudáveis e legítimas, depois doutrinados, então levados totalmente para uma atmosfera oculta, e como, por fim, sem o conhecimento de seus pais, eles são amarrados pelos ‘compromissos’. No entanto, seus pais confiaram no Opus por causa do reconhecimento e do selo de aprovação dado a ele pela Igreja. E tudo isso é sancionado pel’O Pai’, a cabeça todo-poderosa e reverenciada.”
Uma operação necessária para a Igreja Conciliar
Em 1981, não eram essas graves e numerosas contradições, que já tinham vindo à tona, sobre a vida do Opus Dei, assim como essa doutrina errônea, essas quebras de confiança, tudo suficientemente conhecido pelos responsáveis pela iniciação da Causa de beatificação de Mons. Escrivá? Algumas incompatibilidades entre a crença de santidade do fundador e o espírito de alguns dos artigos constitucionais por ele escritos devem ter surgido. Tudo leva a acreditar que as modificações realizadas alguns meses depois, em 1982, foram feitas no interesse de fazer um ajuste necessário entre os princípios e os fatos. Operação esta, necessária, que foi realizada para não atrapalhar o bom andamento de sua causa.
Com a aprovação do Opus Dei pelo Bispo de Madrid em 1941 como uma “união piedosa”, foi impresso o selo secreto[49]. Como vimos, as “constituições” de 1950, compostas por 47 artigos, confirmaram o caráter secreto, e o Artigo 193 o esculpiu em pedra:
“Essas constituições, as instruções já promulgadas, e as que vierem a ser promulgadas no futuro, bem como os demais documentos relativos ao governo do instituto, não devem ser divulgadas; além disso, aqueles escritos em latim não devem ser traduzidos para o vernáculo sem a permissão do Pai.”
A severidade, o excesso e as contradições desses artigos constitucionais não aparecem nos quadros do Opus, nem são mencionados por eles no recrutamento de novos protegidos. Assim, em 1982, foi necessário modificar alguns artigos para reforçar a brecha entre aparência e realidade.
Com essa mudança na escrita, houve também uma mudança no espírito? Essas próprias constituições foram protegidas desde a primeira “fundação da obra…; elas devem ser consideradas sagradas, invioláveis, perpétuas”[50]. Corrigi-las não equivale a trair o Fundador? Mons. A. del Portillo, sucessor de Escrivá falecido recentemente, tratou expressamente destes assuntos:
“No entanto, a mudança é apenas – repito – em matéria jurídica, e nada do que é essencial no Opus Dei foi modificado. Quero afirmar que demos um passo muito importante.”[51]
Exatamente o quê torna este um passo importante? Uma Prelazia? Mons. del Portillo não diz nada sobre isso. Dez anos depois, em sua homilia proferida durante uma Missa de ação de graças três dias após a beatificação, o cardeal Sebastiano Baggio, carmelenfo da Igreja, trataria e explicaria[52]:
“Para o Beato Josemaria Escrivá, a unidade com a Igreja não é algo externo, mas a própria essência de todos os apostolados autênticos. Um novo motivo de agradecimento a Deus chega-nos através do espírito desta unidade apostólica que, seguindo o caminho traçado pelo beato Josemaria Escrivá, uma Opus vivida com tanta intensidade desde a sua fundação. Uma unidade que encontrou a sua justa expressão institucional na ereção do Opus Dei na Prelatura Pessoal e que a ordenação do seu Prelado ao Episcopado serviu para demonstrar o quanto está ancorada na própria fonte da unidade apostólica; [pois] a colegialidade dos bispos — cum Petro et sub Petro — baseia-se na colegialidade dos apóstolos”.
O “fenômeno pastoral” do Opus Dei é herança dos apóstolos. Isso é o que tinha que ser dito para afirmar que foi feito por meio da autoridade apostólica.
