UMA PANDEMIA DE DESESPERO

Eles não estão brincando, os evangélicos estão de fato partindo para o momento em que a teologia do domínio tentará chegar ao poder político' (João Cezar de Castro Rocha)

Por Dardo Juán Calderón

Fonte: Adelante la Fe

Perante a – em princípio inexplicável e aparentemente surpreendente – condescendência na proliferação de condutas pervertidas em ambientes religiosos, surpreendentemente especial na Igreja Católica, devemos lembrar que uma geração marcada pela falta de compromisso pessoal, pela falta de amor, iria afetar a Igreja desde um mundo corrompido (ao qual o Concílio Vaticano II dá boas vindas e compreensão), degenerando em uma tempestade de sentimentos impuros, que já reinavam gordos nas nações e que hoje mostram, no clero católico, a ponta de um iceberg que vinha congelando há muito tempo.

Os agnósticos estudiosos dos fenômenos sociais já o viam nesse mundo tão louvado pelos padres conciliares, e a definição de desespero, de falta de esperança, era a chave que encontravam. “Se ao menos pudesse sentir algo!”, é a fórmula de Lipovetsky para expressar o que chama de “novo desespero”. E segue desvelando tal desespero como “um mal-estar difuso que tudo invade, um sentimento de vazio interior e de absurdidade da vida”. Agrega Christopher Lasch: “os indivíduos aspiram cada vez mais a um desapego emocional, em razão dos riscos de instabilidade que sofrem, atualmente, as relações pessoais”, o que define como “a fuga ante o sentimento”. Não escapa a esses autores nenhum dos fenômenos que essa personalidade traz consigo, acentuando o lugar que o “sexo” ocupa nesse homem desesperado. “A liberação sexual, o feminismo e a pornografia, apontam ao mesmo fim: levantar barreiras contra as emoções e deixar de lado as intensidades afetivas”: é a aparição do cool sex, das relações livres, a condenação dos ciúmes e da possessividade, “trata-se de fato de esfriar o sexo”, “não somente para proteger-se das decepções, mas também para proteger-se dos próprios impulsos que ameaçam o equilíbrio interior”. O homossexualismo é a realização total desse desprendimento de compromisso afetivo, é em si mesma e conaturalmente uma relação sem futuro possível e até com um enorme dose de desilusão (ou melhor, repugnância) imediata ao ato de prazer, que apenas uma grande intervenção artificial das ciências (medicina, direito positivo, publicidade) consegue ocultar de seu decurso desagradável. “Uma temporada no inferno”, descreverá Rimbaud e “De profundis”, Oscar Wilde. Verlaine sangrará poemas de arrependimento no limite do desespero. Entendemos que como em Judas, possa, para aprofundar a tragédia, coexistir um fio de Fé com o desespero, mas a única explicação para que homens da Igreja amparem – e, por isso, promovam – tal abismo de amargura existencial é produto de eles mesmos sofrerem a mesma deformação por perda das virtudes teologais. E o que expressam é autocompaixão.

Mantendo-nos em um plano natural, o amor exige a existência de um “outro” concreto; e o amor a “outro” (humano e imperfeito) exige uma forte dose de esperança, além da amizade e do amor que atualmente unem um ao outro. O amor espera em uma realização cada vez maior e melhor do outro – e de si mesmo – por causa desse amor. Espera que sejam felizes para sempre. O amor nesta terra deve ter esperança de um crescimento da bondade entre os amantes – do contrário, os sentimentos dessa amizade que só tem hoje e com os quais se conformam vão carecer de uma dinâmica virtuosa e se estancam no gozo do estático, do que se tem à mão hoje – a beleza, a juventude, a alegria. Todas as coisas de que se desilude com o roubo que o tempo produz de maneira ineludível. O enfoque e a concentração no momento que se sabe fugaz condena o amor à consciência de seu fracasso e de sua dor, mas fundamentalmente faz com que o gozo seja egoísta, seja um querer arrancar para mim o fruto de uma árvore que depois abandonarei, porque degenerará e morrerá. Para evitar essa dor, a relação deve ser o mais instantânea possível.

Mas claro, seguindo no terreno do natural, dirão que essa mudança “para melhor”, que essa dinâmica virtuosa, raramente ocorre. Que o amor deve se contentar com o que tem porque não há, salvo raras exceções, tal elevação. E em parte é certo nos tempos de hoje, em que o amor não presume mais um esforço que se projeta. O amor dos poetas sempre se declara “eterno”, ou do contrário é um simples querer voluptuoso condenado à desilusão, pois o amor verdadeiro é a busca de um encontro e realização que sobrepassa as possibilidades do humano. O poeta ama, na verdade, não tanto a pessoa que é, mas a pessoa que pode chegar a ser como produto do amor. A Beatriz se busca no céu. Crê-se que ela será um dia, ou depois dos tempos. Nada do humano é humano, mas transcende o humano. O humano é uma tensão à eternidade.

No plano sobrenatural, Fé, Esperança e Caridade são quase a mesma coisa. A impureza que rege nosso tempo, em graus incríveis de baixeza imunda, é desespero, e em sua ausência, a Fé e Caridade degeneram, quando não desaparecem. Lançam-se a “aproveitar” o que se tem, desesperando do que pode vir; viver o momento e carecer da confiança no permanente acréscimo de bens que surgem do amor (“é a confiança e nada mais do que a confiança que nos deve conduzir ao amor”, diz Santa Teresinha).

