QUE É A CONTRIÇÃO PERFEITA?

contContrição é uma dor da alma e uma detestação dos pecados cometidos. Deve acompanhá-la o propósito, quer dizer, uma firme vontade de emendar a vida e de não mais pecar. Para que a contrição seja legítima, deve ser interna e estar na alma, isto é‚ que não seja uma mera expressão feita com os lábios e sem reflexão: isto seria apenas contrição de boca.

Não é necessário manifestar exteriormente a contrição interna por meio de suspiros, lágrimas, etc.: tudo isto pode ser sinal de contrição, não é, porém, sua essência. A essência da contrição está na alma, na vontade, em afastar-se deveras do pecado e converter-se para Deus.

Além disto, a contrição deve ser geral, quer dizer, deve estender-se a todos os pecados cometidos ou, pelo menos, a todos os mortais. Deve, finalmente, ser sobrenatural e não meramente natural, pois esta nada aproveita.

Segue-se que a contrição, como todo o bem, deve proceder de Deus e da sua graça, e, com a graça de Deus, desenvolver-se na alma. Porém, não tenhas receio; basta que a peças, basta que tenhas boa vontade e te arrependas por algum motivo legítimo, sobrenatural, e Deus te dará a graça necessária.

Se o motivo se funda na natureza ou somente na razão (por exemplo, nos danos temporais, na vergonha, doença, etc.), é muito fácil que a dor seja puramente natural e sem mérito; porém, se o motivo da contrição é alguma verdade da Fé, por exemplo: o inferno, o purgatório, o céu, Deus, etc., então a contrição é legítima, sobrenatural.

E esta contrição legítima e sobrenatural pode, por sua vez, ser de duas classes: perfeita e imperfeita; e com isto temos chegado a nossa matéria da contrição perfeita.
Em poucas palavras, contrição perfeita é a contrição que procede de amor; imperfeita, a que procede do temor de Deus.

É contrição perfeita quando procede de amor perfeito a Deus. Pois bem, o nosso amor a Deus é perfeito quando o amamos porque Ele é em Si infinitamente perfeito, formoso e bom (amor de benevolência), e porque nos mostrou de uma maneira tão admirável o seu amor (amor de agradecimento).

É imperfeito o amor de Deus quando o amamos porque esperamos alguma coisa dEle.

De modo que, com o amor imperfeito, pensamos sobretudo nos dons; com o perfeito, na bondade do dador; com o amor imperfeito, amamos mais os dons; com o perfeito amamos mais o dador, e isto não tanto pelos seus dons como pelo amor e bondade que nos dons se manifesta.

Do amor nasce a contrição. Será, pois, perfeita a contrição se nos arrependermos dos pecados por amor perfeito de Deus, quer seja de benevolência quer de agradecimento. Será imperfeita se nos arrependermos dos pecados por temor de Deus, porque pelo pecado perdemos a recompensa de Deus, o Céu, e merecemos seu castigo, o inferno ou o purgatório.

Na contrição imperfeita, fixamo-nos principalmente em nós e nas desgraças que, segundo a Fé nos ensina, nos acarretou o pecado. Na contrição perfeita, fixamo-nos sobretudo em Deus, na sua grandeza, na sua formosura, amor e bondade, vendo quanto o pecado O ofende, e que foi o pecado que Lhe ocasionou tantos sofrimentos e dores para nos redimir. Na contrição perfeita, não queremos unicamente o nosso bem, senão o bem de Deus.

Com um exemplo o verás melhor. Quando São Pedro negou o Divino Salvador, saiu fora e “chorou amargamente” (I Lc 22,62). — Por que chora São Pedro? É, porventura, pensando na vergonha que vai ter diante dos outros apóstolos? Se assim fosse, a sua dor teria sido puramente natural e sem mérito. É porque receia que seu Divino Mestre lhe tire, como ele merece, o cargo de Apóstolo e Superior e o expulse do seu reino? Então seria boa contrição, mas somente imperfeita. Mas, não; Pedro arrepende-se e chora, antes de tudo, porque ofendeu a seu amado Mestre, tão bom, tão santo, tão digno de ser amado e por ser tão desagradecido ao seu imenso amor por ele. Tem, pois, verdadeira e perfeita contrição.

Agora dize-me: tens tu também, cristão de minha alma, algum fundamento, algum motivo, parecido com o de São Pedro, para te arrependeres dos teus pecados por amor, e por amor perfeito e agradecido? Sim, certamente, pois os benefícios que Deus te tem feito são mais que os cabelos da tua cabeça, e, considerando-os, podes dizer, em cada um deles, o que dizia São João: “Amemos a Deus já que Ele nos amou primeiro” (I Jo 4,19).