Dez anos foram suficientes para que os artesãos mais zelosos reunissem os meios para tentar redecorar para o mundo o edifício da Igreja conciliar. No entanto, a operação não foi capaz de acabar com todas as contradições, distorções e abusos do Opus Dei. Aquele que inventou a doutrina: “O trabalho é o meio específico de onde brota a vida interior” foi glorificado até a Praça de São Pedro. Em sua homilia, João Paulo II sentiu logo a necessidade de elogiar o Beato (Escrivá) “que abriu novos horizontes apostólicos por meio da atividade evangélica e missionária”, e corrigir:
“Cristo convida o mundo inteiro a santificar-se na vida concreta de cada dia. Por isso, o trabalho é também meio de santificação pessoal e de apostolado quando se realiza em união com Jesus Cristo”.[53]
Essa ostentação não escapou à atenção de perspicazes observadores clérigos e leigos que, alicerçados na sã doutrina católica, não esqueceram o ensinamento de São Pio X: “Mantende sempre pura a doutrina”.
Aqui, ali e em outros lugares, o que deve ser entendido e conhecido foi relatado. Por exemplo, considere o seguinte, tão claramente expresso:
“Qualquer pessoa que conheça um pouco da história do Opus Dei e do seu papel na Igreja hoje pensará que se trata da beatificação do Opus Dei (…). É o Opus Dei que está em destaque aqui porque oferece às políticas da Santa Sé um contrapeso às fantasias dos modernistas (…). Os padres do Opus Dei (…) são os conservadores conciliares de que o Vaticano precisa para reequilibrar a Igreja, que em muitos lugares está a afundar-se na pior anarquia. Parece, portanto, óbvio que a beatificação do fundador do Opus Dei visa favorecer a ala conservadora e liberal do catolicismo conciliar (…). A Igreja que emergiu do Vaticano II precisava de um modelo”.[54]
O poder político e o papel do Opus Dei
É impossível terminar este breve estudo sem tratar do papel desempenhado pelo Opus Dei na política espanhola ao longo de mais de meio século.
Observamos que, desde o fim da Guerra Civil Espanhola, a penetração do Opus na elite do país continuou a progredir. Através dos seus suportes, métodos e meios, bem como através da psicologia dos seus dirigentes, o Opus Dei formou moral e intelectualmente, homens aptos a assumir todas as responsabilidades dentro da estrutura do Estado. Por causa de suas habilidades, esses homens normalmente ascenderam a cargos executivos em bancos, indústria e comércio, nas universidades, no sistema judicial e nas forças armadas.
Em suas esferas profissionais, esses homens aplicaram métodos ao seu trabalho que refletem os próprios métodos internos e característicos do Opus Dei. Eles se comprometeram. Na Espanha e em outros lugares, sua capacidade de liderar bem nos negócios, em outros lugares, resultou na obtenção de uma reputação legítima.
A documentação principal para esta seção sobre a Espanha não é encontrada nas fontes das livrarias do Opus. Como tal estudo exige objetividade, os livros utilizados são aqueles sobre a Espanha contemporânea e o regime de Franco. Os julgamentos neles formulados são por vezes tendenciosos, bem como tendenciosos em relação ao franquismo, à monarquia, ao Opus e ao catolicismo.
Duas obras merecem atenção[55], pois dedicam bastantes páginas a esse “caso”, que é único na história política e religiosa moderna. Além da análise dos dois autores, o principal interesse dessas obras reside em sua rica documentação: citações, reportagens investigativas, trechos de debates, discussões, estatísticas, decisões governamentais, etc.
Como pôde o Opus Dei, essa organização “religiosa” que nega o trabalho político, ter “dirigido” esse regime autoritário de forma tão profunda e radical? A gênese da história e seu desenvolvimento, com alguns pontos-chave, são instrutivos.
Em 1957, o General Franco formou seu sexto governo. Novos ministros entraram no governo, vários dos quais tinham reputação de tecnocratas; alguns pertenciam ao Opus Dei, que não era considerado apoiador do regime. Por quê? A razão parecia simples. Com a economia espanhola em situação difícil nas mãos de ministros do Movimento Nacional e da Falange, o Caudillo buscava homens eficazes; ele ouvira elogios aos méritos intelectuais e técnicos de vários homens que trouxera para o governo: Fernando Castiella nas Relações Exteriores, Alberto Ullastres no Comércio, Navarro Rubio nas Finanças e López Rodo na Secretaria-Geral da Presidência do Governo, que controlava o funcionamento de todos os ministérios.
