”Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes,
mas a Virgem Maria do Rosário foi quem nos deu a vitória”
Fonte: Hojitas de Fe, 216, Seminário Nossa Senhora Corredentora, FSSPX
Tradução: Dominus Est
São Pio V, eleito Papa em 1566, teve o desejo de convocar a Cristandade para um duplo combate: contra o protestantismo e contra o Islã. Contra este último convidou os príncipes católicos a contrair uma aliança, mas todos eles, ocupados por seus problemas internos, não responderam à iniciativa. Em 1569 os otomanos souberam que o arsenal veneziano havia sido destruído pelo fogo, e que além disso toda a península itálica estava ameaçada pela fome devido a uma má colheita. Selim II aproveitou a ocasião para romper a trégua com Veneza e enviou um ultimato: ou entregaria a preciosa posse de Chipre, ou lhe declararia guerra. Veneza pediu auxílio, mas não queria fazer aliança com a Espanha, nem a Espanha com Veneza, pois Veneza várias vezes fizera aliança com os turcos. São Pio V interveio exortando a Espanha a enviar uma armada para proteger Malta e garantir a rota que levaria auxílio até a Ilha de Chipre.
Felipe II aceitou e enviou seus embaixadores, diante do qual Sua Santidade nomeou Marco Antonio Colonna, bem visto por Filipe II e Veneza, como chefe da armada pontifícia. Sob o comando e mediação do Supremo Pontífice tiveram início as negociações entre a Espanha e Veneza, mas desconfiança mútua e os interesses de ambas as partes, influenciara na demora dos acordos. São Pio V mediou nas discussões com paciência heroica e cordura, e sugeriu a Dom João da Áustria, bastardo irmão de Felipe II, então jovem de 24 anos, como generalíssimo dos exércitos cristãos.
Durante as negociações, uma peste dizimou a esquadra veneziana, e os turcos conquistaram a ilha de Chipre, após 48 dias de resistência heroica. A perda de Chipre desanimou toda a Cristandade. São Pio V culpou os príncipes católicos por aquela perda, que deveriam abandonar suas atitudes antes que fosse tarde demais, e só expiariam suas culpas se resolvessem se unir em defesa da Cristandade.
Em março de 1571 chegaram a Roma as respostas afirmativas do Rei da Espanha e do Doge de Veneza. Superadas as divergências, formou-se uma Liga entre ambas as potências com caráter defensivo e ofensivo para agir contra o Sultão e seus estados tributários, Argel, Tunísia e Trípoli. A Liga contaria com 200 galés, 1.000 transportes, 50.000 infantes espanhóis, italianos e alemães, 4.500 de cavalaria ligeira e o número necessário de canhões.
1º Preparativos para a batalha.
Sua Santidade enviou à Liga um estandarte de damasco de seda azul com a imagem do Crucificado, tendo a seus pés as armas do Papa, da Espanha, de Veneza e de Dom João da Áustria. Dom João da Áustria recebeu o estandarte das mãos do cardeal Granvela, que lhe disse:
“Toma, ditoso Príncipe, a insígnia do Verbo Humanado; tem o vívido sinal da Santa Fé, da qual és defensor nesta empresa. Ele te dará uma gloriosa vitória sobre o inimigo ímpio, e por tua mão será abatida a soberba. “
Preocupado com as notícias do avanço turco, São Pio V enviou uma carta a Dom João, exortando-o a zarpar o mais depressa possível para Messina, prometendo-lhe pouco depois, através de seu núncio Odescalchi, a vitória acima de todos os cálculos humanos. Encorajado por essas palavras, Dom João agiu rapidamente. Para preservar o caráter sagrado da empresa, proibiu as mulheres a bordo, ditou a pena de morte contra os blasfemos e impôs um jejum de três dias. Nenhum dos 81 mil marinheiros e soldados ficou sem confessar e receber a comunhão, até mesmo os galeotes.
2º Em formação para a batalha.
