Discípulo — E agora, Padre, tenha a bondade de esclarecer ainda mais alguns pontos. Antes de tudo, a Confissão é mesmo necessária para apagar os pecados?
Mestre — Sim, a confissão é indispensável. Assim como a água é necessária para lavar as manchas, não podemos lavar e destruir os pecados sem a confissão. Foi estabelecida por Deus, e Jesus Cristo a confirmou.
— Não lhe teria sido possível estabelecer as coisas diferentemente?
— Sim, podia tê-lo feito, sendo Ele Deus, mas desde que achou preferível proceder assim, não nos resta senão obedecer. De mais a mais haveria uma maneira mais fácil? Não! Suponhamos que, por exemplo, para cada pecado tivesse ordenado uma esmola grande: quantas não a achariam penosa e impossível? Suponhamos ainda que tivesse estabelecido um jejum; quantos não poderiam ou não quereriam fazê-lo? Suponhamos ainda que tivesse exigido uma longa peregrinação; quantos nesse caso, mesmo querendo, não a poderiam realizar? Mas com a confissão não há nada disso, para quem quer que seja, por qualquer pecado e número de vezes, só é necessária uma coisa: confessar-se a um Ministro, cuja escolha é livre, no modo mais secreto e tudo está perdoado. Ah! diga-me: se a lei humana ou civil agisse da mesma maneira, se bastasse apresentar-se a um juiz e confessar a culpa para receber o perdão, haveria ainda prisões e penitenciárias?
— Absolutamente não! todos se confessariam, mesmo os mais velhacos.
— Por que, então, achamos penosa a confissão sacramental?
— Pois seja: mas não chegaria uma confissão feita diretamente a Deus? Quê necessidade há de se, correr ao Sacerdote, pondo-o ao corrente dos nossos interesses?
— Quem manda faz leis! Ouça: O Presidente e o governo mandam que paguemos impostos; pois bem, faça uma experiência; vá ao Rio de Janeiro para pagar diretamente ao Presidente e ao Governo. Dir-lhe-iam: vá ter com o nosso encarregado, o coletor e pague a ele, você poderia protestar à vontade que a situação não mudaria. Querem que paguemos, mas ao coletor. O mesmo dá-se com a confissão. Deus perdoa, mas por meio dos seus encarregados, que são os confessores.
— É mesmo! E eu que nunca tinha pensado nisso!
— Quanto ao pormos outra pessoa a par dos nossos interesses, tenha paciência, de que negócios se trata nesse caso? Trata-se de pecados e não de interesses. Quando você sente uma forte dor de cabeça ou de dentes será que você, para não pôr ninguém ao par dos seus casos, não corre ao médico ou ao dentista, para se ver livre dela? E quando o acusam será que você não procura um advogado para que o salve de uma condenação?
— Oh! eu corro logo ao médico ou ao advogado e conto tudo; procuro até explicar as coisas direitinho.
— Então só no que diz respeito à Confissão, que é segredo impenetrável, divino, é que receamos dar a conhecer os nossos interesses? Ora! Essas são desculpas muito magras que denunciam má vontade!
— Todavia Padre, o senhor deve reconhecer que é duro manifestar misérias…
— Reconheço que realmente é bastante duro, porque o nosso amor próprio fica um pouco humilhado, mas devemos pensar que isso é um dever, uma necessidade. E ao médico, será que não se confessam certas misérias?
— Ah! contanto que ele nos cure…
— Pois bem, ou queremos receber a graça e voltar a ser filhos de Deus, ou queremos ficar sendo filhos do demônio, escravos do inferno: não há outra saída, e para nos conseguirmos livrar é indispensável que nos confessemos, sem o que não pode haver nem paz, nem perdão, nem Paraíso. Quem manda faz leis. Eis a prova dos fatos. São Bento conta nas suas crônicas que um religioso chamado Pelágio, tendo por infelicidade cometido um pecado grave na mocidade, deliberou não o confessar. Passava assim os meses e os anos numa aflição enorme, atormentado sempre pelo remorso. Um peregrino, passando por lá, disse-lhe como se Deus o iluminasse: “Pelágio, confessa-te; Deus conceder-te-á o perdão e terás sossego”. Mas ele teimou em não falar, e iludindo-se que poderia obter o perdão sem a confissão, resolveu fazer grandes penitencias. Entrou num convento; e ali pela humildade, pela obediência, pelos jejuns e mortificações, conquistou a admiração de todos, e foi sepultado com muito pesar nos túmulos da Igreja, conforme o hábito da época. Na manhã seguinte o Sacristão achou o corpo em cima do túmulo e o enterrou de novo. Mas, também nos dias que se seguiram, achou-o novamente fora da sepultura. Avisou então o abade: este correu para junto do cadáver com os outros monges, e disse:
— Pelágio, foste sempre obediente em vida, obedece também depois da morte. Dize-me, estás por acaso no purgatório? Tens necessidade de sufrágios ou é desejo divino que sejas posto num lugar mais digno?
— Ai de mim! Eu estou no inferno por causa de um pecado omitido desde muitos anos e pelo qual esperava obter misericórdia por outros meios. Tirem-me daqui, e enterre-me em campo aberto, como um jumento.