Os quatro eram tecnocratas, os últimos três dos quais eram do Opus. Lopez Rodo é numerário do Opus Dei. Eles introduziram reformas e as colocaram rapidamente em funcionamento. Em dezembro de 1957, Foster Dulles, conselheiro e negociador dos Estados Unidos, foi recebido por Franco.
Quanto mais influente o Opus Dei se tornava, mais as ações da Falange declinavam e mais Franco entregava as rédeas aos liberais. Em fevereiro de 1953, dois grupos de “doutores” estrangeiros chegaram à Espanha, o primeiro da Organização Europeia de Cooperação Econômica (EOEC) e o segundo financiado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os dois grupos apresentaram um “plano de estabilização” e prometeram que a sua aceitação traria todo o tipo de vantagens: a Peseta [moeda em curso] seria estabilizada; o governo americano e os bancos dos EUA, FMI e EOEC forneceriam ajuda. Solidamente apoiado pelos economistas do Opus, o plano foi oficialmente aceito pelo governo em julho de 1959. Em dezembro, Eisenhower chegou a Madri.
Imediatamente, a Espanha tornou-se um membro associado ativo da EOEC. A taxa de câmbio da peseta passou de 40 para 60 em relação ao dólar americano. Com sua nova taxa de câmbio, a Peseta tornou-se uma das moedas mais fortes do mundo. O déficit de US$ 50 milhões em 1958 transformou-se, em 1959, em um superávit de US$ 80 milhões. Os mercados estavam prosperando, mas os especuladores desistiram. Empresários foram arruinados, dezenas de milhares de trabalhadores foram reduzidos ao desemprego, resultando em conflitos trabalhistas na região industrial das Astúrias.
A situação exigia um homem voltado para o futuro. Em 20 de julho, o liberal López Bravo, engenheiro naval de 39 anos e membro do Opus, foi nomeado ministro da Indústria. Entrando com ele no governo, para o Ministério da Informação e Turismo, estava Fraga Iribarne, que não estava no Opus, e que mais tarde teria um papel importante contra o Opus.
Com efeito, o Opus Dei não é um partido político. Em termos de composição oficial do governo espanhol, a Opus não é participante. Em vez disso, são os homens do Opus que o são.
Assim como a Maçonaria afirma solenemente não dar ordens políticas, são os homens do Opus que influenciam, efetuam e fornecem políticas. E por trás de seu ímpeto está esse espírito tão alinhado com a doutrina do Opus. Os métodos do Opus invadiram os ministérios, onde os ministros cooptam e colocam a seus serviços esses homens cultos, competentes, numerosos, prontos para servir, tão bem treinados na Universidade de Navarra. Nada é mais humano, nada mais natural. Mas por que nos defender disso? Já que é óbvio!
Para a última reorganização do governo, Franco nomeou Lopez Rodo, o discreto mas importante e brilhante membro do Opus, como Comissário do Plano Quadrienal. Dezenas de especialistas entre seus amigos apoiaram totalmente essa nomeação. Lopez Rodo estabeleceu uma verdadeira enciclopédia, em 31 volumes, sobre desenvolvimento econômico e social.
Os tecnocratas, movidos e fascinados pela produtividade e pelo sucesso material a qualquer preço – bens do espírito socialista – sacrificaram a parte espiritual elevada, nobre do indivíduo para obter o sucesso. Eles convocaram os especialistas em relações exteriores internacionais, os políticos globalistas. A Espanha, que por 20 anos, pelo menos oficialmente por lei, havia sido preservada da corrupção moral e da propaganda subversiva, abriu amplamente suas fronteiras para deixar o dinheiro entrar.
