Quando perguntado sobre um homossexual de boa vontade que busca o Senhor, o Papa Francisco, num comentário que se tornou famoso, respondeu “Quem sou eu para julgar?” Isso parece estar perfeitamente na linha do mandamento de Nosso Senhor, quando Ele ordenou “não julgueis, para não serdes julgados” (Mt 7,1). Por outro lado, o Verbo de Deus também nos disse que “devemos julgar não de acordo com a aparência, mas fazer um julgamento justo” (Jo 7,24)
Para resolver essa contradição aparente, devemos distinguir os diferentes sentidos em que falamos de “julgamento”.
Em primeiro lugar, o julgamento é um ato de nossa inteligência pelo qual percebemos o acordo ou desacordo entre duas ideias; em outras palavras, é, como Santo Tomás explica, o ato mental pelo qual afirmamos ou negamos algo – por exemplo, quando fazemos afirmações simples sobre as circunstâncias de nossas vidas cotidianas, como quando dizemos “hoje é um lindo dia”, ou “eu não gosto de doces”, e mesmo quando afirmamos coisas mais sérias, doutrinais, tais como “Deus existe” ou “o aborto é um crime”.
Esses julgamentos são necessários para se viver uma vida humana normal. Eles são necessários para o exercício da virtude moral da prudência, que nos ajuda a discernir o que devemos fazer a todo momento para direcionar todas as nossas ações, grandes e pequenas, de maneira segura e tranquila, para seu fim último, que é Deus. Portanto, Deus não proíbe tais julgamentos – na verdade, Ele não os poderia proibir sem nos privar de algo essencial à natureza que Ele mesmo nos deu.
Por nossa vez, não podemos nos abster de fazer tais julgamentos todos os dias se quisermos viver uma vida racional, cristã – e muito menos podemos nos abster deles se, por nosso ofício ou vocação, estamos chamados a guiar os outros a Deus.
O que Nosso Senhor realmente proíbe é que o que chamamos de “julgamento temerário” — isto é, atribuir algo moralmente repreensível ao nosso próximo, ou negar algo moralmente virtuoso sem prova suficiente. É uma afirmação, com convicção firme, sobre a moralidade de alguém, em vez de uma suspeita ou dúvida.
O julgamento precipitado é contrário à caridade, que, conforme São Paulo, “não é temerária […] não suspeita mal” (1Cor 13, 5). Santo Tomás de Aquino ensina que, na ausência de prova cabal, dúvidas sobre as virtudes do próximo sempre devem ser interpretadas beneficamente. A intenção de uma pessoa que faz um julgamento precipitado é essencialmente maliciosa e alegra-se ao encontrar perversidade no próximo, em clara contradição com o espírito da caridade.
Também é contrária à prudência, pois o julgamento não tem fundamento razoável; é baseado em uma evidência que, por sua própria insuficiência, não autoriza um julgamento definitivo.
Mesmo assim, a malícia específica do julgamento precipitado consiste em sua injustiça. Primeiramente, falhamos na justiça devida a Deus, pois, quando julgamos não apenas as ações externas de alguém, mas vamos além e afirmamos que seu estado interior é pecaminoso, sem provas suficientes, ofendemos a Deus por usurpar Seu direito exclusivo de julgar os corações dos homens (1 Cor 4, 5; Rom 14, 4). Também infligimos uma injúria moral na pessoa julgada, que tem o direito, se não a uma reputação boa aos olhos dos outros, ao menos de não ser desprezada sem razão suficiente para tal.
A gravidade do pecado que cometemos com nosso julgamento precipitado depende de várias circunstâncias. Especialmente, ela aumenta em proporção direta à gravidade dos pecados de que acusamos nosso próximo, e também são levados em conta a dignidade da pessoa acusada e a insuficiência das provas em que baseamos nosso julgamento.
Não parece ser pecado mortal, contudo, tomar como certo algo que é muito provável de ter acontecido. Além disso, um conhecimento profundo das feridas que o pecado original deixou em nossa natureza humana e a nossa própria experiência de vida podem nos levar a tomar precauções contra a possibilidade de que outro esteja inclinado a agir pecaminosamente – e isso seria, simplesmente, um ato de prudência.