Fonte: Capela Santo Agostinho
Embora tenha alguém alcançado o fundamento de todas as virtudes, contudo não aparece glorioso diante dos olhos de Deus se lhe falta a perseverança, que é a consumadora das virtudes. Nenhum mortal, por mais perfeito que seja, é digno de louvor durante a sua vida enquanto não conclui com um bom e feliz êxito o bem que começou. É porque a perseverança é o fim e a consumadora das virtudes, nutridora dos merecimentos, a medianeira do prêmio. Por isto diz São Bernardo: Tira a perseverança e nem os obséquios, nem os benefícios merecem gratidão, nem a fortaleza, gloria.
De pouco serviria ao homem, ter sido religioso, paciente e humilde, devoto e continente, ter amado a Deus e possuído as demais virtudes, se faltasse a perseverança. É verdade que todas as virtudes correm, mas só a perseverança recebe o prêmio, porque não aquele que principiou, mas quem tiver perseverado até o fim, será salvo. Pelo que diz São João Crisóstomo: Para que servem searas florescentes se depois murcham? Isto quer dizer: não servem pra coisa alguma. Se, pois, virgem diletíssima de Cristo, possuíres alguma habilidade em boas obras, ou antes, porque tens muitas virtudes, persevera nelas, progrida e com ânimo varonil exerce nelas a milícia de Cristo até a morte.
Desta forma, quando vier o último dia, e o fim de tua vida, receberás em recompensa e prêmio de teu labores, a coroa da honra e glória. Cristo, o teu único dileto, te fala por isso no Apocalipse: Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Não é outra coisa esta coroa senão o prêmio da vida eterna, que todos os cristãos devem ardentemente desejar. Tão grande é este prêmio que, segundo São Gregório, absolutamente ninguém é capaz de tê-lo em devido apreço, tão abundante é que ninguém pode enumerá-lo; é, enfim, de tanta duração que jamais pode acabar e terminar. A este prêmio, a esta coroa te convida teu amado Esposo Jesus Cristo nos cantares com as palavras: Vem do Líbano, esposa minha, amiga minha, vem do Líbano, vem para ser coroada. Levanta-te, pois, amiga de Deus, esposa de Jesus Cristo, pomba do rei eterno, vem, corre a núpcias do filho de Deus, eis que toda corte celeste te aguarda, porque tudo está preparado. Aguarda-te um servo rico e nobre para te servir; um manjar precioso e delicioso para te saciar; uma companhia doce e amável sobretudo, para se alegrar contigo. Levanta-te, pois, e corre apressadamente as núpcias aí te espera um servo rico pra te servir. Este servo não é outro senão o coro angélico; ainda mais, é o próprio Filho de Deus eterno, conforme ele mesmo diz de si no Evangelho: Na verdade, vos digo, cingir-se-á e as fará sentar à mesa e passando, lhes servirá.
Oh! Quanta honra para os pobres desprezados, quando terão o Filho de Deus, do sumo Rei, e toda a corte celeste por servo. Preparado está também um manjar precioso e delicioso para te saciar. O próprio Filho de Deus preparara a mesa com suas próprias mãos, conforme atesta de si no Evangelho, dizendo: Eu vos preparo o reino como meu pai me preparou, para comerdes e beberdes a minha mesa no meu reino. Oh! Como é suave e delicioso o manjar, que Deus, em sua bondade preparou aos pobres! Como é feliz quem saboreia no reino dos céus aquele pão que pelo fogo do Espírito Santo foi feito no seio da Virgem! Quem come deste pão, viverá eternamente. Com tal comida, com tal pão esse Rei celeste alimentará e saciará os seus eleitores a sua mesa, consoante as palavras do livro da Sabedoria: Nutristes o teu povo com a comida dos Anjos e deste-lhe sem trabalho pão do céu que encerra todas as delícias e toda a suavidade de sabor – e servindo a vontade de cada um. Eis, desta natureza é a refeição divina.
Não menos está preparada uma companhia doce e amável para se alegrar contigo. Aí estará Jesus com o Padre e o Espirito Santo; aí Maria rodeada de um coro florígero de virgens; aí os apóstolos, Mártires, confessores e o exército celeste de todos os eleitos. Muito digno de compaixão é quem não for associado a tão nobre sociedade e todo morto deve ser o desejo de quem não almeja ser recebido nesta companhia. Mas sei, precaríssima serva de Cristo, que tu desejas a Cristo; sei que envidas todos os esforços para unires com o Rei eterno e gozar de seus amplexos.
Anima, pois o teu coração e a tua alma, aguça toda tua inteligência e reflete quando puderes. Se os bens em separado causam tanto prazer, pondera atentamente quanta delícia encerra aquele bem que contém reunida a doçura de todos os bens. Se a vida criada é um bem, quão grande bem deve ser a vida que tudo criou? Se é doce a salvação que é feita, quão doce deve ser a salvação que é a fonte de toda a salvação? Quem possui este bem que é que possuirá e que é que lhe faltará? Certamente terá tudo quanto deseja; e o que não quer ficará longe. Aí se encontram bens do corpo e da alma que nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu e nenhum coração sentiu. Porque, pois, serva de Deus, andas atrás de muitas coisas a procura de bens para tua alma e teu corpo? Ama o único bem que encarra todos os bens e basta; deseja o bem simples, que é a plenitude de todos os bens e nada te faltará. Nele encontrarás o que amas, minha madre, tudo quando sejas, bem aventurada Virgem…
Amas a belíssima? Os justos fulgirão como o sol. Gostas de uma vida longa e sadia? Aí há saúde eterna. Tens prazer na fartura? Pois bem: Serão saciados quando aparecer a glória de Deus. Desejas, porventura, a ebriedade na abundância da casa de Deus. Tens agrado numa doce melodia? Aí cantam os coros dos anjos o louvor de Deus sem fim. Desejas amizade? Aí os Santos amam mais a Deus do que a si mesmos se amam. Procuras concórdia? Todos eles têm só uma vontade, porque não têm outra senão a vontade de Deus. São a honra e a riqueza tua alegria? Deus colocará sobre muitos os seus servos e servas bons e fiéis, serão mesmo chamados filhos e filhas de Deus. Onde está Deus estarão também eles como herdeiros de Deus, coerdeiros, porém, de Cristo. Quão profunda e quão grande deve ser a alegria onde há um bem grande? Certamente, Senhor Jesus, o olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem o coração sentiu nesta vida quanto os teus bem-aventurados te amarão e quanto gozo terão em ti nesta vida feliz. Quando alguém ama a Deus nesta vida, tantos gozos aí encontrará em Deus.
Ama, portanto, aqui, muito a Deus para aí muito te alegrares nele; cresça aqui em ti o amor de Deus para aí possuíres a plenitude do gozo de Deus. Sobre isto reflita o teu espírito, sobre isto fale a tua língua, isto ame o teu coração, disso fale a tua boca, disso tenha fome a tua alma e sede a tua carne, isso deseje todo o teu ser, até que entres no gozo de teu Deus. Até que chegues ao amplexo de teu dileto, até que te introduza no tálamo do teu Esposo, que com o Padre e o Espírito Santo vive e reina, um só Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.
Da obra “A direção da alma e a vida perfeita” – São Boaventura