Os tecnocratas encorajaram os espanhóis a expatriarem-se para os mercados de trabalho de países prósperos: França, Alemanha, Inglaterra. A fuga de capitais “para fora do país” foi muito importante e muito útil para a economia da Península. A receita mais bruta de retorno foi a migração reversa, especialmente na forma de um aumento considerável do comércio via turismo a partir de 1961 e, em 1964, atingindo o nível de 14 milhões de turistas estrangeiros, ou quase metade da população da Espanha. Essas hordas ocidentais arrecadaram US$ 1 bilhão, e os bônus eram shows e exibições indecentes, bem como o fermento da corrupção do “liberalismo avançado”. Como a Espanha realmente lucrou com tudo isso?
Nos anos seguintes, os tecnocratas cristãos buscaram a atualização de seu projeto materialista. Em outubro de 1968, Franco recebeu Henry Kissinger, o judeu alemão que se tornou cidadão americano e conselheiro político em Washington.
Em apenas dez anos, graças aos esforços dos homens do Opus, a Península Ibérica floresceu economicamente. A filosofia do trabalho, tão cara ao Opus, deu seus frutos materiais. Mas “santificar os outros pelo trabalho”?, “santificar-se pelo trabalho”?, “santificar o trabalho”? A Espanha ganhou a santificação com isso?
Em agosto de 1969, um grande escândalo atingiu a Espanha. Tratava-se de um importante conglomerado industrial: Maquinaria textil del norte (MATESA). Fundada em 1956, na capital do Opus em Pamplona, essa empresa especializou-se na fabricação de teares têxteis sob licença francesa. O chefe da MATESA era Juan Vila Reyes, membro do Opus. A imprensa apresentou a MATESA como um modelo de dinamismo comercial. Reyes era um velho amigo de Rodo, o comissário do governo para o Desenvolvimento Econômico.
Algumas irregularidades financeiras não escaparam à fiscalização. Cinco milhões de Pesetas saíram da Espanha e outras dezenas de milhões sem ligação à fabricação de teares foram subsidiar entidades como a Universidade de Navarra e o Instituto de Pós-Graduação Empresarial de Barcelona, ambos criados e dirigidos pelo Opus Dei. Esse império comercial de 75 subsidiárias espanholas, tanto no exterior quanto na Europa, desmoronou.
O escândalo foi causado pelo desvio de dinheiro público, um crime de contravenção. De 1959 a 1969, a MATESA recebeu subsídios estatais à exportação de 10 milhões de Pesetas do Banco de Credito Industrial. Em princípio, esse dinheiro era para exportação de teares, mas as máquinas nunca saíram da Espanha ou foram colocadas em armazéns de subsidiárias estrangeiras. Graças às entregas falsas, novos subsídios governamentais foram alocados em nome do slogan tecnocrata momentâneo, “exportação”.
Numa estranha coincidência, os ministros da Fazenda e do Comércio e o chefe do Banco da Espanha, Navarro Rubio, estavam todos no Opus. Muitos foram implicados.
Fraga Iribarne, o Ministro da Informação, lucrou com a situação. Para apaziguar seus amigos ministros nacionalistas, ele fez com que a imprensa falangista e monarquista orquestrasse uma campanha contra o Opus. Essa campanha não apontava expressamente para “A Obra”, mas sim para os “tecnocratas”. A campanha atacou a reputação do governo.
Franco acusou Iribarne de prejudicar o prestígio da Espanha ao explorar “o caso MATESA” para fins partidários. Em 29 de outubro de 1969, Franco formou seu nono governo, incentivado a fazê-lo por Lopez Rodo e pelo almirante Carrero Blanco. Os nacionalistas foram novamente excluídos. Entre eles estava Iribarne, que renunciou ao ministério para um ex-embaixador do Vaticano, Sanchez Bella, que também fazia parte dos círculos do Opus. Oito membros do Opus entraram no governo. O escândalo MATESA serviu apenas aos franquistas. Que ironia da história isso foi.
Como se diz que o sucesso se obtém dando a César o que é de César, o Opus Dei triunfou. No verão de 1969, já havia saído com uma grande vitória. Em 22 de julho, os ministros “tecnocratas”, os principais artífices da “Operação Príncipe”, ouviram Franco designar Juan Carlos para seu sucessor como chefe de Estado nas Cortes [Parlamento espanhol]. No dia seguinte, Juan Carlos prestou juramento e foi empossado.
