Estando a humanidade corrompida pelo pecado do primeiro homem, Adão, enviei o Verbo, meu Filho unigênito. Todos vós, vasos modelados no mesmo barro, estáveis contaminados e sem condições para aceder à vida eterna. Então eu, o Altíssimo, me uni à pequenez da vossa natureza humana. Desejava remediar a corrupção e morte do homem, restituindo-lhe a graça perdida com o pecado. Todavia, a mim, Pai eterno, era impossível sujeitar-me ao sofrimento e minha justiça exigia o castigo da culpa. Os homens eram incapazes de dar a satisfação; e, se isso acontecesse, cada pessoa teria que fazê-lo para si mesma, não por todos os outros. Na realidade, nenhum de vós tinha capacidade de dar reparação, nem por si, nem pelos outros, já que a culpa atingira meu ser infinito. Queria eu, então, reconstruir a humanidade; ela, enfraquecida, não podia dar a reparação ao mal. Enviei, pois, o Verbo, meu Filho unigênito, revestido de vossa natureza, a corrompida matéria de Adão. Nessa natureza, ele haveria de sofrer, morreria mesmo, para aplacar minha ira. Por tal maneira satisfiz a minha justiça, saciei-a pela misericórdia, pois esta última queria cancelar a culpa humana e preparar a humanidade àquela bem-aventurança para a qual a havia criado.
Assim unida à divindade, a humanidade pôde dar a reparação. Como? Seja mediante o sofrimento humano de Cristo, seja pela virtude da natureza divina infinita do Verbo encarnado. Desta união das duas naturezas, recebi e aceitei o sacrifício do Sangue. Era sangue humano, mas mesclado, amalgamado com a natureza divina, como fogo do meu amor. Este amor foi o único laço que reteve Jesus quando cravado na cruz. Foi somente dessa forma – na virtude da divindade (de Cristo) – que se tornou possível a reparação da culpa humana; foi assim que se cancelou a mancha do pecado de Adão. Dela restou apenas uma cicatriz, que é a inclinação para o mal e os defeitos corporais, à semelhança da cicatriz que fica quando uma pessoa é curada de uma ferida.
A ferida causada pela culpa de Adão era mortal. Ao chegar o grande médico, meu Filho unigênito, ele curou o doente, sorvendo a medicina amarga, impossível de ser tomada pela fraqueza humana. Cristo comportou-se como a ama-seca, que bebe o remédio em lugar da criança, dado que ela é grande e forte, ao passo que a criança é fraca e não suporta o amargor. Cristo foi o substituto. Graças ao poder e fortaleza da divindade que nele se achava unida à natureza humana, tomou o medicamento amargo, a morte na cruz, para curar e restituir a vida a vós, crianças enfraquecidas pelo pecado.
O Diálogo – Santa Catarina de Sena