Todos sabem, com certeza, o ato de fé. As crianças o recitam de vez em quando na aula de catecismo, ou de noite, quando rezam. Ter fé é acreditar que Deus existe, não só porque vemos todas as belas coisas que ele criou: o mar, as montanhas, as estréias, os animais, as plantas… Mas é, sobretudo, crer que Deus nos criou para o conhecermos e o amarmos. É acreditar que Deus nos enviou Seu Filho, Jesus Cristo, para falar-nos dele. É crer que esta vida, na terra, é apenas preparação para a vida verdadeira que Deus nos reserva no Céu, vida que será infinitamente mais bela que nossa vida de hoje, e que não terá fim.
Crer é uma maravilha! Mas, às vezes, a gente fica com vontade de ver as coisas! É um pouco como quando viajamos de trem, subindo uma serra: o trem passa por túneis e tudo fica escuro. Sabemos que, depois do túnel, teremos uma vista mais bonita do que a que ficou para trás, mas dá vontade de ver logo toda a paisagem, como aqueles que viajam de avião.
Quando o Espírito Santo vem habitar a nossa alma, pelo dom de Inteligência, ele pode fazer-nos compreender e sentir que tudo quanto acreditamos pela fé, é absolutamente verdade.
Se o pecado original não tivesse produzido uma confusão no mundo, e principalmente em nossa alma, compreenderíamos sem dificuldade, mesmo sem a ajuda de nossos olhos do corpo, que Deus é muito mais real do que tudo quanto vemos ao redor de nós. Isso seria normal, pois foi Deus quem criou tudo.
Compreenderíamos também que Deus é tão infinitamente perfeito que não podemos encontrar nada de melhor ou mais belo do que ele.
Entenderíamos, enfim, que Deus nos ama tanto, que não pode querer para nós outra coisa senão a felicidade, mesmo quando permite o sofrimento.
A Santíssima Virgem, que não foi tocada pelo pecado original, teve imediatamente esse olhar absolutamente puro, pelo qual descobria Deus em tudo, embora vivesse na terra e fosse obrigada a crer como nós.
Foi por isso que aceitou a ordem de sair de Nazaré e partir para Belém, poucos dias antes do nascimento de Jesus, sem se perturbar, mesmo sabendo que lá estaria arriscada a não encontrar morada.
Foi por isso que ficou de pé junto da Cruz. Sofria terrivelmente, é verdade, mas mesmo sem compreender, continuava a crer no amor de Deus por Jesus, por ela, por todos os homens. E, enquanto todos os amigos de Jesus duvidavam ou se afligiam, ela, sozinha, conservava em sua alma imensa paz.
A alma que o Espírito Santo enche com o dom de Inteligência compreende desde já as palavras de Jesus: “Bem aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”
E isso, não somente no Céu, mas de certo modo, já aqui na terra. Não com os olhos do corpo, é claro, mas com os olhos da alma.
Quando Jesus apareceu a seus amigos, entre sua Ressurreição e sua Ascensão, eles não o reconheceram à primeira vista. Madalena pensou que era o jardineiro. Os discípulos de Emaús julgaram que era um peregrino estrangeiro. E os Apóstolos assustaram-se, crendo que era um fantasma, pois Nosso Senhor passou através das paredes!
Só houve um que o reconheceu imediatamente: João. E isso, porque tinha um coração puro. Logo que viu Jesus na margem do lago, no dia daquela pesca maravilhosa, João gritou:
– É o Senhor!
Aquele que tem o coração puro, aquele que tem o dom de Inteligência – pois as duas coisas estão sempre juntas – sabe reconhecer Deus em tudo, através de todas as coisas, tanto nos grandes acontecimentos, quanto nos pequenos. E tudo se torna então infinitamente simples. Se Deus está ali, por que temer?
Tomás tinha apenas cinco ou seis anos. Segundo o costume daquele tempo, seus pais o levaram ao mosteiro dos monges beneditinos para lá estudar. Havia ali uma porção de meninos que estudavam nas grandes salas em abóbada, debruçados sobre livros de pergaminho, – pois não existia ainda a imprensa – ou brincavam como os meninos de hoje, à hora do recreio, no vasto jardim da abadia. Muito diferente do uniforme de hoje era o que então usavam. Já que os meninos acompanhavam os monges durante o ofício na grande igreja do mosteiro, vestiam-se como eles: o mesmo hábito preto, o mesmo escapulário preto, o mesmo capuz preto… tudo em tamanho pequeno!
Tomás sentia-se muito feliz com os Beneditinos, pois gostava muito de estudar. Quando tinha um ou dois anos, e chorava como todos os bebês, só ficava quietinho se lhe dessem um livro: segurava então o livro com suas mãozinhas roliças, e sossegava logo. Agora, que já sabe ler e escrever, estuda com muita aplicação, e é dos melhores alunos, embora seja dos menores. Sente-se feliz, mas há alguma coisa que o preocupa: de vez em quando, pára de ler ou de escrever, e fica pensando…
Há dias em que, à hora do recreio, não vai brincar e correr com os outros; caminha, sozinho, por uma alameda, e anda muito longe, sério e grave como um homenzinho: parece procurar a solução de um problema.
E é isso mesmo! Afinal, um dia, não agüentando mais pensar sozinho, Tomás aproxima-se de um monge, que encontra numa galeria: pequenino, ao lado do religioso, o menino ergue a cabeça e seus olhos ardentes fixam-se no rosto do monge:
– Padre, pergunta ele, quem é Deus?
Quem é Deus? Tomás, que a Igreja chama hoje SANTO TOMÁS DE AQUINO, e que deu por padroeiro às escolas cristãs do mundo inteiro, passaria a vida toda procurando a resposta à sua pergunta de criança. Pois para conhecer inteiramente a Deus, para conhecê-lo tal “como ele é”, é preciso já estar no Céu.
Mas, pelo dom de Inteligência, Tomás compreendeu tantas e tantas coisas da perfeição de Deus, de seu esplendor, de seu amor, que escreveu uma quantidade de livros que os padres usam ainda hoje. E Tomás os escreveu há oitocentos anos!
E o mais maravilhoso é que, pouco antes de sua morte, por uma verdadeira luz do dom de Inteligência, Tomás compreendeu de repente que Deus é tão mais belo do que tudo que podemos saber sobre ele aqui na terra, que disse a outro frade Dominicano:
– Tudo que escrevi parece-me um pouco de palha, comparado ao que Deus me fez compreender agora!
As Sete Velas de meu Barco – M.D. Poinsenet