Sem cair numa simplificação freudiana, psicanalítica, não podemos prescindir da história como condicionamento de condutas. É comum em pais, professores e padres queixar-se da apatia dos jovens; de uma disfunção amorosa, de uma debilidade sentimental, de uma decrepitude vital. Do que podemos chamar, sem equívocos, de uma certa depressão psicológica crônica, mas não crítica, que faz com que suas vidas transcorram ligadas a muitas coisas, mas todas elas tomadas sem profundidade, sem dramatismo, sem muito entusiasmo. Contudo, os próprios críticos não reparam que são seus próprios e malogrados amores a causa primordial desse rechaço nas gerações posteriores. Suas frustrações, seus desencorajamentos, seu abandono da batalha, sua desilusão e sua resignação covarde. Sua desesperança. Claro que se justificam dizendo que na idade de seus filhos, alunos, fieis, tinham outro talante, um entusiasmo vibrante, e que é normal que na maturidade da vida e mais ainda em seu ocaso, a amarga experiência tenha desfeito toda essa vitalidade sentimental, e se encarregue com os amores por resignação, por respeito às obrigações contraídas, e sem esperar delas nada exceto uma forma de purgatório. Pais, professores e padres costumam mostrar com grande esforço um resto de amor, alguma parca caridade, mas unidos a uma desconfiança com os demais e um enorme ceticismo com o resultado de suas próprias tarefas e missões. Nenhum de seus discípulos é tonto a ponto de não ver o decurso desencorajante de suas entregas e, por isso, propõem-se não cair no mesmo poço.

Pior ainda, esses jovens, por efeito da força de sua natureza social, não se encontram isolados completamente num narcisismo completo, mas costumam-se projetar, como dissemos, a uma espécie de altruísmo (bastante narcisista), mas que não lhes convoca numa “totalidade” vital. Uma serena e cômoda generosidade dosificada que não lhes deixa esperar muito do que fazem, que não lhes deixa entregar-se loucamente porque desconfiam e da qual desfrutam pela metade. Os gozos pela metade implicam entregas parciais, e ineludivelmente se saciam em sentimentos esporádicos.

Coloquemos como caso de estudo as relações pessoais de amizade (nas quais o amor se inclui) que são vistas como prevenção e até, diríamos, com pessimismo, já que lançar-se a elas é como entrar num túnel escuro. Essa prevenção exagerada, produto de uma experiência desastrosa na geração anterior, provoca nas relações amorosas a retração ou a solicitude de uma pureza irreal, total e angélica, que as condena ao fracasso, pois em ambos os casos presume um amor sem esperança. Assim como a Caridade é Amizade com Cristo e nossa fidelidade a essa amizade vive ferida pelo pecado, o amor a Deus “espera” a própria purificação, após um processo, para realizar-se na Vida Futura. O pe. Calmel, com uma justa dose de realismo, nos diz que esse “processo”, esse momento de “espera” confiada consiste na observação do dito evangélico: “Cumpre meus mandamentos”. Como sabemos quando há esperança? Quando sabemos que temos esperança?: “Se o católico investido de uma missão, mesmo a mais humilde, por Deus persevera em cumprir com sentimentos puros, de acordo com a Lei de Deus, mesmo imerso na noite e nos fracassos, é a prova que a esperança teologal é forte e vigorosa em seu coração.”

A prova da veracidade e da força da Esperança em nós fica evidente nessa pureza de sentimentos, que asseguram a consecução da Promessa sem manchá-la de carnalidades instantâneas. Se de verdade esperamos, demonstramos atuando desse modo – de maneira adequada ao resultado que se espera, que demonstra a confiança que as promessas serão cumpridas. Amo bem, porque espero confiado. Quando desfalece a esperança, afirmo-me crispado ao que pode dar cada momento que passa.

É tão doce a Promessa com respeito ao outro que amamos, que Deus, que sabe que para os que vivem no tempo tudo esperar tem muito de recordar, assegura-nos a ressureição dos corpos na mais bela plenitude de sua expressão.

O amor humano, como bom analogado, não escapa a essa condição. É certo que “é” hoje uma amizade profunda com o outro, tal como é, mas muito mais com o “outro” como se espera que será. Na medida em que essa projeção fracassa, o amor desaparece. Por causa disso é que realmente, mesmo o amor humano somente subsiste na medida em que se espera do outro o que será além dessa vida. E a forma que patenteia essa esperança no outro que se ama é quando nossa relação delata uma pureza de intenção para com o outro, um cuidado de não fazer uso indevido dele, por respeito e admiração pelo que será.

A Igreja não propõe o cumprimento da Lei de Deus e da lei moral natural como se propõe uma lista de “requisitos incômodos” para obter um resultado. É o desejo do céu, a busca do resultado, o que conforma a conduta do amante em uma série de “ternos e delicados deveres cumpridos”. O que nos custa cumprir mostra a debilidade do nosso amor, a fraqueza de nossa esperança. Não impomos ao amado que nos visite aos domingos, que nos traga flores e presentes, que seja zeloso, que seja fiel, para que observadas essas ações o amemos: amamo-lo e todas essas coisas surgem como a vida mesma do amor. É certo que Deus continua amando ao pecador, como dizem os inovadores desesperados, mas segue esperando de nosso amor o cumprimento do próprio que o manifesta.