E como te amou?

“Com amor eterno te amei — disse Ele — e me compadeci de ti e te atrai a mim” (Jer 31,3).

Sim, com amor eterno te amou. Desde toda a eternidade, desde quando ainda não havia nem um átomo de ti sobre a terra, te olhou com aqueles seus olhos amorosos e que tudo penetram, e te preparou alma e corpo, céu e terra, com o amor com que uma mãe prepara todo o necessário para o filhinho que ainda não nasceu. Ele deu-te a saúde e a vida, Ele te deu e te dá, em cada dia, todos os bens naturais. Consideração esta que até aos pagãos pode fazê-los chegar ao conhecimento e amor perfeito de Deus; quanto mais a ti, cristão, que conheces outro gênero muito diferente de amor e de bondade, o amor e bondade sobrenatural de Deus para contigo; porque Deus se compadeceu de ti; e quando, com todo o gênero humano, estavas condenado pela culpa original, Deus enviou o seu Unigênito Filho, e Ele se fez teu Salvador e te remiu com seu sangue, morrendo na Cruz. E em ti pensava com entranhado amor quando agonizava no horto das Oliveiras, e quando derramava o seu sangue com os açoites e os espinhos, e quando subia arrastando a pesada Cruz pelo longo e áspero caminho do Calvário; e quando, cravado nela, se desfazia em sangue entre indizíveis tormentos. Em ti pensava com entranhado amor, como se tu foras o único homem da terra.

Que tens a concluir daqui? “Amemos a Deus já que Ele nos amou primeiro” (I Jo 4,19).
E Deus te atraiu a Ele pelo batismo, graça capital e primeira da tua vida, e pela Igreja, em cujo seio foste então admitido. Quantos há que, só a força de trabalhos e canseiras, conseguem encontrar a verdadeira Fé, e a ti te a ofereceu Deus desde o berço, por puro amor. Atraiu-te a Ele e te atrai sempre pelos sacramentos e pelas inumeráveis graças interiores e exteriores de que te enche todos os dias, pois, em verdade, estás nadando, como em imenso mar, na bondade e amor de Deus. E este amor, quer ainda coroá-lo colocando-te consigo no Céu e fazendo-te eternamente feliz. Que lhe deves por tanto amor? Não é verdade que deves corresponder a ele? Amemos também a Deus já que

Ele nos amou primeiro.

Pois, vamos a contas e dize-me: Como tens pago a Deus, tão bom e amoroso, o seu amor e bondade para contigo? Dir-me-ás, sem dúvida, que com ingratidão e pecados. E pesa-te essa ingratidão? Sem dúvida que sim e queres ressarcir a tua pesada ingratidão, amando quanto possas tão grande e amoroso benfeitor. Pois, olha, se assim é, já tens contrição perfeita, contrição de amor de Deus. Para facilitar, chama-se a esta contrição de amor de Deus, contrição de amor ou de caridade.

Na mesma contrição de caridade, há uma mais levantada, que é quando alguém ama a Deus porque Ele é em si infinitamente formoso, glorioso, perfeito e digno de amor, prescindindo do seu amor e misericórdia para conosco. Há estrelas — e com esta comparação julgo que entenderás melhor — que, por estarem muito longe de nós, não as podemos distinguir, e, contudo, são tão grandes e formosas como o sol, que tão prodigamente nos dá o calor e a vida. Pois assim, ainda quando o homem não tivesse visto nem gozado nunca do amor de Deus, eterna estrela do céu, ainda quando Deus não tivesse criado o mundo nem criatura alguma, seria apesar disso grande, formoso, glorioso e digno de ser amado, porque é em si mesmo e para si, o bem mais excelente, o mais perfeito e digno de amor. Isto e não outra coisa quer dizer essa expressão que, mais de uma vez, terás encontrado nos devocionários e nas fórmulas do ato de contrição e te terá parecido talvez algum tanto obscura.

Detém-te, pois, agora e contempla o amor de Deus; contempla-o, sobretudo, nos amargos sofrimentos do Salvador, a cuja luz o compreenderás tão facilmente como facilmente te arrebatará o coração.

Eis aqui o modo de alcançar praticamente a contrição perfeita.

A contrição perfeita, uma chave de ouro do Céu – J. de Driesch