LUTAR SEMPRE – DESÂNIMO NA VIDA ESPIRITUAL
Labora sicut bonus miles Christi (II Tim 2,3)
Trabalha como um bom soldado de Cristo
Os combates pelo amor são longos e por vezes difíceis, e toda alma, por pouco generosa que seja, verifica em si mesma, em dados momentos, um movimento de depressão que se chama desânimo.
Essa depressão nasce insensivelmente da acumulação de contratempos e reveses sucessivos. A alma sente-se abatida, depois, de repente, um acidente qualquer, uma pequena indisposição, uma fadiga corporal, uma palavra de repreensão, uma falta de atenção sobrevêm a nosso respeito e a alma desanima.
Então tudo se torna pesado. A conversação espiritual é insípida, os livros que de ordinário a estimulavam perdem o sabor, os exercícios espirituais tornam-se um ônus intolerável. Nada a encoraja, tudo a aborrece e a desgosta.
A vida espiritual parece uma ilusão; atingir-lhe o cimo, uma impossibilidade. E ela senta-se tristemente a meia encosta sem forças para as alturas. Eis, por certo, um sério obstáculo, que impede por vezes o caminho às almas mais resolutas. Importa procurar as causas do desânimo e os meios de frustrar-lhes a influência paralisante.
Antes de tudo, o que deve consolar-te, alma piedosa, é não seres tu a única, sujeita a essas depressões passageiras. As melhores almas sofrem por vezes desse mal… Jesus, em sua infinita sabedoria, permite de bom grado que as almas mais dispostas sintam algumas vezes sua impotência pessoal.
Aliás “não é extraordinário, como diz São Francisco de Sales, que a miséria se sinta por vezes miserável”.
Não é de estranhar que a natureza se canse e não queira mais avançar. Não é de admirar que o nosso corpo, como o asno de Balaão, recuse às vezes, seus serviços e, insensível aos golpes, se deixe abater antes que nos conduzir.
A razão dessa canseira é quase sempre uma série de exercícios espirituais e trabalhos exteriores por demais longa. É preciso que tudo se faça com medida e não exigir do corpo e do espírito senão o que eles podem razoavelmente dar. É preciso, pois, repousar, confortar-se a tempo, e depois dizer com nova energia:
Vamos! Ainda um pouco de tempo, o cimo já não está tão longe, Deus ajudará. Para frente!
Os sentidos do homem são inclinados, desde tenra idade, para o sensível e fascinados pelos objetos exteriores. A razão não conhece a existência de Deus, senão por um trabalho de educação. Tudo que ele sabe do mundo sobrenatural sabe-o por ouvir dizer!
E esse ser tão ínfimo, tão ignorante e tão inclinado para o mal, que somos nós, quer aspirar, por um esforço contínuo, a tornar-se amante apaixonado de uma beleza superior. Quer esgotar, para atingir esse ideal, todas as forças de sua alma e de seu corpo, e a cada inspiração, e a cada inspiração, a cada apelo apenas perceptível, de uma graça invisível, quer elevar-se ainda mais alto.
Esse homem fraco, feito de sangue e de pó, propõe-se renunciar a todas as aspirações animais, modificar-se, contradizer-se, corrigir seu raciocínio e seu coração, não uma vez por acaso, mas sempre, e isso sob a influência de um agente misterioso que ele não vê e no qual crê e cujo socorro implora.
Oh! Não, uma vida tão heróica só pode ser levada graças a uma luta incessante.
Como é belo ver esse homem, exposto a todas as seduções, a todos os ataques do mundo e do inferno, a todas as conivências íntimas, voltar-se para Deus, impertubavelmente, apesar de suas fraquezas!
Também a santidade não exclui a luta, ela a supõe e a exige. A perfeição na terra não é o repouso nem o prazer. Não é um estado fixo. É uma ascensão para Deus, uma continuidade de esforços, uma tendência incessante para aproximar-se do ideal sobrenatural: Ad ea quae priora sunt extendens meipsum (Filip 3,13). Toda santidade no mundo é relativa; pode e deve aumentar continuamente.
Quanto mais a alma se une a Deus, e afunda-se na sua infinidade, tanto mais os espaços se estendem e os horizontes se ampliam. É o infinito a atravessar.
Afasta, pois, de teu espírito essa falsa idéia de que aqui na terra encontrarás repouso. Não estás no mundo para gozar de Deus, mas para amá-Lo no trabalho, no sofrimento e na luta.
E se há luta, haverá quedas algumas vezes… o soldado que combate valorosamente expõe-se a golpes e ferimentos, porém suas cicatrizes são para ele títulos de glória. Muitos há que não distinguem, na vida espiritual, a parte que lhes pertence e a que pertence a Deus.
… A deles consiste, antes de tudo, em amar a Deus, esforçar-se por pertencer-lhe, pedir-lhe mais amor, e, em seguida, em levantar-se sempre com simplicidade após suas faltas, e purificar-se no sangue de Jesus.
Quanto ao mais, tudo é obra do Mestre. Enquanto a alma luta e geme pelas suas faltas e lamenta-se por não saber amar a Deus, esse Deus invisivelmente, enriquece-a com graças, orna-a de virtudes, cava nela a humildade e a paciência e une-se-lhe por tantas cadeias quantas ela faz de atos de amor e contrição.
E esse trabalho a dois prossegue até ao último instante da vida. A alma não viu senão faltas, e, com efeito, ela recaiu muitas vezes, e Deus não quis contar senão os atos de amor.
…Alma de boa vontade, não te aflijas, pois, por tuas faltas. Pede sempre perdão a Jesus e recomeça, sem te cansar, tua vida de amor.
Bem vês, o indispensável é amar, amar sempre. O amor dar-te-á constância na luta, como te dará a compunção e o espírito de oração.
– O amor te ensinará a purificar tua vontade pelo desapego, disciplinar tua liberdade pela obediência, desembaraçar tua inteligência dos pensamentos inúteis.
– O amor te excitará à reflexão, retificará teu raciocínio pela humildade, dirigirá tua imaginação e acalmará tuas paixões.
– O amor reprimirá teus sentidos na pureza, desprenderá tua alma de todos os bens terrestres.
– O amor te conduzirá à intimidade de Jesus, revelando-te o mistério de sua paixão, de sua vida eucarística, de sua vida mística, que continua em ti.
– O amor te ensinará, enfim, a desapegar-te de ti mesmo para seres um com Jesus, viver Dele, agir com Ele, sofrer com Ele, e continuar, por Ele, a obra da redenção.
Assim, tudo começa, aperfeiçoa-se e acaba no amor.
Ó minha alma!…renova a Jesus a resolução de ser constante no amor.
Se o cansaço, o desânimo ou a desconfiança buscam invadir-te, olharás para o céu.
Jesus lá está e cuida de ti. Ninguém te arrancará de suas divinas mãos. Ele é o Amigo fiel, que começou e terminará a obra de tua santificação. Terminá-la-á não obstante as dificuldades exteriores e interiores, contanto que tenhas confiança Nele e que o deixes agir em tua alma.
Ama-O muito. Repete constantemente que o amas. Pede-Lhe sempre mais graças, mais luzes, mais força. Volve a Ele sem jamais te cansar. Tua santidade estará garantida.
O Divino Amigo – Pe. Schrijvers