À medida que a alma avança na perfeição, a sua vida espiritual simplifica-se e acaba por resumir-se nestas palavras dirigidas a Santa Catarina de Sena: “Pensa em mim, que Eu pensarei em ti”. Isto quer dizer: Eu pensarei na tua honra, na tua saúde, nos teus bens temporais; pensarei na tua salvação e santidade. Jesus tudo sabe e nada esquece.
Quando Ele pede à alma um tão grande sacrifício como é o abandono total de si mesma, encarrega-se de por remédio aos inconvenientes que daí possam resultar humanamente.
A alma deve limitar-se a obedecer e abster-se de perscrutar o futuro.
A pobre viúva de Sarepta estava numa grande miséria quando um dia encontrou o profeta Elias. Ia consumir as suas últimas provisões, e depois só lhe restaria morrer à míngua junto com o seu filho. No entanto, a pedido daquele estranho, cedeu-lhe o último pão. Humanamente, era uma loucura, mas era também sabedoria diante de Deus, pois compelia-o a fazer um milagre.
A alma verdadeiramente simples procede assim com Deus. Só pensa nos seus deveres de estado, sempre cumpridos de olhos postos nEle. Ignora o cálculo, os rodeios, o fingimento, e, em troca, Deus tudo prevê por ela. Às vezes, sem dúvida, a astúcia julga tê-la feito cair nos seus laços. Puro engano. Um acontecimento imprevisto, uma simples palavra, um gesto, desmascaram a intriga.
Quando estiveres diante dos poderosos do mundo, disse Jesus aos Seus discípulos, não vos preocupeis com que ireis dizer em vossa defesa. O Espírito Santo porá nos vossos lábios as palavras que deveis pronunciar.
Se os Apóstolos, no começo da sua vida apostólica, tivessem pesado as conseqüências da sua arrojada empresa, jamais teriam evangelizado. Não tinham nenhuma esperança de fazer aceitar a doutrina do Crucificado e, ao fim dos seus trabalhos, esperavam-nos as torturas e a morte. Mas eles iam para onde o Espírito de Deus os levava, sem hesitações nem temor. A sua missão era pregar: Pregai o Evangelho a toda a criatura (Mc. 16,15). Pregariam, e Deus faria o resto; e soube fazê-lo magnificamente.
Jesus não só pensa pela alma simples, como também supre e repara o que a sua ignorância e a sua imprevidência possam ter comprometido. Nenhum homem é tão sagaz que nunca se engane ou dê passos inconsiderados. Para os mundanos, estas imprudências são motivo de grandes desgostos e acerbas humilhações. E, para os que os invejam, ocasião de mordazes zombarias e severos comentários. Para Deus, são meios de humilhar e corrigir os presunçosos.
Pra com a alma simples, o proceder de Deus é diferente. Permite certas imprudências – a vida dos santos está cheias destes exemplos -, mas coisa singular, ficam sem efeito ou mesmo dão lugar a um bem maior.
A alma nunca perde por deixar Deus pensar por ela. Quando São Pedro no lago de Genesaré reconheceu, no “fantasma” que o assustava, Jesus caminhando sobre as águas, teve um rasgo sublime de esquecimento próprio: Senhor, se és Vós, manda-me ir até onde estás por cima das águas (Mt. 14,28).
Natureza espontânea, Pedro nem teve tempo de refletir, e já caminhava sobre as águas. De repente, uma onde levantada pelo vento avançou ameaçadora, e Pedro não pensou mais no Mestre que tudo pode, mas em si, na sua fraqueza. Vacilou e afundou-se. Felizmente, Jesus estava lá para tudo remediar.
É admirável verificar como, no Evangelho, Jesus toma sempre a defesa dos fracos, dos caluniados, mesmo que sejam pecadores. Desde que, de algum modo, Lhe tenham mostrado confiança, sente-se obrigado a defendê-los.
Toma, contra os seus discípulos, o partido das mães que se chegavam a Ele com os seus filhos. Defende contra os invejosos o recém-convertido Zaqueu que enfrentara o ridículo de subir a uma árvore para vê-lO passar. Toma sob a sua proteção a mulher adúltera, confunde os seus acusadores hipócritas e despede-a livre e convertida. Não permite que mandem embora em jejum o povo que O seguira ao deserto. Defende os Seus Apóstolos que, impelidos pela fome, colhiam espigas num campo em dia de sábado. Toma sobretudo sob a Sua proteção a pecadora. Como a defende contra os seus detratores! Não precisava ela ser defendida, ela que, levada pelo seu amor, não tomara nenhuma cautela?
Essa mulher era tida por pecadora pública e, sem que ninguém ainda tivesse conhecimento da mudança nela operada, veio fazer aos pés de Jesus “o Profeta”, um ato de tão prodigiosa humilhação que o mundo a qualificará de extravagante. Entre numa casa estranha, penetra na sala do festim, causando perturbação entre os convivas, e cobre de confusão o dono da casa. Mas que lhe importava tudo isso, se Jesus aí estava e a esperava… pela primeira vez! O Mestre falaria por ela! Defendê-la-ia contra Judas, que a acusava de prodigalidade, e contra os indignados participantes do banquete. E iria ainda mais longe. Cuidaria de que a sua justificação ficasse consignada nos Livros Sagrados, e de que em toda a parte onde se pregasse o Evangelho se contasse e louvasse a loucura de amor imaginada por ela para agradar ao seu Senhor.
Não haverei eu também de entregar-me a Jesus e esquecer-me de mim? Jesus pensará por mim. Jamais se dirá que fraqueza ou indigência alguma se tenha refugiado no Seu Coração e dali tenha sido arrancada: Não repelirei ninguém que venha a Mim (Jo 6,37).
O dom de si – vida de abandono em Deus – Pe. Joseph Schrijvers