Está página é extraída do Boletim de Nossa Senhora da santa Esperança, de Março de 1903 (reeditada em Le Sel de la Terre, no. 44, consagrado ao Pe. Emmanuel-André). O Padre Emmanuel pronunciou o seu último sermão na festa da Exaltação da Santa Cruz, no Domingo, 14 de Setembro de 1902, seis meses antes de morrer. Trata do espírito da Cruz, que é “a participação do próprio espírito de Nosso Senhor, levando a Cruz, pregado à Cruz e morrendo na Cruz”.
O ESPÍRITO DA CRUZ
O último sermão do Padre Emmanuel
Irmãos, há muito tempo que não me vedes aqui; não venho aqui com frequência.
Vou falar-vos de uma coisa da qual nunca falei, nem aqui, nem algures. E essa coisa desejo-a a todos; sei bem que o meu desejo não chegará a todos. Vou falar-vos do espírito da Cruz.
Quando o Bom Deus cria um corpo humano, dá-lhe uma alma, é um espírito humano; quando o Bom Deus dá a uma alma a graça do batismo, ela tem o espírito Cristão.
O espírito da Cruz é uma graça de Deus. Há a graça que faz apóstolos, e assim por diante. O que é o espírito da Cruz?
O espírito da Cruz é uma participação do próprio espírito de Nosso Senhor levando a Sua Cruz, pregado à Cruz, morrendo na Cruz. Nosso Senhor amava a Sua Cruz, desejava-a. Que pensava Ele levando a Sua Cruz, morrendo na Cruz? Há aí grandes mistérios: quando se tem o espírito da Cruz, entra-se na inteligência destes mistérios. Existem poucos Cristãos com o espírito da Cruz, vêm-se as coisas de modo diferente do comum dos homens.
O espírito da Cruz ensina a paciência; ensina a amar o sofrimento, a fazer sacrifícios.
Quando se tem o espírito da Cruz, é-se paciente, ama-se o sofrimento, fazem-se generosamente os sacrifícios que o Bom Deus nos pede. Quer-se a vontade de Deus, e ama-Se; acha-se bom o que nos pede.
Os santos queixavam-se muito a Deus que Ele não lhes dava bastante sofrimento; desejavam sofrer, por que? Porque no sofrimento se pareciam mais com Nosso Senhor. Na vida de Santa Isabel da Hungria, é dito que, depois de a terem despojado de todos os seus bens, ainda a expulsaram de casa: quando viu que nada mais possuía, foi aos Frades Menores mandar cantar um Te Deum para agradecer a Deus por lhe ter tirado tudo. Tinha o espírito da Cruz.
A Imitação diz alguma coisa do que faz o espírito da Cruz: ama mais ter menos do que mais, ama mais estar em baixo do que em cima. Ama ser desprezado. É isto o espírito da Cruz; é muito raro.
Não o tendes muito, o espírito da Cruz. Posso bem dizer-vo-lo, há muito tempo que vos conheço, desde que estou convosco. Tende-lo menos do que o tivestes outrora.
Logo que tendes algum sofrimento, depressa dizeis: Meu Deus, livrai-me disto, livrai-me disto; fazeis novenas para vos libertardes. É preciso amar um pouco mais o sofrimento, e não pedir tão depressa para se ver livre dele. Se tivésseis o espírito da Cruz, veríamos muitas coisas que não vemos; e há as que vemos, que talvez não víssemos.
É preciso ter um pouco mais do espírito da Cruz; é preciso pedi-lo. Tratemos de amar a Cruz, de amar a vontade de Deus.
Talvez vos tenha enfastiado ao falar-vos assim, mas não vos aborreço mais.
(Traduzido e publicado pela revista SEMPER da FSSPX, no. 75)