Deus é o soberano Senhor de todas as coisas. É o princípio do meu ser, o fim da minha existência, o divino modelo da minha vida. Tem sobre mim um direito absoluto e universal. Eu me assusto perante esta obrigação tão rigorosa e tão graves de ser todo de Deus. Não Lhe posso subtrair nenhum ato nem tempo algum sem com isso praticar um furto.
Como dedicar-Lhe por inteiro uma vida composta de milhares de ações diárias? O espírito engendra pensamentos sem conta e o coração produz afeições sem número. Como governar todo este mundo interior?
As paixões fortes ou indômitas estão constantemente em ação. Os sentidos dificilmente aceitam o jugo da vontade; a imaginação julga-se a dona da casa e perturba toda a ordem interior; a razão deixa-se enganar pelos sentidos e seduzir pelas aparências da verdade; a própria vontade é fraca e mantém ligações secretas, está de conivência com o inimigo.
E mais, como dedicar a Deus uma vida inteira, quando os obstáculos exteriores se multiplicam em volta da alma? Querendo ela dar-se a Deus, consentirão que o faça? Os inimigos de Deus e da piedade são muitos, e os indiferentes e os covardes ainda mais numerosos. O respeito humano governa o mundo: o sorriso, o sarcasmo e a pilhéria têm afastado mais almas de Deus do que o próprio demônio.
Como, além disso, sentir-se armado contra a sedução do que há de errado na sociedade, contra os atrativos do vício, os maus exemplos, os slogans vazios? Como é verdade que aqueles que querem viver piedosamente em Cristo padecerão perseguição (II Tim. 3,12)!
Ainda se esta vida se entrega a Deus durasse apenas um certo tempo! Mas deve durar até o último alento. Não permite intermitências, nem afrouxamentos, nem concessões, porque tudo é de Deus e a Ele deve pertencer. Como sustentar sem pausas semelhante luta? Por fim, a alma fatiga-se, o coração cansa-se, a vontade fraqueja, a rotina toma o lugar do fervor, a indiferença sucede ao zelo e a apatia substitui o ardor do princípio. Murcham os generosos propósitos, os nobres anelos, os sacrifícios heróicos: eram apenas belos sonhos, esperanças quiméricas. Deixa-se de lado o desejo de santidade: é demasiado difícil. A Vossa palavra, Senhor, chamando-me a semelhante vida, é dura demais, e quem a pode ouvir? (cfr. Jo 6,61)
O quadro é sombrio. Quererei eu também ir-me embora e abandonar o Salvador que me chama para a Sua companhia? Mas, Senhor, para quem irei? Não tendes Vós palavras de vida eterna? Vós dissestes: O meu jugo é suave e o meu fardo leve. Vinde a mim todos os que andais em trabalhos e estais sobrecarregados, e Eu vos aliviarei (cfr. Mt. 11,28). Seguir-Vos, pois, não é tão difícil. Enganam-me quando me pintam a santidade como inacessível à minha fraqueza.
Vós, Senhor, destes a todas as Vossas criaturas o necessário e o supérfluo. Nada lhes falta do que precisam para atingir o seu fim. Não seria razoável que eu fosse o único infortunado a não receber em abundância os meios de santificação. Por toda a parte, vejo espalhadas em profusão as coisas mais necessárias à existência: a água, o ar, a terra; como poderiam faltar-me os elementos mais indispensáveis à minha vida sobrenatural, muito mais preciosa aos Vossos olhos? Não posso acreditar. A Vossa Sabedoria tudo previu e regulou, a Vossa Onipotência tudo preparou, a Vossa Bondade tudo concedeu para me facilitar a vida espiritual.
Senhor, não quero exagerar as dificuldades do ideal de santidade. Deixo este trabalho aos Vossos inimigos. Não é empenho deles afastar as almas da Vossa amizade? Quanto a mim, quero chegar-me a Vós e trazer comigo numerosas almas.Ensinai-me, Senhor, a não estorvar o caminho com obstáculos imaginários, a não me sobrecarregar com fardos inúteis. Mostrai-me a estraga larga e plana, e levai-me pela mão, porque não Vos abandonarei. Subirei conVosco até o cume da montanha e lá descansarei em Vós, e me regozijarei com as legiões de almas generosas que me precederam.
O dom de si, vida de abandono em Deus – Pe. José Schrijvers