As relações profissionais são meio de santificação ou obstáculo ao progresso, segundo a maneira como se encaram e desempenham os deveres do próprio estado. Os deveres, que nos impõe a nossa, profissão, são em si conformes a vontade de Deus; se os cumprimos como tais, com intenção de obedecer a Deus e de nos regular segundo as leis da prudência, da justiça e da caridade, contribuem para a nossa santificação. Se, pelo contrário, não temos outro fim em nossas relações profissionais, mais do que granjear honras e riquezas, com desprezo das leis da consciência, convertem-se essas relações numa fonte de pecado e escândalo.
O primeiro dever é, pois, aceitar a profissão a que a Providência nos conduziu como a expressão da vontade de Deus sobre nós e perseverar nela, enquanto não tivermos razões legítimas de mudar. Quis Deus, na verdade, que houvesse diferentes artes e ofícios, diversas profissões, e, se nos encontramos numa delas por uma série de acontecimentos providenciais, podemos crer que é essa, a nosso respeito, a vontade de Deus. Excetuamos o caso em que, por motivos acertados e legítimos, julgássemos dever mudar de situação; tudo o que é conforme a reta razão entra efetivamente no plano providencial.
Assim, pois, patrão ou operário, industrial ou comerciante, agricultor ou financeiro que um seja, o seu dever é exercer a própria profissão, para se submeter à vontade divina, desempenhando-se dela segundo as regras da justiça, da equidade e da caridade. Então nada impede que santifiquemos cada uma das ações, referindo-as ao último fim; o que de forma alguma exclui o fim secundário de ganhar o necessário à própria subsistência e à da família. De fato, houve santos em todas as condições.
Como, porém as múltiplas ocupações e relações são, de sua natureza, absorventes, e assim tendem a afastar-nos o pensamento de Deus, é necessário fazer esforços muitas vezes renovados para oferecer a Deus e sobrenaturalizar ações de sua natureza profanas, como indicamos anteriormente.
Além disso, como vivemos em um mundo pouco honrado, em que a maior parte avidamente disputa em proveito próprio as honras e os lucros, sem se lhe dar das leis da equidade, importa não esquecer que antes de tudo é mister procurar o reino de Deus e a sua justiça não empregando, para chegar a seus fins, senão meios legítimos. O melhor critério para discernir o que é permitido do que o não é, será ver como procedem os homens honrados e cristãos da mesma profissão: é que, de fato, há usos recebidos que não se podem mudar e a que não é possível subtrair-se, sem se impor a si mesmo e aos outros perdas consideráveis.
Quando são comumente seguidos pelos bons cristãos da mesma profissão, todos podem conformar com eles o seu proceder, até que, de comum acordo, seja possível reformá-los, sem comprometer interesses legítimos. Mas, por outro lado, importa estar precavido para não imitar os processos e conselhos dos comerciantes e industriais sem consciência que querem enriquecer; dê lá por onde der, até mesmo com quebra da justiça: a falta de probidade e os avanços destes últimos não justificam o emprego dos meios ilícitos: é necessário buscar antes de tudo o reino de Deus e a sua justiça; tudo o mais virá por acréscimo: “Quaerite ergo primum regnum Dei et iusticiam eius; et haec omnia adiicientur vobis”
Um cristão, que os imitasse seria uma causa de escândalo.
Os deveres profissionais, assim entendidos e praticados, contribuem muito para o nosso progresso espiritual. É que, efetivamente, são eles que compõem a trama dos nossos dias, e Nosso Senhor mostrou-nos, com seu exemplo, que as ocupações mais comuns, como o trabalho manual, podem contribuir, a um tempo, para nossa santificação pessoal e para a salvação dos nossos irmãos. Se, pois, um operário ou um homem de negócios observa as regras da prudência, justiça, fortaleza, temperança, equidade e caridade, tem cada dia variadíssimas ocasiões de particar todas as virtudes cristãs, de adquirir copiosos merecimentos e, se quiser, de edificar seus irmãos, ajudando-os, com seus exemplos e conselhos, a trabalhar na própria salvação. É isto o que fizeram no passado e fazem no presente pais e mães de família, patrões e operários, jovens e homens feitos que, pela maneira como trabalham e tratam os negócios, fazem estimar a religião que praticam, e usam em seguida da sua influência para exercerem o apostolado.
A vida espiritual explicada e comentada – Adolph Tanquerey