Nos dias 16 e 17 de setembro a frota cristã partiu do porto de Messina. A frota turca estava localizada em Lepanto, um porto localizado ao sul do estreito que une o Golfo de Patras com o Golfo de Corinto. Em 6 de outubro, o vento deteve os católicos e empurrou os otomanos para fora do estreito de Lepanto, facilitando assim o combate. No domingo, 7 de outubro, antes do amanhecer, os navios católicos levantaram âncoras e adentraram o Estreito de Lepanto. Um canhão ordenou o início da batalha e o estandarte da Liga foi hasteado no principal mastro da nau capitânia. Dom João, da Áustria, exclamou: “Aqui venceremos ou morremos”.
Dom João comandou o centro, flanqueado por Colonna e Veniero; os Requesens catalães vinham um pouco mais atrás. A esquadra espanhola de Andrea Doria, com 60 navios, formava a ala direita em direção ao alto mar. Os 35 navios do Marquês de Santa Cruz aguardavam ordens na retaguarda para sua eventual intervenção.
Ali Paxá, o almirante otomano, também dispôs sua frota de combate. O generalíssimo turco parecia querer atacar pelo centro e ao mesmo tempo envolver os cristãos, aproveitando-se de sua superioridade numérica de 286 navios contra 208. O vento soprava do leste, favorável aos infiéis, enquanto os católicos se aproximavam do inimigo pela força dos remos. Quando as esquadras estavam à vista, o vento diminuiu.
Na praça católica Andrea Doria propôs um conselho de guerra para discutir se convinha ou não combater um inimigo numericamente superior; mas Dom João da Áustria contestou: “Não é hora de falar, mas de lutar”. Andrea Doria aconselhou então a cortar os enormes esporões das galés católicas, para ter uma linha de fogo mais poderosa.
O comandante supremo, Dom João de Áustria, passou em revista todas as naves de crucifixo em mãos e arengando com ardor para a luta iminente: “Este é o dia em que a Cristandade deve mostrar seu poder, para aniquilar esta seita amaldiçoada e obter uma vitória sem precedentes… Estais aqui por vontade de Deus, para castigar o furor e a maldade desses cães bárbaros; depositai vossa esperança unicamente no Deus dos exércitos, que reina e governa o universo… Recordai que combatereis pela Fé; nenhum covarde ganhará o Céu”. Então ele se ajoelhou em La Real e rezou, fazendo o mesmo todos os seus homens. Em meio a um imponente silêncio, os religiosos deram a última bênção e a absolvição geral àqueles que se expunham a morrer pela Fé.
Enquanto isso, o inimigo cortava o silêncio com suas cornetas, blasfêmias, zombarias e imprecações, e dizia: “Esses cristãos vieram como um rebanho de ovelhas para que nós os degolemos “. A ordem de Ali Paxá era não fazer prisioneiros.
3º A batalha.
Ali Paxá deu um tiro de canhão para chamar os cristãos para a luta. Dom João aceitou o desafio, respondendo com outro tiro de canhão. Naquele momento, o vento mudou inesperadamente em favor dos cristãos.
Os turcos procuravam dar maior amplitude ao seu movimento, para envolver um dos os flancos do adversário. Doria tentava impedir a manobra, mas afastou-se muito da área designada, abrindo uma brecha perigosa entre a ala de seu comando e o centro da esquadra. O apóstata italiano Uluch Ali entrou pelo espaço vazio deixado por Doria. Com seus melhores navios, ele se lançou em combate para o centro dos cristãos, e com algumas galeras pesadas manteve Doria longe. Nesta manobra, as tropas de Doria quase foram aniquiladas, e a reserva do marquês de Santa Cruz não pôde socorrê-lo, pois estava empenhado em ajudar os venezianos na ala esquerda ao longo da costa.