Certamente o Opus na Espanha não tem mais poder do que os partidos políticos; mas o deles é um poder que nunca precisou de partidos. O liberalismo ganhou terreno. Em 21 de dezembro de 1969, o ministro Lopez Bravo estava em Moscou, onde assinou acordos. Bem antes da morte de Franco, o caminho estava aberto para o socialismo.
Durante 25 anos, o Opus Dei desempenhou um papel importante na política espanhola e mundial. Sua espiritualidade desconcertante e sua doutrina socialista avançaram. Eles contribuíram para o estabelecimento da Nova Ordem Mundial, não para a restauração do reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Em contraste, uma obra missionária encerrada
A obra do Pe. Vallet pode ser comparada à do Pe. Escrivá no que diz respeito à semelhança de seu campo de atuação, sua “clientela”, o período em que surgiram e seu desejo de transformar a sociedade. A comparação para por aí. Essencialmente, o interesse básico da comparação reside no destino das duas obras e nos julgamentos diametralmente opostos pronunciados sobre seus dois fundadores.
Se a doutrina e a obra do Pe. Escrivá são difíceis de definir por falta de clareza, o espírito e a obra do Rev. Pe. Francisco de Paula Vallet são muito simples de descrever. A doutrina de Pe. Vallet é inequívoca, e não se opõe a séculos de apostolado da Igreja. Na verdade, é seu herdeiro. Ele é direto. É como um canal fluente da doutrina tradicional da Igreja, um canal sem comportas nem túneis. Não contém nenhuma contradição entre o pensamento do Pai e sua ação. Colhidos os primeiros frutos da Nova Ordem Mundial (sim, isso mesmo), combateu-os com sua excepcional energia, opondo-se-lhes incansavelmente com a doutrina da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, tal como definida pelo magistério da Igreja.
Quem era esse padre que, no final do século, é tão pouco conhecido?[56] Espanhol, nascido em Barcelona em 1894 em uma família de trabalhadores qualificados, Francisco de Paula Vallet frequentou a universidade, depois passou para a escola de engenharia. Como intelectual, interessava-se tanto pelas ciências quanto pelas artes e letras; ele escreveu e pintou. Seus amigos eram cientistas, escritores, artistas; teve uma vida repleta de atividades, quase todas longe das preocupações espirituais. Mas uma vida social dedicada a ser interessante, conformista e mundano, o deixou se sentindo enganado. Ele fugiu da cidade e, providencialmente, encontrou-se em Manresa, onde Inácio de Loyola, como Paulo, foi derrubado do cavalo. Ele “fez” os famosos Exercícios Espirituais. Tudo mudou para ele; ele descobriu o plano divino para a criação, o homem e a sociedade.
Ele deixou o mundo para se preparar para conquistá-lo. Aos 24 anos, ingressou no noviciado da Companhia de Jesus em Gandia, na Espanha. Ele era um apaixonado pelas ciências sagradas. Explorando as imensas possibilidades dos Exercícios Espirituais como forma de conduzir as almas a Deus através da vida interior, descobriu seu poder de transformar a família, mas também a vida social e política.
O Pe. Francisco de Paula Vallet estava convencido de que esse fermento divino, até então reservado aos religiosos e a alguns poucos privilegiados, deveria ser posto a serviço de todos, não só dos católicos, mas também, e sobretudo, dos mais necessitados, os indiferentes e incrédulos, para conduzi-los à Fé, ao cumprimento dos Mandamentos, ao caminho da salvação traçado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim definia o apostolado, como a Igreja sempre o definiu de forma única e verdadeira.