Conta-se que uma freira, tendo cometido um pecado desde sete anos, nunca o quis confessar, na esperança de alcançar o perdão igualmente. Para esse fim, fechou-se em um convento e se tornou religiosa. Devido à sua vida austera e a prática de todas as virtudes, foi eleita abadessa, cargo que desempenhou com escrúpulo exemplar.
Mas, depois de morta apareceu às religiosas, toda rodeada de chamas, e, gritando desesperadamente dizia: “Não rezem por mim que estou condenada por causa de um pecado que nunca confessei desde “sete anos”.
— Pobres! e uma só palavra na confissão teria chegado para os tornar felizes, não é Padre?
— Justamente! e dessa maneira vivem num inferno quando em vida, e vão para ele depois de mortos. E no entanto, creia-me, não é pequeno o número desses infelizes que não querem convencer-se de que, para eliminar os pecados é indispensável a confissão, da qual, além disso, o coração sente necessidade.
— Como é que o coração sente necessidade dela?
— Vou prová-lo.
Não há muito, os jornais da Itália divulgavam a notícia de que um sapateiro da cidade de Bassano, no Vêneto, num ímpeto de cólera tinha arremessado um ferro contra um netinho de poucos anos, matando-o. Apavorado, escondeu o cadáver, e, durante a noite, foi enterrá-lo num bosque. Por muitos dias procuraram o pequeno desaparecido, cada qual fazia as mais estranhas conjeturas, mas nem pensavam no sapateiro, cujo crime ninguém presenciara.
Podia, pois ficar tranqüilo e sossegado e viver alegremente. Mas, no entanto, desde o dia fatal, não cantou mais as suas alegres canções, não bateu mais o martelo com ânimo, se tornou triste e pensativo. Vendeu a casa, os apetrechos da profissão e fugiu para a América. Lá estava completamente salvo; podia, pois esquecer tudo e ser feliz. Qual nada! Depois de dois anos voltou, apresentou-se diretamente ao juiz e confessou o crime. A justiça indagou, procuraram-se no bosque os míseros restos da vítima, fez se o processo. Antes de pronunciar a sentença que o condenaria definitivamente, o juiz virou-se para o assassino e perguntou:
— Diga-me, ó desgraçado, como é que o senhor, que tinha enganado a todos e podia ficar sossegado na América, vem entregar-se à justiça e obrigar-nos a condená-lo?
— Senhor juiz, respondeu o réu, não é verdade que enganei a todos. Só enganei aos homens, o mesmo não se deu com Deus. Desde aquele dia não tive mais sossego, a sombra do menino perturba-me o sono, vejo sempre a minha mão escorrendo sangue. Condene-me à prisão, condene-me à morte, mas que esta vida de remorso acabe para sempre.
O coitado tinha tomado o caminho errado, se, em lugar de ter tomado o rumo da América, do tribunal, do cárcere, da desonra, tivesse corrido aos pés do confessor, ah! Não teria visto a sombra de sua vítima, nem a mão pingando sangue; mas, recebendo a absolvição, teria tranqüilizado incontinente a consciência.
— É verdade, Padre; a Confissão é uma necessidade do coração.
— Tanto melhor para nós se nos servirmos dela em todas as ocasiões para qualquer eventualidade. Quando um espinho se nos enterra no pé ou quando um cisco nos entra nos olhos, não achamos mais sossego enquanto não nos livrarmos do espinho ou do grãozinho de pó. O mesmo se dá com o pecado; não nos deixa em paz enquanto não o extirparmos com a confissão. Deus assim o quis e quem manda, faz leis!
— Como deve ser consolador o perdão de Deus depois de anos e anos de remorsos, não padre?
– Ah, sim! e nenhuma alegria no mundo se lhe pode comparar. A confissão, além de ser uma necessidade do coração, é ainda o maior consolo das almas aflitas. O fato seguinte bem o demonstra:
O Padre Bridaine, grande missionário francês, pregava durante as missões, numa cidade dos Alpes. Um velho oficial da cavalaria foi ouvi-lo por curiosidade, porque já ouvira falar naquele orador famoso. Deus quis, que, naquela noite, o Missionário falasse justamente na necessidade da confissão. A palavra simples, mas quente e persuasiva do servo de Deus, penetrou até o coração do militar, que resolveu confessar-se.
De fato, foi à sacristia, atirou-se aos pés do Padre Bridaine que o acolheu com bondade e amor. Depois de feita a confissão levantou-se, e beijando a mão do Padre, exclamou bem alto, para que todos o ouvissem: “Sinceramente, na minha vida nunca senti tamanha consolação e nem uma alegria tão grande como agora que tenho comigo a graça de Deus. Acho que nem o próprio rei, que sirvo há trinta ano.s pode ser mais feliz do que eu!”
As palavras que o velho oficial francês pronunciou, poderiam pronunciá-las todos os que, depois de vencidas todas as dificuldades, vão confessar-se, e se confessam bem. Aqui também não é demais repetir Quem manda, faz leis, mas as leis de Deus são tão doces e suaves!
Confessai-vos Bem – Pe. Luiz Chiavarino