Ali Paxá, conhecendo pelos santos estandartes a galera de Dom João, investiu pela proa de La Real, e lançou sobre ela uma horda de janízaros selecionados. Naquele momento, o conselho dado por Doria provou sua eficácia: desembaraçado do peso representado pelo esporão, a artilharia do navio católico dizimou a tripulação de La Sultana, o navio de Ali Paxá. Em socorro desta chegaram 7 galeras turcas, que lançaram mais janízaros à luta sobre a ensanguentada ponte da nave capitã de Dom João.
Por duas vezes a horda turca penetrou no mastro principal de La Real, mas os bravos veteranos espanhóis forçaram-nos a retroceder. Os galeotes, armados com espadas, abandonavam os remos quando havia abordagens e lutavam bravamente contra os turcos. Mesmo assim, a situação estava se tornando mais perigosa: Dom João contava apenas com dois barcos de reserva, sua tropa sofrera muitas baixas e ele próprio fora ferido em um pé. Foi então quando o marquês de Santa Cruz, depois de libertar os venezianos, veio em socorro de Dom João, e este foi capaz de rechaçar os janízaros.
Quando o momento era mais crítico, Ali Paxá, defendendo La Sultana de outro ataque cristão, caiu morto por um tiro de arcabuz espanhol. Eram 4 da tarde. O corpo do generalíssimo dos infiéis foi arrastado aos pés de Dom João; um soldado espanhol cortou sua cabeça, que por ordem de Dom João foi enfiada na ponta de uma lança para todos verem. Um clamor de alegria vitoriosa surgiu da nave capitã. Os turcos estavam derrotados, e o pânico rapidamente apoderou-se de suas hostes desde que o estandarte de Cristo começou a flamejar na Sultana.
As perdas dos infiéis eram enormes: 30.000 mortos, 10.000 prisioneiros, 120 galeras capturadas e 50 afundadas ou incendiadas, tomadas numerosas bandeiras e grande parte da artilharia. 12.000 cristãos escravizados pelos mouros ganharam a liberdade. O resto da esquadra inimiga bateu em retirada, enquanto as trombetas católicas proclamavam aos quatro ventos a vitória da Santa Liga na maior batalha naval registrada pela história. Soube-se mais tarde que, no calor da batalha, os soldados de Maomé viram sobre os principais mastros da esquadra católica uma Senhora que os aterrorizava com seu aspecto majestoso e ameaçador.
4º Notícias da vitória chegam em Roma.
Enquanto isso, em Roma, o Papa jejuava e redobrava suas orações pela vitória, exortando cardeais, monges e fiéis a fazer o mesmo, confiando na eficácia do Santo Rosário. No dia 7 de outubro, enquanto trabalhava com seu tesoureiro Donato Cesi, o Papa de repente deixou seu interlocutor, abriu uma janela e entrou em êxtase; e, voltando-se para o seu tesoureiro, disse: “Ide com Deus. Agora não é hora de negócios, mas de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra acaba de vencer”; e dirigiu-se para a sua capela.
Na noite de 21 a 22 de outubro, o Cardeal Rusticucci despertou o Papa para confirmar a visão que ele tivera. Em um pranto varonil, São Pio V repetiu as palavras do velho Simeão: “Agora, Senhor, já podes deixar o teu servo ir em paz” (Lc 2 29). Na manhã seguinte, a feliz notícia foi proclamada em São Pedro, após uma procissão e um solene Te Deum.
Desde então, o dia 7 de outubro foi consagrado a Nossa Senhora das Vitórias, e mais tarde ao Santo Rosário; e a invocação “Auxílio dos Cristãos” foi adicionada nas Litanias Lauretanas. O senado veneziano, agradecido, fez pintar um quadro retratando a batalha, com a inscrição: “Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes, mas a Virgem Maria do Rosário foi quem nos deu a vitória.” Gênova e outras cidades mandaram pintar a imagem da Virgem do Rosário em suas portas. Em toda parte, na Espanha e na Itália, foram erigidas capelas em homenagem a Nossa Senhora das Vitórias;
A história testemunha que o lento declínio do poder naval dos otomanos começou com a jornada de Lepanto.