Para ele, não havia nada que precisasse ser fabricado ou inventado. Em vez disso, ele teve apenas de, profundamente, cultivar, semear e colher o campo de Nosso Senhor dentro das estruturas existentes da Igreja. Inspirado na história dos retiros populares extraordinários e épicos do Pe. Muñoz da Colômbia, que transformou todas as classes da sociedade e estabeleceu o regime social de Cristo Rei, o noviço Francisco de Paula Vallet lançou-se totalmente na tarefa de obter permissão para aplicar imediatamente essa terapia espiritual na Espanha. Ele recrutou toda a região espanhola de Valência; ele, o irmão simples, ajudado por alguns padres noviços, pregando os Exercícios, nas condições sociais e materiais mais precárias daquela época. Sua pregação era dirigida exclusivamente aos homens: chefes de família e empresários e líderes sociais. Para torná-los acessíveis a todos, os Exercícios foram condensados em cinco dias. Os retiros cresceram e cresceram, tomando o país de assalto.
Ordenado sacerdote em 1920, Pe. Vallet voltou a Manresa como diretor do retiro. A partir daí, ele passou a pregar na Catalunha, não para criar uma obra independente, mas para reabastecer os párocos com alguns homens comprometidos e zelosos – Apóstolos.
San Andrés, uma paróquia no subúrbio de Barcelona, tornou-se o centro radiante e extraordinário. Sem distinção de classe social, empresários e operários, artesãos e estudantes, intelectuais e camponeses faziam e refaziam o retiro, depois passavam a recrutar. Escreveu Maurice Comat: “Como faíscas de um incêndio, ele se espalha lentamente, até que toda a grande capital de Barcelona esteja em chamas, todos em busca da graça.”
De 1923 a 1927, mais de 12.000 entusiastas do sexo masculino formaram ligas paroquiais permanentes. Compraram um grande hotel em Barcelona, organizando-o em um “estabelecimento de exercícios” com secretaria, restaurante, hotel, salas de reunião e capela.
A grande ideia de Pe. Vallet foi:
“Através dos Exercícios Espirituais, dar aos leigos o sentido da responsabilidade cívica, para depois assumi-la e transformá-la vigorosamente numa obra de efetiva restauração social cristã”.
De modo algum ser uma capela, uma Ordem Terceira: “Quero ser tanto da Igreja como sadiamente leiga”. O objetivo não era criar jornais católicos, um partido político católico, um sindicato católico ou uma obra de caridade. O objetivo era preciso: cada vez mais retirantes, “um exército de retirantes”, ativos em todos os meios, trabalhando para transformar e fundar jornais católicos, partidos, sindicatos e obras permanentes.
“A revolução não será derrotada; ela será dissolvida internamente e por suas próprias elites convertidas.”
Um programa otimista, que poderia ter sido realizado se tivesse sido incentivado, apoiado e defendido pela hierarquia. Mais tarde, um bispo sul-americano, Alfredo Viola de Salto, do Uruguai (1893-1972), diria sobre este programa: “é a obra do século 20”.
Nessa observação reside toda a diferença entre o a obra de Escrivá e do Pe. Vallet.
Milagres resultaram do apostolado do Pe. Vallet. Chefes virulentos de células comunistas, chefes sindicais, agnósticos e até mesmo alguns católicos do mesmo tipo emergiram do retiro um dia e, no dia seguinte, carregaram a bandeira da procissão.
O objetivo aqui não é recontar a história de vida do Pe. Vallet. Em vez disso, queremos apenas dizer que o sucesso não foi recompensado. Era o período da vingança daquele modernismo condenado por São Pio X. Nada do lábaro deste pontificado deveria sobreviver.
Claro, haviam as belas encíclicas, Quas Primas e Mortalium Animos; mas naquela época, em Roma, os liberais haviam se entrincheirado, o espírito do Sillon estava bem representado, o progressismo voava alto lá. Aqueles que queriam “restaurar todas as coisas em Cristo” não conseguiam ter acesso lá.
O Pe. Vallet foi perseguido e expulso de seu país. Ele tentou semear seu trabalho na América. Depois de muitas vicissitudes e da criação do instituto “dos cooperadores paroquiais de Cristo Rei”, encontrou asilo na França onde, durante 10 anos, trabalhando contra a maré, reencenou o que havia feito na Espanha. Mais uma vez, o caos da libertação o perseguiu além dos Pirineus. Às vezes, ele lembrava as palavras de São Jerônimo:
“Se eu tivesse me contentado em tecer cestos de juta e encher o estômago, teria vivido meus dias em paz. Mas porque eu queria devolver as Escrituras ao seu hebraico original, todo mundo quer me despedaçar com os dentes à mostra.”
