A FORMAÇÃO DA ELITE

Saint Louis Educated by His Mother, Blanche of CastilleDesde tempos imemoriais as massas foram escrutinadas a fim de se descobrir nelas os líderes. Embora tenha havido épocas mais felizes em que os homens superiores apareceram em maior número, a raridade deles, por outro lado, foi a situação mais habitual da humanidade. Os homens, os verdadeiros homens são raros. Montalembert podia afirmar: “São sempre os homens que faltam com as doutrinas, com as crenças e com os deveres”.

Se Diógenes voltasse à vida, ele poderia ainda, com lampião em mãos, andar pelas ruas em pleno meio dia em busca de homens completos, competentes, capazes de cumprir, por sua superioridade, uma missão de elite.

No entanto, talentos não faltam. Deus os dá em profusão, colocando-os em todas as classes da sociedade. Num instante eles brilham e trazem à luz grandes esperanças de beleza, força, piedade, integridade e fé; mas logo em seguida, arrebatados pelo caminho da vida material e dos prazeres, eles vão embora sem dar à religião e nem à pátria tudo o que elas tinham direito de esperar. Esses homens acabam não subindo até as alturas das elites. O que falta então? O que falta é a formação contínua e aperfeiçoada; o que falta é o esforço individual, é a constância no esforço.

O egoísmo mata a elite. Os interesses temporais, a avidez de facilidades, de luxo, de posições lucrativas, de honras e de sucesso mundano sempre atravancaram as dedicações e o dom de si ao bem comum.

Ademais, é com constante preocupação do bem comum que a Igreja sempre se empenhou em extrair das massas elites capazes de dirigi-la, capazes de serem forças vivas da religião e da sociedade.

Pouco tempo atrás, do alto da tribuna francesa, a ilustre e franca voz do Sr. Jean Lecour Grandmaison proclamava esta verdade: “O que caracteriza o cristianismo é o culto dos pequeninos, dos fracos, dos que choram. É o misereor super turbam e o chamado constante do peso da responsabilidade das elites”.

A Igreja está em perpétua continuidade do seu papel social. É também com a bênção de Sua Santidade o Papa Pio XI que o Apostolado da Oração acaba de pedir ao mundo católico que reze pela formação da elite. Esta será a intenção que cada um proporá em suas orações, obras e sofrimentos durante o mês de dezembro [de 1925, N.T.].

Mas o que é então a elite? O talento, a riqueza e a função social não constituem a elite. A elite pode estar em qualquer lugar, porque ela se funda sobre as qualidades do coração e da vontade.

Eis porque se diz na Sagrada Escritura que Deus aprecia o homem olhando para o seu coração: intuetur cor [1Sam 16, 17]. A elite será então uma escolha de homens eminentes pelos dons do coração.

Todo homem, independente de qual profissão ele pertença, que seja capaz de ter por sua generosidade, seu talento e sua vontade, uma influência sobre os outros, este homem pertence à elite.

Como se trata da influência no bem, o homem de elite é antes de tudo o homem de abnegação, capaz de querer o bem a despeito das dificuldades, contradições e sacrifícios pessoais.

O homem de elite é portanto o homem do coração e da vontade, possuidor de ideias e de ação, capaz de perseguir até o fim uma resplandecente vida de fidelidade aos princípios imutáveis do Evangelho.

Formar esses homens resplandecentes no bem: eis a árdua obra pela qual devemos rezar. Ainda pensamos nesse dever cristão de rezar privadamente e em público por aqueles que nos dirigem e nos dirigirão, para que tenhamos sempre chefes espirituais e temporais à altura do cargo?

Nosso Senhor em pessoa nos dá uma brilhante lição quando diz aos seus Apóstolos: “Rogai, pois, ao dono da messe que mande operários para a sua messe” [Lc 10, 2]. A messe sempre está à procura de operários; a messe é a massa a se converter, a se esclarecer, a dirigir; a elite são os operários leigos e padres que o mundo sempre precisará.

Essa elite se forma lentamente. O primeiro de todos, Cristo, que quis agir sobre os homens por meio dos homens, prestou-se a essa tarefa durante três anos para formar a elite de doze que deveriam transformar o mundo pagão.

É e sempre será preciso elites para impedir que o mundo volte ao paganismo. É uma necessidade tanto mais urgente na medida em que há elites do mal, elites ativas na aceleração da descida do homem à barbárie e à verdadeira brutalidade.

Sempre e em todos os lugares as massas estarão sujeitas à exploração e serão exploradas para o bem ou para o mal.

A desigualdade de dons recebidos – dons intelectuais, morais e temporais – deixará sempre uma sociedade composta de fracos e fortes, de grandes e pequenos, de ricos e pobres.

