Se alguém atenta e piamente considera os mistérios da Encarnação, encontrará neles grande profundeza de sabedoria que excede o conhecimento humano. Por isso, a quem os considera com piedade, apresentam-se cada vez mais as suas razões admiráveis.
Ora, deve-se ver que a Encarnação de Deus foi um eficacíssimo auxílio para o homem que busca a bem-aventurança:
[1] A perfeita bem-aventurança humana consiste na imediata visão de Deus. No entanto, poderia parecer a alguém que o homem jamais atingirá esse estado, porque é imensa a distância das duas naturezas. Mas, como Deus quis unir pessoalmente a si a natureza humana, fica clarissimamente manifesto que o homem pode unir-se com Deus pelo intelecto, vendo-o imediatamente. Por isso, foi convenientíssimo que Deus assumisse a natureza humana para elevar a esperança do homem na bem-aventurança. Por conseguinte, depois da Encarnação de Cristo, os homens começaram a aspirar sempre mais a bem-aventurança celeste, segundo o que ele mesmo disse (Jo 10, 10): Vim, para que tenham a vida, e a tenham em abundância.
[2] Além disso, como a perfeita bem-aventurança do homem consiste em tal conhecimento de Deus, que excede a capacidade de todo intelecto criado, foi necessário que houvesse uma certa prelibação desse conhecimento, segundo a qual o homem fosse encaminhado para aquela plenitude do conhecimento bem-aventurado, o que se realiza pela fé. Ora, o conhecimento que leva o homem ao fim último deve ser certíssimo, porque é o princípio de todas as coisas que levam para este fim. Por conseguinte, foi conveniente ao homem ser instruído pelo próprio Deus feito homem, para que tivesse certeza das verdades da fé e para que recebesse de modo humano a doutrina divina. Por esse motivo, vemos que, após a Encarnação de Cristo, os homens são ensinados com maior clareza e certeza sobre o conhecimento de Deus, segundo o que está escrito (Is 11,9): A terra encheu-se do conhecimento de Deus.
[3] Como a perfeita bem-aventurança do homem consiste na fruição de Deus, foi necessário dispor o desejo humano para ela, pois há no homem o desejo natural da bem-aventurança. Ora, o desejo da fruição de uma coisa é causado pelo amor que a ela se tem. Por isso, para o homem tender para a bem-aventurança, foi-lhe necessário ser levado ao amor de Deus. Porém, nenhuma coisa nos leva tanto para o amor como a experiência de seu recíproco amor. Ora, não poderia ter sido manifestado ao homem o amor de Deus de modo mais eficaz do que pelo fato de ter ele querido unir-se em pessoa ao homem, pois é próprio do amor unir o amante ao amado na medida do possível. Logo, foi necessário ao homem que busca a bem-aventurança perfeita que Deus se fizesse homem.
Além disso, consistindo a amizade numa certa igualdade, vê-se que as coisas muito desiguais não podem ser unidas por amizade. Por isso, para que houvesse uma amizade mais familiar entre Deus e o homem, foi a este conveniente que Deus se fizesse homem, porque até pela natureza o homem já é amigo do homem. Desse modo, conhecendo a Deus visivelmente, somos arrebatados para o amor das coisas invisíveis.
[4] É também manifesto que a bem-aventurança é o prêmio da virtude. Por isso, convém aos que tendem para a virtude ser predispostos para ela. Ora, somos estimulados para a virtude pelas palavras e pelos exemplos. Por isso, as palavras e os exemplos de uma pessoa tanto mais levam os outros para a virtude quanto mais firme for a sua idéia sobre a bondade dela. Ora, não pode ter uma idéia infalível a respeito da bondade de um simples homem porque mesmo os homens mais santos têm as suas falhas. Por isso, para que a virtude fosse consolidada no homem, foi necessário que este recebesse do Deus humanado os ensinamentos e os exemplos de virtude.