Aos 60 anos, estava exausto, mas reuniu as últimas forças para sair, mais uma vez, para pregar Cristo Rei. Ia morrer, não na poltrona de sua escrivaninha, mas em Madri, pregando os Exercícios. Assim, o silêncio final desceu sobre esse incomparável poder apostólico. Ninguém levou um pedaço de sua batina para relíquias; mas, na época, seu trabalho se espalhou rapidamente nos países de língua francesa. Por meio dele, dezenas de milhares de homens descobririam a doutrina da Igreja Católica.
O que não era perdoado no Pe. Vallet era sua psicologia profunda, sua presciência luminosa e sua fidelidade à doutrina imutável. Não se contentou apenas em formar homens piedosos, fiéis ao santuário, mas também homens para a linha de frente, ativos e resolutos, assumindo posições nas cidades como católicos, a fim de realizar obras de política católica contra o espírito do mundo. Afirmava que a questão social estaria resolvida se os homens parassem de querer construir uma sociedade alheia à vontade de Deus. Ele ousou dizer que as nações foram marcadas na testa com o sinal da morte por terem rejeitado a realeza de Cristo.
O único objetivo do apostolado é a conversão.
Este encontro face a face mostra a antinomia, a oposição inevitável entre esses dois homens, entre estas duas obras.
O modernismo reinante só poderia banir o Pe. Francisco de Paula Vallet para glorificar o Pe. Josemaría Escrivá.
Notas:
- Dominique Le Tourneau, L’Opus Dei, Presses Universitaires de France, collection « Que sais-je? » No. 2207, 3ª edição, 1991, (1ª edição, 1984); traduzido para o alemão, inglês, espanhol, italiano, japonês, holandês e português, e português. É interessante observar que Dominique Le Tourneau publicou um artigo na edição 57 da Revue des sciences religieuses em 1983, um artigo cujo título resume por si só toda a apresentação: L’Opus Dei, prélature personnelle, dans le droit fil de Vatican II [O Opus Dei, prelatura pessoal conforme o Vaticano II].
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.6. O autor colocou em itálico o “viu”.
- Ibid., p.9. O bispo teria “visto” também, para ser instantaneamente e totalmente convencido?
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.9. Sublinhamos “novo fenômeno pastoral e jurídico”.
- Boletim annual publicado pela vice-postulação do Opus Dei na França, 1991–5, rue Dufrenoy —75116 Paris.
- D. Le Tourneau, spokesman for the Opus Dei, insists: Father, “knew the will of God,” L’Opus Dei, ch.II, p.20.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.21.
- Franciscan, Cardinal-Archbishop of Toledo (1436-1517).
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, pp.22, 23. Nossa Santa Madre Igreja está reduzida a quase nada na história: 15 séculos de letargia, sem apostolado, a humanidade abandonada. Finalmente, o Padre Escrivá chegou!
- Autor de Utopia, que pregou um ideal comunista. Incluído no Índice. (Ele foi canonizado por seu martírio e não por suas ideias) [Deve-se notar que o autor, sendo francês, desconhece que o livro de Thomas More era uma sátira política, fato bem conhecido nos círculos ingleses. Seu livro foi inicialmente condenado, como muitas outras obras, por mal-entendidos, questão posteriormente esclarecida.]
- Humanista holandês, preparou o caminho para a Reforma com seu Elogio da Loucura. Lutero apenas proclamou e aplicou de forma mais completa o que Erasmo havia insinuado.
- O autor não diz “contrarreforma”
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.23. O autor se refere ao Concílio de Trento e seu catecismo inspirado por São Carlos Borromeu?
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.25.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.26.
