PRIMEIRA VELA: O DOM DE TEMOR (AS SETE VELAS DE MEU BARCO)

joaoO pequeno João Yepes brincava com seus amiguinhos à beira de uma lagoa. Era uma lagoa lodosa, cheia de lama escura e suja. Os meninos cortavam pequenos ramos de árvore e os jogavam com toda a força na água: formavam assim uma pequena frota. Era muito divertido! Mas de repente, zás! Ao jogar um pau, João escorrega e cai no charco. Na margem, seus companheiros gritam, assustados. João é ainda muito pequeno: só tem cinco anos! Vai se afogar! Está afundando na lama, e só se vê a sua cabecinha fora do lodo.

Eis, porém, que uma pessoa lhe estende os braços. Uma moda resplandecente de pureza e de luz debruça-se sobre a água: é a Virgem Maria. Admirado ao ver a aparição, o menino procura sair da lagoa e estende também os bracinhos. Mas, vendo que suas mãos pretas do lodo imundo iam sujar as mãos tão brancas e tão puras de Nossa Senhora, João recua e mergulha de novo os braços na lama. Manchar as mãos tão lindas da Virgem Santíssima?… Nunca! Joãozinho prefere afundar naquele pântano e até morrer ali, se for preciso.

O dom de Temor, é isso! É o medo de manchar, ainda que pelo menor pecado, pelo egoísmo, pela mentira, o reflexo da infinita pureza de Deus em nossa alma. É o medo de entristecer, por pouco que seja, o Espírito Santo que habita em nós. É o medo de causar a mais leve mágoa a Jesus, que tanto sofreu por nossos pecados. Não é o medo de ser castigado, de se machucar, ou de ter que se esforçar muito… É o contrário disso.

João Yepes não teve medo de afundar na lama: só teve medo de não ser bastante puro para tocar as mãos da Virgem Maria.

O menino foi salvo por um homem que passava por ali e que lhe estendeu uma vara, à qual ele se agarrou e assim alcançou a margem. Nunca mais, no entanto, pôde esquecer aquela visão de luz e de pureza, ao lado da lagoa tão suja em que caíra. Esse menino, quando cresceu, chamou-se Frei João da Cruz; depois, a Igreja chamou-o SÃO JOÃO DA CRUZ. Ele escreveu coisas lindas sobre a pureza de Deus e sobre a pureza que a alma tem de alcançar para poder unir-se a Nosso Senhor:

“Nossa alma é como uma vidraça, banhada pela brilhante luz do sol. Quando está pura, quando não tem manchas, ela resplandece como o próprio sol: e o sol é Deus.”

Mas é preciso ter muito cuidado para conservar a alma inteiramente pura, para evitar, tanto quanto possível, o menor pecado. Na verdade, o pecado é o único mal – pois é só ele que nos afasta de Deus. E, se for pecado grave, pode até separar-nos completamente de Nosso Senhor.

Pelo dom de Temor, o Espírito Santo murmura no fundo de nossa alma:

– Presta atenção para não caíres na armadilha do pecado. Toma cuidado para não me entristecer, pois sou infinitamente bom, infinitamente puro, e forçosamente tenho horror a tudo quanto é feio ou impuro.

Toma cuidado para não te apegares tanto às coisas que eu te dei, a fim de não me esqueceres nem um bocadinho por causa dessas coisas.

Tudo quanto tens, fui eu quem te deu: podes amar tudo que é bom, tudo que é belo, tudo que criei para ti. Mas toma bem cuidado: é preciso que me ames mais do que todo o resto. É preciso até, de vez em quando, que faças o sacrifício daquilo de que mais gostas, para provar-me que me amas mais do que tudo.

O dom de Temor torna-nos então muito pobres, daquela pobreza de que Jesus disse:

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.”

Ele esvazia-nos de tudo que é inútil, de tudo que estorva, de tudo que não é Deus. Para quê? Para que Deus possa tomar todo o lugar em nosso coração e encher-nos com a única verdadeira riqueza, que é o seu amor.

Há crianças que sabem escutar perfeitamente essa voz do Espírito Santo. E então, se ele puder fazer tudo que quiser em suas almas, o Espírito Santo as levará pelo caminho da santidade, mesmo que as crianças ainda sejam bem pequeninas.

As Sete Velas de meu Barco – M.D. Poinsenet