TERCEIRA VELA: O DOM DE FORTALEZA (AS SETE VELAS DE MEU BARCO)

tarcisioNa semi-obscuridade das catacumbas, o Bispo acaba de oferecer o Santo Sacrifício da Missa. Com ar grave, volta-se para o pequeno grupo de fiéis que terminam sua ação de graças. Na penumbra, procura com o olhar um mensageiro seguro a quem possa confiar o Pão Consagrado, isto é, o Corpo de Cristo, para ser levado às tristes e úmidas prisões, onde os cristãos aguardam a hora do martírio.

– Tarcísio! chama o Bispo.

Uma criança levanta-se. Um menino de belos olhos leais e corajosos. Silenciosamente, aproxima-se do Bispo. Já compreendeu o que esperam que ele faça. Não é a primeira vez que isso acontece.

– Sim, eu o levarei.

Sob o amplo manto de lã, Tarcísio leva escondido o seu Deus. Calmo, forte, recolhido, segue pelas ruas de Roma. Ele é ainda uma criança. No meio de toda aquela gente, passará despercebido e ninguém suspeitará de onde vem e para onde vai, pois, sem saber bem porquê, todo o povo da cidade deseja a morte dos cristãos. Tarcísio julga que não será notado. Mas sabe perfeitamente o que acontecerá se o apanharem levando a Eucaristia aos prisioneiros: será a morte!

O menino sente-se tão feliz com a difícil missão que lhe confiaram, caminha tão recolhido, rezando em silêncio, que nem vê, na esquina de uma pequena praça, um grupo de seus colegas dc escola, que organizavam uma grande partida de jogo.

– Tarcísio! Tarcísio! Venha cá!

– Precisamos de um companheiro para o nosso jogo!

– Não! responde Tarcísio, agora, não posso.

– Por quê?

– Aonde é que você vai?

– Que é que você carrega no seu manto?

– Mostre o que é!

A princípio, os meninos não fizeram a coisa por mal. Tarcísio tem muito bom gênio e, embora seja cristão, é um bom colega. Mas o fato é que é cristão. Os companheiros pagãos o sabem, ou adivinham! Por brincadeira, talvez, um deles lança a frase que toda a cidade repete com desprezo: “É um asno de cristão, que carrega os mistérios!”

Os outros pulam e cercam Tarcísio:

– É verdade, Tarcísio? Mostre o que você leva aí!

– Mostre o que você leva, deve ser muito engraçado!

Tarcísio recua:

– Por favor, deixem-me passar!

Mas o bando cerca-o ainda mais de perto, e não o larga mais. Os meninos pagãos empurram e sacodem Tarcísio, dão-lhe bofetadas, pontapés, pedradas…

Tarcísio não procura defender-se.

O sangue jorra-lhe do nariz, da boca. Seu rosto está todo ferido. Mas não faz mal: com as duas mãos bem juntas, ele segura ainda o Pão consagrado. Isso é o que importa! Eis, porém, que tudo começa a rodar em volta dele, e, já sem forças, Tarcísio cai nas lajes de pedra.

Agora, aproxima-se um centurião e os meninos fogem. Mas Tarcísio está morto! SÃO TARCÍSIO, é como a Igreja hoje o designa.

Sob formas diferentes, essa história tem se repetido muitas vezes, sempre que a Igreja é perseguida. Há uns vinte anos atrás, um meninozinho foi morto com uma injeção de veneno, porque tinha levado a Eucaristia a seu papai, que estava prisioneiro dos inimigos de Deus.

Essas crianças não tiveram medo nem do sofrimento, nem da morte. Como é isso possível?

É claro que, sozinhos, nunca teriam tal coragem! O Espírito Santo e que lhes deu o dom de Fortaleza, fazendo com que ficassem firmes até o fim, e dessem até a vida para provar que eram cristãos.

Mas temos de repetir aqui, que não somos todos chamados ao martírio. Nosso Senhor disse que não há maior amor do que dar a vida por aqueles que amamos. É verdade! Há, no entanto, duas maneiras de dar a vida por Deus. De uma só vez, pelo martírio, como Tarcísio e Salsa; ou por uma generosidade de todos os dias, procurando fazer o bem, por amor, a todos os instantes, nas menores coisas, sem nunca se cansar. E esta segunda maneira talvez seja a mais difícil.

Não, não é nada fácil, viver, em cada momento, como verdadeiro filho de Deus! Não é fácil evitar sempre o menor pecado para conservar a alma sempre completamente pura, na resplandecente luz de Deus. Isso é até por vezes muito difícil, pois desde o pecado original nos inclinamos sempre para o mal, e o demônio está à espreita para tentar-nos e fazer-nos cometer faltas.

Temos, portanto, muita necessidade de que o Espírito Santo dê à nossa alma o dom de Fortaleza, que nos atrai para Deus, tal como o ímã atrai a limalha de ferro. Ah! Se pudéssemos ser como os Santos, simplesmente uma limalhazinha de ferro, tudo se tornaria tão fácil em nossa vida!

As Sete Velas de meu Barco – M.D. Poinsenet