Os fortes se imporão por alguma influência nefasta ou salutar e os fracos seguirão. Vitor Hugo escrevia: “Ponha um homem que tem ideias em meio a homens que não a têm; depois de um certo tempo, e por uma lei de atração irresistível, todos os cérebros tenebrosos gravitarão humildemente e com adoração em torno do cérebro resplandecente. Há homens que são ferro e homens que são ímã”.

Importa então, para a salvação dos povos, que aqueles que trabalham no seio das classes sociais sejam homens de bem, elites segundo o Coração de Deus, visto que é para Ele somente que somos criados.

O trabalho de elite será então sempre o de difundir direta ou indiretamente o Reino de Cristo nas almas; trabalhar para colocar Deus nas ideias, nos juízos e nos atos; contrabalancear o trabalho daqueles que o Senhor chama filhos das trevas; enfim, moldar verdadeiros filhos da luz.

Ao galo que acredita que faz o sol nascer, o poeta diz: Quando o céu está cinzento é porque eu cantei mal. Frase muito verdadeira em se tratando da elite! Da direção da elite depende a direção das massas. Quando as massas vão mal é porque a elite cantou mal. O meio de ter homens de elite é primeiro pedi-los a Deus, conforme acabamos de ver, mas é também fazer todo o possível para formá-los.

Como conseguir isso? Neste caso é trabalho de todos: pais, professores e professoras, dirigentes e padres. Trata-se de formar o homem por inteiro, algo sobretudo valioso para o coração e para a vontade; será preciso, portanto, começar cedo.

O que importa em primeiro lugar é desenvolver na criança o autocontrole; fazer pouco a pouco com que o eu superior domine o eu inferior por meio de uma educação contínua que desenvolva corpo e alma: ao primeiro dar ar puro, leite puro, ginástica; à segunda podar os caprichos, as protuberâncias de caráter e humor, em suma, fazer com que aprenda a querer se autocontrolar.

«Dê-me um ponto de apoio e uma alavanca, dizia Arquimedes, que moverei o mundo».

Que as famílias cristãs, sobretudo as mães, deem essa primeira educação na infância e esse será o ponto de apoio para edificar as elites. Outras etapas virão na continuação da formação do coração e da vontade. Enquanto desenvolvem e adornam a inteligência, buscarão sustentar os princípios, a dar convicções de fé, de dever e de responsabilidade. Fortificarão o senso católico, impregnando as almas de religião, dedicação e sacrifício; aprendendo a colocar na vida, antes de tudo, Cristo.

Apontarão também os talentos a serem explorados, as lacunas da inteligência, do coração e do caráter. Farão, enfim, o formidável trabalho de educadores católicos que preparam cidadãos católicos, prontos para viver, em todas as circunstâncias, o papel de verdadeiros cristãos; o papel de homens de elite convocados a todas as influências – influências de ideias, ações, coragem, de exemplos vigorosos em todos os domínios, sabendo sempre e em todos os lugares, tanto no sucesso como no insucesso, na sombra como na luz, caminhar sempre retamente, na verdade e da virilidade.

«Sejam unos, sejam santos, sejam católicos, sejam apostólicos», disse recentemente Sua Santidade o Papa Pio XI aos jovens de todos os países reunidos em congresso em Roma. É a palavra que se deve constantemente repetir às elites em formação, é a própria base da sua influência futura, a característica de todas as elites:a da palavra, da pluma, da ação e da santidade.

Mas há o batismo da elite que é o contato com a realidade da vida no dia a dia, realidade deprimente, contagiosamente deprimente contra a qual a elite em formação resiste com tão poucas forças. Quantos potenciais operários de fecundas colheitas não serão jamais os ceifadores porque o ambiente os fez como as massas.

Aqui é preciso sublinhar a importância de se fazer um ambiente de elite. Será sempre verdade que a ideia incita à ação. Por isso, é importante manter sempre entre a elite quase formada e mesmo entre a elite ativa, as ideias que manterão o ideal, que apoiarão as vontades contra todos os obstáculos inevitáveis.Será para unir a ação na confusão da vida à formação dos anos anteriores e garantir a continuidade dos princípios vividos, dos pensamentos diretivos que nutrem uma vida superior.

É preciso adquirir os meios de ser uno e de assegurar a unidade de vida.

Além do estudo e da leitura, muitas organizações que pedem um pouco de boa vontade e de esforço poderão concitar as energias: grupos de jovens, pessoas que conheceu em retiros anteriores, amigos da religião, círculos de estudos, contato regular com os antigos professores, enfim: tudo aquilo que possa proteger contra o que há de deprimente na preparação e assim guardar na alma o fogo que faz a luz e o calor da vida de um homem de elite. Mas sempre e sobretudo rezemos pela elite, por todas as elites.

R.P. Olivier H.-Beaulieu, S.J.

Artigo extraído da Revista Le Carillon – n.º 10 – Le libéralisme