- Juan Morales, El Opus Dei: su verdadera faz, Textos, citas y commentarios, [The Opus Dei’s Real Face: Texts, Quotations and Commentaries] December 1991. Casa San Jose, Carretera Navalcarrero a Grinon km 5,—28607 El Alamo, Spain.
- Vários também foram publicados em outros países. Autores e títulos constam da bibliografia de D. Le Tourneau., in op. cit., p.125ff.
- Peter Berglar, Opus Dei, Rialp, p.216. Também publicado em Salzburgo, Editora Otto Muller, 1983.
- Salvador Bernal, Monseigneur Escriva de Balaguer, Rialp, p.153. Também publicado em Paris, SOS, 1978.
- Ibid., p.309.
- Ana Sastre, Tiempo de caminar, (Madrid: Rialp, 19890, p.95.
- Vasquez de la Prada, El Fundator del Opus Dei, (Madrid: Rialp, 1983), p.336.
- Jose Miguel Ceja, Estudios sobre camino, [Studies on The Way], (Madrid, Rialp, 1988), p.100.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.27.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.28.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.33.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.37.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.41.
- Pio XI, Encíclica Quadragesimo Anno, 1931.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, Cap. 4, “Les oeuvres collectives d’apostolat,”, p.89 and 90.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, pp.91,92.
- Entretiens avec Msgr. Escriva de Balaguer, French edition published by Fayard; Spanish edition published by Rialp (p.126).
- Peter Berglar, Opus Dei, Rialp, p.244.
- Vasquez de Prada, El fundator del Opus Dei [The Founder of Opus Dei] p.258.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.51.
- Introdução da causa de beatificação decretada.
- Até 1982, inclusive, depois substituído por “compromissos”.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.16.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.79.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.48.
- Cf. Paul VI et le coup de maitre de Satan, Courrier de Rome 148, July-August 1993. Address: BP 156,—78000 Versailles, France.
- Collected Works, (Madrid: Rialp, 1989), pp.52, 53.
- Entrevista com Peter Forbach na Time, 15 de abril de 1967 e publicada em Interviews with Mgr. Escriva de Balaguer [Conversas com Monsenhor Escriva de Balaguer], uma coleção de sete entrevistas concedidas ao Figaro, The New York Times, etc., 1966-68, 46 edições, 3ª edição francesa, Paris, 1987.
- Francois Sartre, advogado em Paris.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.39.
- S. Bernal, Mgr. Escriva de Balaguer, p.280.
- D. Le Tourneau, L’Opus Dei, p.36.
- A. de Lassus, L’Opus Dei, Textes et Documents (A.F.S., Paris, May, 1992), 44 pages.
- “Levando em conta a reserva discreta que é necessário guardar… decidimos que a cópia destas regras, regulamentos, ordens, costumes, espírito e cerimoniais será mantida em nossos arquivos secretos.” Madri, 19 de março de 1941, Leopoldo, Bispo de Madri, citado por G. Rocca, em Opus Dei (Paoline, Roma, 1985).
- Artigo 172 da Constituição.
- Mons. del Portillo, in Searching for God Amid Men, p.38.
- 20 de maio de 1992 na Basílica de Santa Maria em Vallicella, no Boletim Informativo do Opus Dei, Número Especial, p.15, primeiro trimestre de 1993.
- João Paulo II, Roma, 17 de maio de 1992, homilia de beatificação, citado em The Information Bulletin, Edição Especial, pp.7,8, primeiro trimestre de 1993.
- Fr. P. Laroche: Un Bienheureux de l’Eglise Conciliare, in Controverses, Swiss monthly journal, December, 1992.
- Edouard de Blaye, journalist for Agence France-Presse, Franco, ou la Monarchie sans Roi, publicado por Stock, 1974, MATESA affair, p.255ss.
- Além de artigos de periódicos, há apenas uma biografia em francês do Padre Vallet, escrita por Maurice Conat: Le magicien du regne, Francois de Paule Vallet, 1884-1947 [O Mágico do Reino: Francois de Paule Vallet, 1884-1947]. Publicada por Val de Rhone, 1967. Estas poucas linhas sobre ele merecem uma obra muito mais completa.